TEORIA OU ESPERANÇA?

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    Existem coisas que ninguém quer fazer. Existem coisas que fazemos meio sem jeito, com um ar de que tudo sabemos mas, bem no íntimo, o gesto comparece com aquele jeito meio absorto da ausência de sentido. A ausência de sentido é um lugar de muita angústia. Precisamos preencher este espaço. Somos seres significadores. Evoco aqui a trágica cena do filme "Corisco e Dadá" de Rosemberg Cariri, quando o cangaceiro descobre que a mulher que ele ama o traia. Entre lágrimas e desespero, ele a mata apenas sabendo que tinha de mata-la mas não sabendo porque tinha de faze-lo. A dor que o absorve depois disso é tão intensa que a própria morte é o único lenitivo capaz de aplaca-la. Talvez seja do mesmo modo do cangaceiro que realizamos parte de nossas "escolhas", de nossa busca de sentido. Compreendemos o mundo em função do que nos foi legado e, parte desse legado, são espectros de um passado morto que nos assombra hoje com sentidos mortos, com necessidades superadas como nos ensina o velho Karl Marx.
    A guerrra, a princípio, é um gesto sem sentido. Aqueles que lutam precisam de razões, precisam perceber mais ou menos claramente porque colocam o seu bem mais precioso em risco. Neste momento, enquanto ensaio buscar algum sentido nessa barbárie descabida, iraquianos e americanos travam batalhas, dilaceram-se mutuamente. Um dos lados, evidentemente, é muito mais poderoso. Salta aos olhos  a vitimização daqueles que diante da ficção científica materiializada, lutam com armas obsoletas. Mas, antes que a guerra começasse, foi aberta a temporada da busca de sentido. Lembram-se? Americanos e ingleses, tortuosameente, desfilaram inúmeras razões desmontadas uma a uma. Ainda assim, agora, lutam para "llibertar" o povo iraquiano. Nova razão no supermercado de motivos insondáveis.
    Queria ter o poder analítico de alguns e cometer a atrevimento de explicar a guerra e toda forma de violência. Com certeza os iraquianos encontraram rapidamente seus motivos. Trata-se de lutar contra essa odiosa liberdade, a idéia absurda de que alguns possam escolher por eles, de que podem entrar num pais com a truculência de quem pisa nas flores do nosso jjardim. Ironicamente, conta a arqueologia que a palavra liberdade apareceu pela primeira vez numa tabuinha cuneiforme que contava sobre a revolta de uma pequena cidade contra a poderosa Ur na antiga Cadeia, hoje Iraque. A tabuinha expressava o ponto de vista daqueles que sufocaram a revolta, talvez uma  lembrança da CNN do período.

Buscar ser llivre é um exercício de atrevimento, ora individual, ora coletivo. E as estatísticas com a frieza de seus números, escrevem em nossas faces envergonhadas, a disparidade dessa guerra. De um lado os libertadores jogam bombas nos tais escravos de Sadan, matam indiscriminadamente mulheres, crianças e velhos. Matam também numa proporção macabra de 1 americano para cada 60 iraquianos mortos. Seria essa a tal assimetria da guerra? Diante da minha imopossibilidade clara de destruir o outro com meus próprios recursos, lanço mão do inusitado de bombas enroladas no próprio corpo? Gesto tresloucado de alguém que, em meio a ausência de perspectivas, luta desesperadamente para dar algum sentido a vida.
 

Estou com o coração cheio de dúvidas. Podemos ficar a vida inteira buscando as razões da desrazão. Podemos buscar sentido nessa guerra a partir da substiuição do padrão dolar pelo euro, ou então pensar na mesquinha razão de roubar de outros povos seus recursos naturais. Podemos pensar nas tênues justificativas morais que fazem um presidente, sufocado em maquiagem, olhar as câmeras e dizer escondido em sua máscara de himel e batom, o quanto é preciso libertar o povo do julgo de seu algoz. TUDO ISSO É TEORIA! Adquire um aparência lúgubre e asquerosa quando vemos o desespero do homem que perdeu todos os 15 membros da família num bombardeio. E sua tragédia não é menor daquela vivida pelo afroamericano que perdeu o único filho no deserto iraquiano. Fica a impressão que precisamos de mais esperança e de menos teoria sobre a trágica situação da condição humana. Se existe algo de bom em toda essa vilania instituciionalizada é a limpidez do que se desenha agora. Nâo me venham com análises precisas de conjuntura. Nâo me falem da precisão dos mísseis. Vão a merda com o padrão dolar x euro. Nâo ofendam os loucos com a pretensa loucura de Bush ou dos homens- bomba. Pensem isso sim na miséria absoluta do caráter de tudo o que aprendemos até hoje. Tomemos consciência de nossa absoluta impotência para que de uma vez por todas possamos nos tornar fortes em nossa indignação. Chega de verdades prontas.
   

O velho Wilhelm Reich um dia se perguntou sobre algo muito interessante. Por que havendo tantos famélicos e tantos explorados, a imensa maioria deles não lutava, a imensa maioria deles não fazia greve? E a pergunta, a todo momento, se reapresenta. Por que, se aparentemente a maioria do planeta é contra essa barbárie,  ela está acontecendo? Em parte, talvez, porque fingimos um entendimento pleno de coisas que nosso soberbo intelecto mal seja capaz de prescrutar. Mas, para que tanta anállise de conjuntura se efetivamente nosso coração já tomou posse de toda a verdade? O sofrimento humano é insuportável. A dor e o sofrimento são os estupradores da esperança. Deixemos nossa indignação fluir jjunto com a emoção. Nâo expliquemos a revolta e a violência. Isso desrespeita o velho homem que perdeu toda a família num bombardeio. Isso ultraja o afroamericano que perdeu seu filho soldado. Deixemos a velha e terrível náusea ocupar o lugar do lenitivo do entendimento que nos leva ao mais asqueroso dos conformismos.

 

ERASMO RUIZ