Primeiro Ano de Vida da “Associação Livre”: Rodas de Conversa

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“Ninguém consegue tirar das coisas, incluindo os livros, mais do que aquilo que ele já conhece. Pois aquilo a que alguém não pode chegar por meio da experiência, para isso ele não terá ouvidos.”

(Rubens Alves, 2004, p. 28)

 

 

Primeiro Ano de Vida da “Associação Livre”: Rodas de Conversas

Rubens Alves (2004)  conta que virou escritor por tudo o que deu de errado em sua vida. E assim começa a nossa história: as rodas de Conversa em Saúde Mental iniciaram para dar conta da demanda para atendimentos psiquiátricos. A fila de espera para atendimento especializado gerava desconforto para a Equipe bem como para a Comunidade.

Uma vez por mês a Equipe (médico do ESF, psicóloga e psiquiatra) senta em roda de conversa com a comunidade. O encontro acontece na praça central da cidade. E é nesse encontro de diferentes, usando o método denominado por Freud como Associação Livre, que sujeitos vagueiam, focando demandas que vão circulando, dividindo com o “outro” suas dores, dificuldades, “clareando seus fantasmas”.

No começo era levado material pronto, com alto grau de tecnologia. Quando o data-show foi desligado que a tecnologia do encontro se fez presente e a roda aumentou significativamente. Questionamentos se seguiram, por parte da Equipe,  reproduzir o instituído, tão profundamente enraizado na  Equipe de Saúde Mental  que é preciso lutar contra o desejo de reunir o povo na biblioteca. Lutar contra o desejo de: uniformizar os desejos. Singularidades são potências, pensa a Apoiadora.  Nessa linha de raciocínio contribui Santos (2002, p. 17), ao afirmar que “[…] alguns estão tão seguros de que suas próprias crenças são absolutamente universais e objetivas” que acabam negando os desejos dos outros.

O que se traz para roda de conversa é um conteúdo de vida, a dor, o desprazer, a dificuldade de dizer não ao outro, a impossibilidade de dizer sim à vida. Então, o grupo é espaço para expor questões, para sujeitos apropriarem-se da horizontalidade e se redescobrirem no outro, a si mesmos.

A Psiquiatra faz formação em Psicoterapia de Orientação Analítica enquanto a Psicóloga  em Humanização. Há então, estranhamentos nas falas. Um dia desses saiu na roda: “difícil é a democracia, um poder falar e outro ter de ouvir”.

Teixeira (2005, p. 14) recorda Maturana: “democracia é uma obra de arte, é um produto do nosso emocionar, uma maneira de viver de acordo com o desejo de uma coexistência dignificada na estética do respeito mútuo.”

Estou cada vez menos doutora, cada vez mais Nise.” Parafraseando com Nise da Silveira, “estou cada vez menos Psicóloga, cada vez mais Cláudia.”

O Gestor tem aproveitado as rodas de conversa da Rede de Saúde Mental para se deliciar do percurso. Tem participado e sai tranqüilo, pois, naquele momento a demanda das pessoas é pela fala, e não por exames, remédios ou consultas. O Gestor tem dividido com a Equipe a angústia que é esperar pela fala… esperar ela andar.

“É como se o amanhecer na cidade custasse a chegar, o menino fica lá… Foca de um lado para o outro, iluminando, temendo à espera dos fantasmas que não tardam a aparecer…”, pensa a Apoiadora.”O nome dado a esse Encontro é Associação Livre  também por ser  um Grupo aberto a qualquer pessoa da Comunidade e onde não é exigido freqüência. Além de ser mais uma oferta à Comunidade, a Roda  produz bem-estar à  Equipe e amplia a  resolutividade nas ações. É a Humanização costurando novos formas de atenção à Saúde: "defendendo a vida".

 



Lutar contra a reprodução pela mera reprodução; se pôr em questão.

Nise da Silveira nasceu em Maceió, em 15 de fevereiro de 1906  e morreu no Rio de Janeiro, em 30 de outubro de 1999. Foi uma renomada médica psiquiatra brasileira, aluna de Carl Jung. Dedicou sua vida à Psiquiatria e manifestou-se radicalmente contrária às formas agressivas de tratamento de sua época, tais como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia.

A prática de um cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do desejo no campo social. E pouco importa que setores da vida social ele toma como objeto. O que importa é que ele esteja atento às estratégias do desejo em qualquer fenômeno da existência humana que se propõe perscrutar: desde os movimentos sociais, formalizados ou não, as mutações da sensibilidade coletiva, a violência, a delinqüência… até os fantasmas, inconscientes e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e massas, institucionalizados ou não (ROLNIK, 2007, p. 65).