A diferença entre um CAPS e um Hospital

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        A DIFERENÇA ENTRE UM CAPS E UM HOSPITAL

Estou retornando de um dia intenso.
Bela paisagem me distrai na viagem.
O final do pôr-do-sol esconde-se nas coxilhas entre Panambi e Santa Maria à direita enquanto à esquerda, uma lua cheia torna prateados os pequenos açudes do caminho.

Nem precisava desse presente da natureza.
Já havia sido presenteada de várias formas no Dia Mundial da Saúde Mental, dia que comemorei a plenitude de meus dezenove anos de formada.
Pois o dia intenso significou palestrar 2 vezes e replicar uma oficina musical 8 vezes.
É, eu também achei demais quando me passaram a tarefa.
Mas me rendi à sedução do convite de rememorar um dia de CAPS.
Sou “egressa” de um CAPS. Trabalhei intensamente por 12 anos num.
Quem teve essa vivência deve entender do que estou falando.
Eduardo Passos falaria de um tal contágio…

E o dia transcorreu da seguinte forma:
Prefeito chegando na hora exata de dar boas vindas, já ou ainda (?) com a chave do carro na mão…
Um momento de alongamento coordenado por fisioterapeuta
Minha fala sobre Promoção de Saúde.
Intervalo com lanche e show de Gospel e Blues, com direito a violoncelo e gaita de boca.
Retorno para quatro ciclos de oficinas, com média de 25 participantes, que a cada vinte minutos trocavam de sala.
Tive o privilégio de ser oficineira.
Enxuguei um seminário musical que habitualmente faço com alunos da psiquiatria, pinçando morte e vida em música.
Livros no Quintal, do Vitor Ramil pra falarmos em prevenção do suicídio, Ciranda da Bailarina, do Chico Buarque, interpretada pela Adriana Calcanhoto, pra enaltecer nossa humanidade.
Ao final, muitos sorrisos e abraços de agradecimento. Um mais tocante, de uma senhora idosa que emocionada me confidenciou ter perdido uma filha por suicídio há 22 anos e que ali havia compreendido algo e se sentido mais aliviada.
As demais oficinas, infelizmente não pude acompanhá-las, mas vi as pinturas produzidas na oficina de terapia ocupacional, soube que foram servidas iguarias na oficina de nutrição e que os participantes se enovelaram numa dinâmica na oficina de psicologia.
Ao final da manhã, mais emoção estava por vir.
A equipe organizadora da comemoração do Dia Mundial da Saúde Mental em Panambi, equipe do CAPS João-de-Barro, literalmente vestindo a camiseta reuniu novamente todo o grupo, aproximadamente 110 pessoas, no auditório principal de uma escola e brindou a todos com uma lembrança personalizada.
A princípio uma caixa de medicamento controlado. O nome da substância: CAPS. O conteúdo, um coração, elaborado nas oficinas do próprio serviço em pano colorido, perfumado!
A bula, uma aula de promoção de saúde. Na composição, preconizam alegria, dedicação, amor, atitude, bom-humor, paciência, auto-estima, esperança, superação.
De um serviço que se chama João-de-Barro não se poderia esperar diferente acolhimento.
À tarde, tudo de novo, com outras cem pessoas, dentre usuários, familiares e profissionais da saúde.
Ao final de tudo, a ficha de avaliação do evento. Mais uma vez, a equipe esbanja criatividade. Um pequeno pedaço de papel com três faces, respectivamente, de sorriso, indiferença e mau humor, indicadoras de “bom”, “regular” e “ruim”. A queixa da platéia? “Faltou a opção “ótimo” na ficha”!!!
Pra concluir, o tradicional mimo à palestrante.
Pois de tradicional não tinha nada.
Um belo presente embalado em papel celofane contendo uma toalha, com meu nome bordado por uma usuária e um peso de porta lindo, colorido, com flores de pano, que bem poderia estar na vitrine de alguma loja elegante de artesanato.
Nada que lembre os antigos “panos de prato da mental” que a gente comprava “pra dar uma força”.

Mas e afinal, qual a diferença de um CAPS para um hospital?
O peso de porta!
Ou também, se preferirem, o peso das portas.
O peso de porta do hospital que transito é um paralelepípedo quebrado ao meio.
Sim, a pedra, no meio do caminho…
Nos CAPS, os pesos de porta são sempre mais criativos: uma lagartixa, um sapo, um ninho de flores coloridas.
E quem precisa dos pesos? Precisamos mesmo são das flores, da graça, leveza e afeto que eles carregam.

Martha Helena Oliveira Noal
Psiquiatra
Rio Grande do Sul