M NOVO SER EMERGE DE ENGENHO DE DENTRO PARA O MUNDO

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O mergulho no universo do Ocupa Nise foi por demais profundo e não cabe nas palavras. Nas quase 03 semanas no Hotel da Loucura deixei-me permanecer imersa, submersa nessas águas nem sempre perenes. Não saí muito do espaço a não ser para os momentos de celebrações. Por vezes o mergulho me levou a tamanha profundez que cheguei a ficar sem ar.
No último dia de minha temporada no hotel acordei um pouco melancólica. Devagarinho fui emergindo, saboreando cada momento. Cuidei pela última vez das flores, varri as energias estagnadas do espaço com a maraca, enviei energia para cada um e cada uma que seguem gravados na minha memória e no coração e fui arrumando a bagagem devagarinho para não esquecer ninguém. Algumas passagens estavam mais vivas. Alguns sorrisos trouxe comigo num lugar muito especial. O sorriso da Tatiana, jamais esquecerei. Guardarei aquele rostinho se iluminando ao som da música e dançando e começando a cantar: salve o povo da terra, salve o povo do ar… puro ar essa menina, que eu pude cuidar em alguns momentos. Guardo também o sorriso maroto da Rogéria pedindo a música da arara. Ali vi a criança viva apesar dos cracks, dos abandonos… Também trouxe a doçura do sorriso inocente de Rogerinho com seu profundo sentimento de gratidão. Mas na bagagem não levo apenas sorrisos. Levo os carões de Judite/Reginaldo a me ensinar a humildade; o carinho de Wagner querendo me levar na rodoviária; a serenidade de Marcelo em sua timidez mas grandioso quando soltou a voz silenciada; trouxe o cuidado de Jeane com o ambiente; a disponibilidade de Patrícia pra cuidar de todos; o sabor das empadas de Miriam. Trouxe a força de Ritinha (do Ceará) e sua obstinação em superar suas dificuldades; o desejo de viver de Viny Jackson, a teatralidade de Roque; a poesia de Nilo; os beijinhos de Janice; os questionamentos de Vinicius; o samba no pé de Elisangela, a voz pausada a me lembrar Cartola de Odacir; só pra falar de alguns.
Fui reconstituindo cada momento. A roda com os educadores e educadoras do Núcleo me ensinou demais emais uma vez me emocionei com o carinho de cada um e cada uma. Correndo o risco de deixar alguns que a memória já não me garante os nomes, é impossível esquecer do cuidado incondicional de Miguel, , da disponibilidade de Augusto, da gentileza de Vanderson, da alegria amorosa de Leandra, das comidas e temperos saborosos de Moisés. da precisão e envolvimento de Léo, o pretinho, da da organização do Eduardo e Jaqueline, da precisão da Márcia Proença, das criações do Carlão, do amor de cada um e cada uma pela sua escola popular e sua comunidade. Emociono-me lembrando das meninas do Morro do Alemão a me trazerem lembranças do seu trabalho. Como agradecer tanto carinho e atenção? A continuidade da UPAC tem esse grupo e o Laboratório Tupi Nagô como esteio e ai preciso falar da criatividade do Perrolta e da dedicação de Leo Rosa e Gabriela Haviaras, esses dois seres maravilhosos. Pareciam-me dois anjos. Um com sua doçura cuidando das plantas, colorindo o espaço com rosas e plantas de cura e sempre abre-alas, ativando os cortejos, incluindo. A outra, mulher dragão cuidando, protegendo, acarinhando e irrompendo em sinuosidade e força nas manifestações. Aprendi muito com vocês e serei sempre grata!!
Nesse encontro pude perceber mais que antes a importância de uma comunicação comprometida, ousada. Esses atores da comunicação foram fundamentais. Ver Reginaldo/Judite/Naná, Patrícia e outros moradores do Nise atuando como cinegrafistas, fotógrafos, foi lindo. Os/as jornalistas, produtores e cineastas sambando na roda, tocando e se comprometendo com o cuidado; trazendo sua família pra a roda, os amigos famosos e anônimos pra dar uma cancha e as redes virtuais pipocando fotos, vídeos, depoimentos foi maravilhoso.
Estar nessa ocupação me possibilitou ainda novos encontros que com certeza se farão novos pontos de redes, Os grupos de São Paulo me marcaram fortemente. Como temos em comum! Que força, compromisso e coragem. Reencontrar e brincar com Junio Santos foi um grande prazer! Ali se fez também encontros de gerações com meninos que vi nascer como Jadiel e os que vi pequininhos, brincando com meus filhos como Filippo, hoje maravilhoso ator brincante. Nessa temporada e no convívio com esse povo, também pude fazer um mergulho nas memórias da minha terra. Queria agradecer especialmente a Junio Santos porque ele foi o fio que foi tecendo esses momentos e a Ray Lima companheiro e mestre de tantas lutas e caminhadas.
Nos momentos de leitura e reflexão a turma de estudantes foi minha companheira fiel. Com Vítor e os Brunos do Pará lemos Spinoza, Nise da Silveira e construimos nossas próprias reflexões, sínteses. Com Haidé e Gabriela Haviaras, Léo Rosa, Larissa, Honorato, Nicole e Amauri(pajé) construímos o cuidado com todos os sentidos da integralidade.
Por fim vou emergindo impulsionada pela força revolucionária desse médico menino com sua acolhida amorosa, sua potencia articuladora e criativa, sua obstinada rebeldia e espírito de vanguarda. Volto ao Ceará em um intenso movimento de expansão e recolhimento. Levo comigo um pedacinho de cada um e cada uma, a inteireza de cada vivência; a força do coletivo e a alegria dionisíaca do teatro, da criação livre e insana.
Minha gratidão aos que nomeei e aos que não foi possível nomear nesse primeiro capítulo.
Um novo ser emerge, uma em muitos e inúmeros em um e vou cantando uma musica que aprendi com Júnio Santos… sozinho seremos cinco, juntinhos seremos um …