Quando a UTI se transforma num espaço coletivo de construção de cidadania

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Tradicionalmente, a UTI de qualquer hospital é sempre vista como um espaço de tensão, sofrimento e dor. Via de regra, as pessoas fogem da UTI como o diabo foge da cruz. Uma internação na UTI, pra muitos, significa que o paciente está fadado à morte. E quando se trata de um hospital infantil, o tensionamento ainda é maior. Ninguém está preparado para aceitar a hospitalização de um ente querido, muito menos de um filho numa UTI. Mas, quando isso acontece, a família quer estar por perto, aproveitar cada momento facultado para a visita. Qualquer minuto a mais para um contato com o paciente é sempre bem-vindo.

Na UTI do Hospital Infantil Lucidio Portella, todo paciente tem direito a um acompanhante em tempo integral.  Entretanto, as visitas até 2010 se limitavam ao horário das 14h00 às 16h00. Buscando implementar o Direito a Acompanhante e à visita aberta, como um dos dispositivos da PNH que fortalece a autonomia do paciente, a visita na UTI, de duas horas de duração, foi ampliada para três horas diárias no turno da tarde. e aberta para o pai e ou mãe no turno da manhã, durante toda os dias da semana, a partir das 10h00. Essas mudanças fortaleceram os sentimentos de confiança e de pertencimento dos pais e rede social dos pacientes, em relação ao hospital. Entretanto, recentemente, por determinação da equipe de enfermagem, o horário de visita sofreu uma redução, passando a funcionar das 15h00 às 17h00, sob o argumento de que os visitantes estavam atrapalhando na realização dos procedimentos terapêuticos, na medida em que interrompiam o fazer dos profissionais, para solicitação de esclarecimentos, e ou mesmo para questionarem esses procedimentos. A decisão da equipe causou uma certa insatisfação nos pais/acompanhantes que já estavam habituados com as visitas no horário anterior. Alguns desses pais insatisfeitos procuraram o Serviço Social do hospital para reclamarem as mudanças ocorridas e reivindicarem o direito de visitarem os filhos nos horários pactuados anteriormente. Frente as manifestações dos pais/acompanhantes, o Serviço Social provocou uma roda de discussão envolvendo alguns profissionais da UTI ( médicos , enfermeiras, psicólogo), pais/acompanhantes, tendo em vista problematizar a questão, na busca de uma solução adequada.

A reunião aconteceu no corredor de espera da UTI, e foi aberta pela Assistente Social Emilia, com uma abordagem sobre as conquistas alcançadas em relação aos direitos dos acompanhantes e visitas, fazendo um link com os dispositivos da PNH priorizados na construção do plano de humanização, para serem implementados no hospital, tendo em vista o fortalecimento da humanização nas práticas do cuidado. Na seqüência foi feita uma escuta aos pais/acompanhantes sobre as mudanças dos horários das visitas.

O Sr. Francisco, pai da criança N.M, portadora de uma patologia neurológica progressiva, falou que pelo fato da sua filha ser “uma moradora” da UTI, gostaria de passar mais tempo com ela. Argumentou que às vezes chega cedo no Hospital, entretanto tem que esperar até às 15h00, para poder ver a filha. Solicitou que os profissionais procurassem entender o sofrimento dele, em relação a doença da filha e as limitações de acesso.

José Alberto, tio da criança W. V, observou que seu sobrinho fica bastante animado com a sua visita, “ele conversa, e pergunta por todos os parentes”. Acrescentou que às vezes, traz fotos dos familiares pra ele ver, o que o deixa muito feliz.. A criança é muito calada, e tem dificuldade de se interagir com as pessoas. “Poucos são os profissionais que conseguem tirar uma palavra dele”, observou. Ele  comentou ainda que o doente ao receber uma visita sente que as pessoas gostam e se importam com ele. “No primeiro dia da mudança de horário, ao entrar na UTI, o meu sobrinho falou “pensei que você tinha ido embora”, finalizou.

A Srª Maria do Socorro, mãe da D.S.S, ressaltou que a sua filha gosta muito de receber a visita dos tios. Acrescentou que a redução do horário está dificultando a visitação dos familiares.
Francisca, Técnica de Enfermagem, esclareceu que os procedimentos de enfermagem durante o dia ocorrem nos horários das 8h00, 11h00, 14h00 e 18h00, cuja realização se torna dificultada com a presença dos visitantes, e que esses às vezes, até interferem nos processos de trabalho. Acrescentou que a mudança de horário se deu a partir de uma conversa dos profissionais da equipe de trabalho, em conjunto com o Coordenador da Enfermagem. Na oportunidade, a Enfermeira Rosana falou que os acompanhantes e visitantes sempre são bem recebidos na UTI, entretanto, concordou, que às vezes, a presença deles dificulta os procedimentos da equipe.

Dr. Carlos, Pediatra intensivista, falou que reconhece a importância das visitas, porém esclareceu, que todos os visitantes ao chegarem se dirigem aos profissionais na busca de informações sobre a clínica do paciente, e que essa atitude geralmente ocorre quando eles estão fazendo as prescrições, o que quase sempre "atrapalha". Argumentou também, que nas visitas matutinas, os visitantes quase sempre  chegam antes da realização da avaliação das crianças, o que dificulta o atendimento dos pedidos de informações. O médico recomendou para que haja uma “acolhida” aos visitantes na chegada, no sentido de esclarecê-los sobre algumas rotinas da UTI, tendo em vista a colaboração deles com o trabalho da equipe.

Alessandra, Psicóloga, também ressaltou a importância da presença dos pais e das visitas no processo de tratamento do paciente. Lembrou que ate´ mesmo as crianças pequenas percebem a presença dos pais. Concordou que os visitantes precisam ser melhores informados e orientados, e que essa função é da responsabilidade de toda a equipe. Sugeriu a criação de um protocolo específico para a UTI, definindo o fluxo de atendimento nessa unidade.

Dr. Texeira, Diretor Técnico Assistencial sugeriu que os pais tenham livre acesso à UTI, sem controle de horário, e que os acompanhantes permaneçam em tempo integral no leito da criança, pois esses quase sempre, nos momentos dos procedimentos são solicitados para deixarem o leito.

Emilia, Assistente Social, falou que o hospital vive um momento de mudanças, de avanços, e que os direitos já conquistados para o fortalecimento da autonomia e do protagonismo dos usuários devem ser garantidos. Ponderou que a redução do horário dos visitantes é um retrocesso nessa direção. Assim, foi pactuada a fixação do horário de visita na UTI, ficando das 14h30 às 17h30. No turno da manhã, o pai e ou mãe, que não esteja acompanhando terá permissão para a visita a partir das 10h00, salvo nos casos em que alguma criança tiver sendo submetida a algum procedimento emergencial. Também será elaborado pela equipe um manual específico para os acompanhantes/visitantes da UTI, com a definição das normas e rotinas de funcionamento da unidade.

Finalizando, foi feita uma avaliação do encontro, com destaque para os depoimentos dos seguintes usuários:
“ Muito importante a reunião, porque muitas coisas foram esclarecidas e resolvidas” (Francisco Rodrigues – pai)
“ Gostei da discussão, ajudou a entender melhor o funcionamento da UTI” (José Alberto – tio).