Sistemas de desigualdade e de exclusão da Modernidade e as políticas de igualdade e de identidade da Pós-Modernidade

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Por JANAINA SPEGLICH DE AMORIM CARRICO

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Nosso personagem que está na fila da DAC (Diretoria Acadẽmica da Unicamp), amigo do Davi, fica indignado com a possibilidade do site da DAC excluir alunos cegos por não ser acessível às pessoas com deficiência visual. Acredita que a diferença em foco – a cegueira – deve ser reconhecida. Ao mesmo tempo, nega a possibilidade do reconhecimento racial quando afirma que não deve haver distinção entre as pessoas pela cor. Movimenta-se entre dois pólos. Opõe-se à exclusão com relação à deficiência, ao mesmo tempo em que desconsidera a desigualdade gerada pela condição racial.

Boaventura Sousa Santos (1999) apresenta uma discussão sobre a questão da desigualdade e da exclusão na sociedade capitalista, considerando-as dois sistemas de pertença hierarquizada. A desigualdade fundamenta-se na integração social de quem está em situação de desvantagem e a exclusão, que também envolve uma hierarquia, está relacionada a quem está em situação inferiorizada. Para esse autor, a exclusão é um fenômeno cultural e social, por meio do qual um grupo se sobrepõe a outro. Para ele, “na base da exclusão, está uma pertença que se afirma pela não pertença, um modo específico de dominar a dissidência. Assenta num discurso de fronteiras e de limites …” (p. 3). Nos mecanismos de exclusão, há a rejeição ou a interdição do que se localiza “do lado” mais fraco, considerado marginal, errado, anormal.

Na Modernidade, o sistema de desigualdade se apóia no essencialismo da igualdade (idéia de que todos são livres e iguais) e o sistema da exclusão no essencialismo da diferença (idéia de que há uma normalidade de fato, determinante).

Boaventura Sousa Santos (1999) apresenta os mecanismos que surgem na sociedade como forma de reação contra a desigualdade e a exclusão. Para ele, há o universalismo, que é uma forma essencialista de combater a desigualdade e a exclusão e assume duas formas distintas: universalismo anti-diferencialista e universalismo diferencialista. No primeiro, há a negação da diferença e no segundo, há a absolutização das diferenças.

Ao negarmos a diferença, movimentamo-nos na direção da homogeneização: a diferença que tem poder social nega as demais. Nesse caso, as diferenças são descaracterizadas. Ao absolutizarmos a diferença, relativizamos e não identificamos critérios transculturais: as diferenças são incomparáveis, não podem ser assimiladas. Nesse caso, pode existir a segregação em guetos e, assim, a cilada da diferença: a redução de um indivíduo ou grupo em uma única faceta de si. Dessa forma, não há deslocamento do olhar para outros ângulos capazes de nos fazer mirar novas e infinitas faces.

Boaventura Sousa Santos (1999, p. 7) aponta que, na sociedade capitalista, há certo controle da desigualdade assim como da exclusão, no sentido de impedir que sejam extremas. “Manter a desigualdade dentro dos limites que não inviabilizem a integração subordinada”. Para esse autor, o modelo capitalista da Modernidade, de regulação social, produção e manutenção das desigualdades e exclusões está em crise.

Como exemplo de crise, temos o caso da integração pelo trabalho e pelo consumo. Dessa forma, Boaventura Sousa Santos (1999) ressalta o fracasso da Modernidade capitalista na gestão controlada da desigualdade por meio da integração social pelo trabalho e da exclusão.

A atualidade tem se configurado com contornos ainda imprecisos. Globalização, espaços transnacionais, tecnologias, mundo digital, questões ambientais, biodiversidade… Os sistemas de desigualdade e de exclusão estão em transição, parecem hoje menos essencialistas, segundo Boaventura Sousa Santos (1999). A constituição, a consolidação e as transformações desses sistemas acontecem em um campo de relações sociais conflituosas, onde atuam diferentes grupos raciais, sociais, culturais, sexuais, religiosos, nacionais, etc. Para o autor:

 

A crise atual desta gestão controlada [da sociedade capitalista], protagonizada pelo estado nacional, (…) bem como as novas formas e metamorfoses do sistema de desigualdade e do sistema de exclusão são produtos de lutas sociais, tal como o serão as possíveis evoluções futuras da situação em que nos encontramos. (BOAVENTURA SOUSA SANTOS, 1999: p.43)

 

 

Articular políticas de igualdade e políticas de identidade não é uma tarefa fácil, principalmente se não quisermos cair nas teias do universalismo (BOAVENTURA SOUSA SANTOS, 1999). O argumento de que todos são iguais prevê uma identidade única, que subjuga as diferenças uma vez que há a subordinação de determinados grupos em relação a outros. Essa idéia de igualdade descaracteriza e desqualifica as diferenças a partir da negação do que é particular.

Boaventura Sousa Santos (1999) defende que nem toda diferença é inferiorizadora. Assim, quando defendemos a política de igualdade, devemos considerar as diferenças. “Sempre que estamos perante diferenças não inferiorizadoras, a política de igualdade que as desconhece ou descaracteriza, converte-se contraditoriamente numa política de desigualdade. Uma política de igualdade que nega as diferenças não inferiorizadoras é, de fato, uma política racista” (BOAVENTURA SOUSA SANTOS, 1999, p.44). Em uma política de igualdade genuína é necessário a “articulação horizontal entre identidades discrepantes e entre as diferenças em que elas se assentam”.

Ao pensarmos a partir de uma perspectiva pós-moderna e multicultural dessas políticas, o imperativo desse autor ecoa novamente nesta tese: “temos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (BOAVENTURA SOUSA SANTOS, 1999, p.44) . A articulação pós-moderna de uma política de identidade e uma de igualdade depende desse imperativo.

A efetivação desse postulado anunciado por Boaventura não é simples. É uma idéia complexa, que demanda o entendimento de que identidade e diferença são fluidas, não são fixas. Não temos uma única e definida identidade, mas admitimos identidades provisórias, de acordo com o papel social que assumimos. Essa compreensão envolve também a fundamentação em um paradigma epistemológico que a ciência moderna não reconhece como legítimo. Isso porque, para a Modernidade, a diferença é o caos, que deve ser superado em função de uma ordem universalista. Em uma concepção pós -moderna, é necessário reconhecer as diferenças e distinguir as situações nas quais elas são usadas para inferiorização (BOAVENTURA SOUSA SANTOS, 1999).