direitos e privilégios na “alegre” locomotiva paulista

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O Brasil jamais teve cidadãos, nós, a classe media, não queremos direitos, nos queremos privilégios, e os pobres não tem direitos. Não há, pois, cidadania neste pais. Nunca houve!” (Milton Santos)

Mais uma truculência contra os estudantes da USP: aproveitando-se do domingo de carnaval a tropa invade o campus e expulsa estudantes da moradia, inclusive uma jovem grávida. Nenhuma novidade exceto a cronificação de um terrorismo de Estado contra toda ameaça à ordem estabelecida. Sejam adictos na cracolandia, sejam estudantes ou movimentos sociais. Mas que ordem é esta, que requer tanta violência?
No Estado de São Paulo se “alguém” -certamente no lugar certo e com os amigos “certos”- invadir um prédio público caríssimo (por exemplo, na USP) e com grande utilidade social , mas “argumentar” que quer privatiza-lo para encher seus bolsos e de seus amigos, vai receber (e recebeu) homenagens e apoio do governo. E se este alguém praticar gestões temerárias (embora enriquecedoras para alguns) e precisar de mais dinheiro público para cobrir dívidas… não precisa se preocupar: as portas dos palácios e dos cofres públicos estarão sempre abertas, a fundo perdido em instâncias estaduais e federal. Diante de tal situação, a mídia vai tratar estes invasores com máximo respeito e defende-los contra qualquer questionamento “irresponsável”, daqueles que desejariam que o patrimônio público fosse utilizado… (mas que absurdo!!) para o público. Assim acontece há mais de uma década no HC-USP e no INCOR, que têm andares inteiros de hospital público dedicados ao atendimento privado. Trata-se da surreal dupla-porta que o PSDB/SP tem se esforçado para estender a todos os hospitais públicos.
Por outro lado, se “uns e outros” decidirem não pagar imposto de renda ou até mesmo, muito “generosamente”, decidirem trocar a sua gorda fatia virtual de imposto pelo oferecimento de cursos “gratuitos”, em que aproveitam para fazer muita propaganda do seu nome comercial… Qual o problema? Tal gesto é a justamente a maior prova da Philantropia que justifica que serviços como o hospital Albert Einstein e o Hospital Sirio Libanes nunca tenham pago impostos (afinal pagar impostos é para os 99%).
Mas se você for um rico empresário da saúde, daqueles que importam aparelhos de diagnóstico por imagem ao custo de milhões de dólares (e para os quais o ICMS é de pelo menos 18%), o seu nobre Governador não lhe negará mais um favorecimento: a anistia do ICMS!! Com a discreta contrapartida de que você, a exemplo do Sírio e do Einstein, assuma também algum compromisso missionário e desinteressado com a Philantropia para SUS. Não faz diferença se os serviços privados geralmente aglomeram-se nas regiões com menor necessidade de exames, e se os problemas do SUS/SP não forem decorrentes da falta de aparelhos diagnósticos, cuja compra sem critérios epidemiológicos pelo sistema privado induz o consumo de procedimentos desnecessários (para custear o aparelho), aumentando os danos à população. Ou seja, não resolve,gera danos, mas favorece amigos.
Mas se por acaso você estiver com fome, sem moradia, sem trabalho, sem escola, sem acesso a serviços de saúde e buscar, com os recursos políticos que dispõe, reivindicar algum direito ou alguma melhoria coletiva nas condições de vida (não o aumento do lucro, não um privilégio) invadindo um prédio publico ou uma área privada utilizada para especulação imobiliária ou agrária, adivinhem? Imediatamente cairão sobre você não só a polícia, deliberadamente preparada para violências contra o cidadão, mas também a mídia (PIG) e os “honestos” dirigentes políticos acusando-o de “anti-democrático”. É como se as regras do jogo, que frequentemente beneficiam muito poucos, e que, ainda assim, são facilmente violadas ou modificadas para favorecer os “amigos”, fossem mais do que intocáveis, mas indiscutíveis. O sacrossanto direito de propriedade é manejado como se a distribuição da riqueza e da propriedade tivesse – em algum momento da história brasileira pós invasão colonial– acontecido com alguma justiça e sem o auxílio da violência para concentrar a riqueza. Tivéssemos ainda hoje escravidão o que diria (disse) a mídia (PIG): “não se pode prejudicar os “empresários” que honestamente e dentro da lei compraram negros para promover o desenvolvimento econômico do nosso país…” “Como pactuar com a irresponsável e ilegal atitude de favorecimento de fugas e formação de quilombos, ameaçando a soberania e o Estado de Direito?” “Como aceitar a violação do sagrado direito de propriedade?” (E de fato, com tanta má vontade se deu o fim da escravidão que, ainda hoje, os indicadores de mortalidade são extremamente desfavoráveis para a população negra. Por exemplo, a mortalidade materna no Estado de São Paulo é seis vezes maior em mulheres negras. O que revela também um racismo institucional, presente até mesmo no setor público).

Tão ruim quanto os atos de violência de Estado cometidos contra os movimentos sociais, é o movimento ideológico de legitimação da violência crônica e aguda, como forma de manter a “ordem”. E o Estado de São Paulo – que se disse outrora uma locomotiva – não passa na verdade de um trem da alegria de famílias e empresas amigas (no pedágio, na saúde, na mídia/educação, na habitação, etc). Tudo camuflado por uma mídia cúmplice.