O Cisne Negro: o filme que homenageia Antonin Artaud

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       O filme em cartaz “O cisne Negro” (Black Swan), do excelente diretor Darren Aronofsky, conta a história de Nina (Natalie Portman) que, ao se ver escolhida como primeira bailarina da companhia, irá interpretar a rainha dos Cisnes em uma versão do exigente coreógrafo Thomas (Vincent Cassel) de “O Lago dos Cisnes”, de Piotr Ilitch Tchaikovsky. Ao ter que interpretar simultaneamente o cisne branco (símbolo da pureza e ingenuidade) e o cisne negro (metáfora para a malícia, sensualidade e maldade), Nina verá toda sua vida posta no limite da sua existência. 

Em vista da relação de dominação de sua mãe (Barbara Hershey), que a torna insegura e solitária, Nina produz um modo de vida em que predomina a disciplina e a competência técnica em todos os espaços, excepcionalmente na dança. Verão ai os psicólogos: Édipo nas suas várias substituições.

Mas o que de fato ocorre é excepcional. Estando ligada a um fluxo contínuo em que há o privilégio da organização, do organismo, a função de órgão como dominância da vida, (veja que não estou dizendo que Nina é vitima deste processo, mas que, de algum modo, pactua-se com ele), Nina encontra outro agenciamento, na dança a necessidade de “ser” o Cisne Negro. Thomas entende isso, vê em Nina apenas o Cisne Branco, mas sabe que a qualquer momento o Negro surgirá, bastando para isso provocar Nina; ser, ao gosto do Don Juan de Carlos Castañeda, seu pequeno demônio e conta para essa tarefa com a ajuda da sedutora Lily (Mila Kunis, em ótima atuação).

Eis a tarefa de Nina e do diretor Darren Aronofsky, quebrar a organização de Nina, destruir seus órgãos, fazer explodir seu “Corpo Sem Órgãos” – tributo a Antonin Artaud.

Nina ataca seu corpo, rasga sua pele para dar passagem a sua intensidade, sua potência. Nina atuará a maneira do masoquista, que, longe de buscar prazer na dor, como querem alguns, submete seu próprio corpo a toda estratégia, não para obter mais controle, mas, ao contrário, retirar da organização, da função de órgão, toda possibilidade de controle sobre sua potência, sobre sua intensidade. Nina trabalha bem, suas últimas palavras no filme dizem isso claramente: “Eu senti !”

A aliança de Natalie Portman e Darren Aronofsky é capaz de nos mostrar todo o mundo em que nos metemos, nossa maneira de viver, dominada pela competência, eficiência e utilidade. Esquecemo-nos de quanto a vida esta para além, ou aquém, disso. Esquecemo-nos de nossa própria potência, de nossa própria intensidade.  Sem dúvidas há muitos caminhos diferentes para atingir esta singularidade. Talvez o de Nina seja árduo demais, mas era, para ela, o necessário. Afinal, mais vale um segundo de liberdade do que uma vida de escravidão. Bom filme e divirta-se.