O Último Discurso

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Em tempos onde marchamos em direção às urnas para sancionar regimes de escravidão ou quem sabe ensaiar passos de liberdade, nunca é demais relembrar essa célebre passagem do filme "O Grande Ditador", talvez um dos mais belos textos do século XX. A beleza diz respeito não necessariamente pela forma talvez ingênua como pensa o ser humano. Não se trata de ingenuidade mas de expressar uma proposta de forma paradoxal ao colocar um judeu sósia de Hitler a falar da possibilidade de sermos unidos pela nossa condição humana. Não acredito que chegaremos em algum lugar se não acreditarmos nisso.

As concepções de mundo oferecem uma justificativa de cunho psicológico, qual seja, as crenças e valores nos afirmam porque agimos da forma como agimos para nós mesmos. O fascinante disso tudo é que quando falamos de humanização estamos um pouco a cada dia construindo a utopia do homem que queremos: um tecelão das redes de solidariedade porque acredita no valor da solidariedade que se materializa praticamente quando somos solidários.

O ato de produção de saúde é uma expressão lírica, poética, estética e política da solidariedade. Ao ser reduzida ao maquinismo técnico e robótico, fica o gesto esvaziado do seu significado humano porque ser e/ou vir-a-ser homem significa, entre tantas outras coisas, acreditarmos que desejamos


"…ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? " (Charles Chaplin). Se não acreditarmos nisso, em que acreditaremos? No poder absoluto da ciência? Na percepção de que o dinheiro move tudo e todos? De que as relações de poder expressam atavismos insuperáveis? De que existe um Deus punitivo que puxa os cordeis dessas pobres marionetes perambulando pelo mundo? Mas deixemos Chaplim discursar:








O Último Discurso                             

"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar  ou  conquistar  quem  quer  que  seja.  Gostaria de ajudar – se possível – judeus,  o gentio … negros … brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossa necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém, nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar em passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos em nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldado! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Luteis pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém, escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos encontrando um mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos Hannah! Ergue os olhos!"    CHARLES CHAPLIN (Extraído do Filme "O Último Ditador")