Artigo publicado na Folha de S. Paulo sobre Humanização do parto

14 votos

Pessoas da rede, repasso artigo da Folha de São Paulo de 12/9 para manifestações.
 

Parto normal ou cesárea

Antônio Carlos Lopes*
 

Será que a mãe tem realmente pleno domínio do processo de dar à luz e amplas condições de tomar tal decisão sozinha?
          
O parto , além de ser um ato fisiológico, é um ato médico. Muito se discute sobre a decisão de tentar o parto normal ou agendar a cesárea previamente por fatores que variam da comodidade às crenças populares.

Os índices de cesáreas no país vêm crescendo, representando 43% dos partos em 2007, segundo o Ministério da Saúde. O número está muito além dos 15% apresentados pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Na tentativa de normalizar a situação, diversas propostas vêm sendo discutidas entre médicos, governo e sociedade, nem sempre felizes.

A mais recente foi da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que anunciou um pacote de supostos benefícios a vigorar a partir de dezembro na tentativa de incentivar o parto normal.

O pacote teoricamente visa a reduzir as cesarianas por meio da oferta de alguns atrativos às mães que optarem pelo parto normal. Entre eles, a presença do acompanhante antes, durante e após o parto; quartos com até duas gestantes; a possibilidade de o bebê ficar ao lado da mãe no quarto, se não houver impedimento clínico; e a liberdade de escolha da mulher, também se não houver impedimento clínico, quanto à posição em que dará à luz: de cócoras ou deitada.

Mas será que a mãe tem realmente pleno domínio desse processo e amplas condições de tomar tal decisão sozinha? A palavra do médico, sua experiência cotidiana, a bagagem de conhecimento científico não valem nada numa hora dessas?

Ora, a medicina determina algumas situações em que o médico tem, necessariamente, de optar pela cesárea. 

Embora em alguns casos essa decisão possa ser tomada com antecedência, como nos casos de partos cesáreas anteriores ou gestações gemelares, na grande maioria dos casos, ela só pode ser tomada com segurança durante o trabalho de parto. A posição do bebê, a falta de dilatação uterina ou o sofrimento fetal são os maiores responsáveis pela decisão de realizar uma cirurgia para a saída do concepto. 

Cabe, portanto, ao médico decidir, orientar e adiantar para a gestante todas as possíveis complicações e mudanças de plano que podem porventura surgir até o nascimento.

Como toda cirurgia, a cesariana não é sempre isenta de riscos. Também exige maior tempo de internação e resulta em pós-operatório que requer maiores cuidados nos dias ou semanas seguintes.

No parto normal, por outro lado, além dos benefícios para a mãe, que não passa por cirurgia, há uma série de vantagens para o bebê, como expansão pulmonar mais natural e menor risco de desconforto respiratório.

Voltando à tentativa do governo de incentivar o parto normal, o que acontecerá com a mãe que, mesmo inclinada a ter seu bebê pela via natural, tiver de se submeter a uma cesariana por determinação clínica? Se essa for a única forma de o procedimento chegar a bom termo para ela e para a criança, será mesmo assim punida com a retirada de todos os benefícios que já havia vislumbrado? 

É com a perspectiva de criar distorções como essa que esse projeto foi anunciado como "uma tentativa de incentivar a humanização do parto".

Humanização? Humanização tem origem na escola, no ensino médico de qualidade, na segurança e no conforto a todas as gestantes, independentemente da indicação clínica para o tipo de parto.

A humanização deve contemplar maternidades e centros obstétricos e enfermagem obstétrica à altura do bem-estar materno-fetal. Também envolve extinguir as malfadadas casas de parto, que se prestam apenas aos menos favorecidos, enquanto os que as preconizam buscam para suas filhas e esposas as melhores maternidades e os melhores obstetras. 

Para completar, nos deparamos com o absurdo dos cursos formadores de parteiras, em detrimento do direito da enfermeira obstétrica de acompanhar o parto, cuja formação acadêmica atende às necessidades da boa assistência ao parto.

 

*Antonio Carlos Lopes, 63, é professor titular de clínica médica da Unifesp/EPM (Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina) e presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1209200809.htm