Em defesa do SUS (Elizabethe Fagundes de Souza)

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Vejam artigo publicado no dia 12 de junho na Tribuna do Norte escrito por Elizabethe Cristina Fagundes de Souza, professora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva – UFRN

A gestão municipal surpreendeu os cidadãos natalenses com a lei publicada no feriado de Corpus Christi, que, no dia seguinte, foi exercida para contratar uma Organização Social(OS) pernambucana para gerenciar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) inaugurada no dia 09 último, em Pajuçara. Uma surpresa que fez lembrar golpes dos tempos em que falar em gestão democrática era proibido.A contratação de OS é uma estratégia usada por alguns (ainda poucos) gestores estaduais e municipais. Trata-se de proposta questionada e combatida por vários seguimentos da sociedade. A defesa da OS tem como argumento principal o de superar entraves na gestão pública, sobretudo, os advindos da lei de responsabilidade fiscal. Argumentos contrários destacam a maior vulnerabilidade de corrupção e a precarização do contrato de trabalho com a extinção gradativa da figura do servidor público.

O central dessa discussão nem sempre fica explícito, que é a quebra das conquistas na Constituição Federal e sua leis regulamentadoras. Quebra não como mera formalidade legalista ou constitucionalista, mas, que fere o reconhecimento do direito à saúde como um bem público e um patrimônio humano, ou seja, faz prevalecer a concepção de  assistência à saúde como uma mercadoria, esta criada a partir da doença e do sofrimento humano. Tal debate, portanto, tem lado, conteúdo e escolha política. Não é simples questão de grau de eficiência na gestão, como dizem os defensores de propostas privatizantes do SUS, tal qual a que ganhou neologismo de “parcerização” à moda micarlense.

Nossa Constituição é plural. Ela permite ao capital se reproduzir com a assistência  à saúde ao assegurar a livre iniciativa, mas é muito explícita quanto ao dever do estado garantir o funcionamento do Sistema Público de Saúde com universalidade, equidade e integralidade da atenção. Desta forma, somos cidadãos de direito ao acesso a todas às tecnologias disponíveis nos serviços do SUS, desde uma vacina a um transplante. São  conveniados ou contratados serviços apenas de forma complementar e sob as regras do direito público, ou seja, a função pública do SUS deve estar assegurada em quaisquer circunstâncias.

A construção do SUS é complexa, há obstáculos a superar e exige gestão competente e inovadora, e a destinação de recursos suficientes. Mudamos em relação ao tempo em que apenas quem possuía carteira assinada tinha assistência, nos serviços ofertados por meio do INAMPS. Precisamos mudar muito mais para não retroceder no que avançamos e para superar o que persiste do modelo antigo. O SUS se constrói nas e com as contradições produzidas na sociedade. As soluções milagrosas como a de contratar OS não são viáveis para sua sustentabilidade. Esta exige iniciativas que valorizem e protejam o serviço público, o servidor público e reconheçam o usuário como cidadão de direitos e não apenas consumidor de procedimentos. É preciso mudar as formas de fazer a gestão pública, democratizar as instituições de saúde, mudar o modo de cuidar, valorizar o trabalho em saúde com condições dignas, e implantar uma carreira SUS que blinde profissionais do duplo vínculo e garanta dedicação exclusiva com salários dignos como ocorre, por exemplo, na carreira judiciária. 
 Todos nós, sociedade e poder público, estamos implicados na construção histórica do nosso sistema de saúde e precisamos tomar posição em seu favor.  Urge assumir o desafio de construirmos um pacto na defesa radical do SUS como um bem público e humano. Que a prefeita de Natal seja sensível ao apelo histórico de defesa do sistema público de saúde e reveja sua adesão às receitas privatizantes da gestão pública, que ferem preceitos republicanos e democráticos de nossa constituição.