A Montanha dos Sete Abutres é Aqui!

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O filme "A Montanha dos Sete Abutres" (Ace in the Hole), produção de 1951 dirigido por Billy Wilder, tornou-se um clássico do cinema americano. Nele, um jornalista demitido por conduta profissional inadequada, Charles Tatun (Kirk Douglas), procura furgir da má fama num pequeno jornal de Albuquerque, Novo México. Depois de meses vivendo no mais absoluto tédio, ele encontra uma matéria que seria seu salvo conduto para os grandes jornais: um homem tinha ficado preso em antigas ruínas indígenas na Montanha dos Sete Abutres.

O Jornalista começa a relatar o fato e, quando menos se espera, o relato assume o controle dos fatos, pautado pelo agir consciente do jornalista. Os fatos agora são um produto direto da sua manipulação.  Assim, o reporter vai tecendo o enredo que quer descrever:  exerce influência sobre a esposa da vítima, convence o  xerife para ter acesso exclusivo as ruínas. Como se não bastasse , acaba persuadindo o personagem responsável pelo salvamento, previsto para no máximo 24 horas, que o realizasse em uma semana. No entanto, quando tudo se encaminha para o salvamento e ele tem sua grandiosa história, a vítima morre de pneumonia, o que faz com que o reporter entre no mais profundo remorso.

O filme, além de fazer com que o expectador reflita sobre o sentido
daquilo que ele vê nos jornais e na TV, do quanto tudo pode ser ilusório, manipulado e/ou fabricado, coloca em xeque o pragmatismo da sociedade americana, que se debate entre o puritanismo exacerbado e a idéia de que os fins parecem justificar os meios, mesmo quando os fins, como neste caso, produzam malefícios terríveis na busca do sucesso e da fama, catalisadores do dinheiro.

No fim das contas interessaria alimetnar o público não necessaramente com a verdade mas sim com aquio que o público quer ouvir. Existe assim m conluio invisível entre Tatun e seu público que o enredo censura e quer superar.  A verdade nem sempre venderá jornais e revistas, não garantirá pontos preciosos no IBOPE que se traduzem por segundos de exibição publicitária cada vez mais preciosos.

Criou-se a cultura de que temos de saber tudo e que a imprensa nos alimenta de informações para que cada um de nós tome suas posições, exerça livremente sua opinião. Hoje temos uma amostra disso. O apresentador de TV com "ilibada" reputação monta entrevista com falsos criminosos, ilude milhões e tudo continua como está. Somos brindados com entrevistas de um sequestrador movido pela passionalidade cega e pasmos reencontramos os personagems disfarçados do antigo filme de Wilder. A Montanha dos Sete Abutres transformou-se num conjunto habitacional em Santo André com novos Tatuns tentando negociar e assumir o trabalho da polícia.

Mas não se preocupe, são esses mesmos organismos de imprensa que bradarão em alto e bom som por sua preciosa liberdade de informar quando ameaçados de não veicular as mensagens que estimulam automedicação, o consumo abusivo de álcool, as dietas inadequadas, o cigarro que mata lentamente, o carro em altíssima velocidade no passeio público: Não se preocupem! Somos todos livres e imunes à essas imagens. Somo o que somos porque queremos ser o que somos e não por causa da artista famosa que toma determinado analgésico e faz a dor sumir.

E as publicidades de medicamentos desfilam diante de nós, verdadeiras panacéias contemporâneas, quase idênticas àquelas beberagens dos filmes de bang-bang. Diante do intestino preguiçoso pela dieta inadequada e pelo estresse  do cotidiano, da-lhe iogurte regulador. E se você trabalha 12 horas por dia e ainda acha tempo para jogar tênis, ficar preso no carro pelo congestionamento e durante a madrugada dar uma transadinha, não tem problema: tome o estimulante a base de cafeina já que essa droga está liberada mesmo. Não é isso que a publicidade nos diz entre uma e outra cena de sequestro? Milhares de pessoas tristes e acabrunhadas entram numa caixinha mágica e saem de lá revitalizadas pela droga liberada! Não importa se no futuro nos tornemos população de risco para ataques cardíacos.

Olhem, venham ver comigo! A Montanha dos Sete Abutres é aqui! Não está mais no Novo México. Eu posso ve-la agora, em cima da minha mesa de centro e hipnotizado pelas luzes da TV,  assisto a tudo esperando pelos próximos anúncios! Plim Plim!

ERASMO RUIZ