Afastamentos por doenças mentais disparam no país

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Fonte:26/11/2012
Autor: Folha SP / NEPES

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"Depressão e estresse ligados ao trabalho levam a afastamento pelo INSS

Concessões de auxílio-doença acidentário para episódios de transtornos mentais cresceram 19,6%

ÉRICA FRAGA
VENCESLAU BORLINA FILHO
DE SÃO PAULO

O mercado de trabalho tornou-se um foco de doenças como depressão e estresse. A tendência já se reflete em forte aumento no número de brasileiros afastados pelo INSS por esse tipo de problema de saúde.

As concessões de auxílio-doença acidentário para casos de transtornos mentais e comportamentais cresceram 19,6% no primeiro semestre de 2011 em relação ao mesmo período do ano passado.

O aumento foi quatro vezes o da expansão no número total de novos afastamentos autorizados pelo INSS.

Nenhum outro grupo de doença provocou crescimento tão forte na quantidade de benefícios de auxílio-doença concedidos entre janeiro e junho deste ano.

"Há ondas de doenças de trabalho. A onda atual é a da saúde mental", diz Thiago Pavin, psicólogo do Fleury.

Existem dois tipos de auxílio-doença concedidos pelo INSS: os acidentários e os previdenciários.

O primeiro grupo, que representa uma fatia pequena (cerca de 16%) do total, inclui os casos em que o médico perito vê vínculo entre o problema de saúde e a atividade profissional do beneficiário. Quando essa ligação não é clara, o afastamento cai na categoria previdenciária.

Mudanças adotadas pelo Ministério da Previdência Social em 2007 facilitaram o diagnóstico de doenças causadas pelo ambiente de trabalho (leia texto abaixo).

Isso levou a um forte aumento nas concessões de benefícios acidentários para todos os tipos de doença em 2007 e 2008.

Os afastamentos provocados por casos de transtornos mentais e comportamentais, por exemplo, saltaram de apenas 612 em 2006 para 12.818 em 2008. Mas, depois desse ajuste inicial, tinham subido apenas 5% em 2009 e recuado 10% em 2010.

Por isso, a explosão ocorrida no primeiro semestre deste ano acendeu uma luz amarela no governo.

RITMO DA ECONOMIA

Segundo Remígio Todeschini, diretor de Saúde e Segurança Ocupacional da Previdência Social, o crescimento econômico mais forte nos últimos anos e o surgimento de tecnologias mais avançadas de comunicação são algumas das causas da expansão recente.

"O ritmo de atividade econômica mais intenso acaba exigindo mais dos trabalhadores. Além disso, com o uso muito grande de ferramentas tecnológicas, o trabalho passou a exigir um envolvimento mental muito grande."

Para o pesquisador Wanderley Codo, o estudo mais profundo da relação entre saúde mental e trabalho ajuda a explicar o maior número de casos de afastamentos por doenças como depressão.

"O diagnóstico ficou muito mais preciso", diz Codo, que é coordenador do Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB (Universidade de Brasília).

Especialistas ressaltam que os trabalhadores têm acesso atualmente a mais informações sobre os transtornos mentais e suas causas.

"Isso também ajuda a explicar o aumento nas concessões", diz Geilson Gomes de Oliveira, presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social.

Segundo Todeschini, o governo estuda a adoção de medidas para intensificar a fiscalização das condições de trabalho. Para ele, a maior ocorrência de doenças mentais está em vários setores.

Novas regras facilitaram os diagnósticos

Mudanças implementadas pelo Ministério da Previdência Social em 2007 facilitaram o diagnóstico de doenças provocadas pelo ambiente de trabalho.

Com a criação do chamado Nexo Técnico Epidemiológico, passou a ser calculada a frequência de determinadas doenças por grupos de atividade.

Segundo especialistas, isso tornou mais fácil para o trabalhador provar para o médico perito que seu problema de saúde foi provocado pelo trabalho.

"Antes, era difícil para o trabalhador provar como adquiriu a doença. Agora, é a empresa que tem de produzir provas alegando que o trabalho não causou o dano ao funcionário", afirma o advogado trabalhista Elton Enéas Gonçalves.

Quando o médico perito vê relação entre a doença e o emprego do beneficiário, o afastamento ocorre por meio da concessão de auxílio-doença acidentário.

Caso contrário, o afastamento pode também ser aprovado, mas é classificado como auxílio-doença previdenciário.

As concessões de auxílio-doença previdenciário para casos de transtornos mentais e comportamentais aumentaram 13% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2010. O crescimento foi um pouco superior à expansão média de 11,5% dos benefícios desse tipo para todas as doenças.

Segundo Gonçalves, que é conselheiro da AATSP (Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo), o auxílio-doença acidentário é mais benéfico ao trabalhador porque garante, por exemplo, estabilidade por até um ano após o retorno ao emprego.

'Poderia ter matado um paciente', diz enfermeira

"Eu poderia ter matado um paciente."

A frase é da enfermeira Bianca Xavier Luengo, 41, que se definia como uma pessoa calma, que tinha facilidade para resolver problemas. Hoje, com diagnóstico de esquizofrenia e transtorno bipolar, vive vigiada e não sai de casa sem acompanhante.

Segundo ela, a doença surgiu após uma situação de estresse vivida na véspera do Natal, há três anos, dentro da UTI de um grande hospital em São Paulo.

"Deixaram-me sozinha para cuidar de quatro pacientes. Um deles 'parou', deu tudo errado. Daí surtei", disse.
Bianca entrou no hospital em 2009 como auxiliar de enfermagem. Por orientação da chefia, tornou-se técnica em enfermagem e depois enfermeira graduada.

"Eles me deram uma bolsa de estudo, mas, para isso, trabalhava até 36 horas sem dormir. Saía da faculdade e voltava para o hospital."

A enfermeira contou que a pressão por resultados era grande e que um dia quase aplicou a medicação errada no paciente.

Após duas tentativas de suicídio, o INSS concedeu a ela afastamento por um ano.

Depressão e estresse são os transtornos mentais causados pelo trabalho que mais causam afastamentos pelo INSS, segundo o Ministério da Previdência Social.

A professora Jacira Resende Rodrigues, 56, afirma que o estresse excessivo e a pressão dos chefes a levaram a desenvolver síndrome de "burnout" (distúrbio de caráter depressivo, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional).

Ela chegou a ser afastada pelo INSS por dois meses, em 2009, mas depois foi considerada apta pela perícia a voltar a trabalhar.

O médico da escola privada onde trabalha discordou do diagnóstico e Jacira continua afastada, sem receber nenhuma remuneração.

"A escola acabou comigo", afirma a professora.

A advogada de Jacira, Maria José Giannella Cataldi, tenta conseguir na Justiça novo período de afastamento para a professora.

Para Ruy Shiozawa, presidente-executivo da organização Great Place to Work, o maior acesso à informação e a globalização contribuem para a maior ocorrência de doenças mentais.

"A globalização criou um ambiente de competição dentro e fora das empresas."

Segundo o especialista, há empresas que possuem iniciativas para ajudar a preservar a saúde dos funcionários.

Mas, ressalta ele, ainda falta à maioria das corporações a visão de que "os resultados vêm por meio das pessoas".

Análise Previdência

Pressões e problemas urbanos colaboram para afastamento

Cotidiano das grandes cidades faz com que as pessoas vivam estressadas

MARCOS CÉZARI
DE SÃO PAULO

AS PESSOAS SÃO PRESSIONADAS A PRODUZIR MAIS; AS QUE NÃO ENTRAM NA ESPIRAL DO "SALVE-SE QUEM PUDER" FICAM PARA TRÁS

Há vários fatores que podem justificar o aumento no número de trabalhadores afastados do serviço por transtornos mentais e comportamentais. Esses fatores podem estar na pressão das empresas, na própria família ou nas ruas.

A competitividade entre as empresas faz com que elas exijam mais de seus empregados. Essa cobrança, os problemas pessoais, os familiares, os sociais, o trânsito caótico das grandes cidades e a violência urbana têm contribuído para que os trabalhadores cheguem ao local de trabalho já sob pressão.

Tem gente que não dorme pensando na crise de 2008, na atual crise europeia, nas perdas na Bolsa, no prejuízo com algum negócio malfeito, na perda do emprego, no vizinho assaltado (quando não é ele mesmo), com a violência do trânsito, e por aí vai.

Em tempos de "salve-se quem puder", as pessoas são pressionadas a produzir mais, a vender mais, a melhorar a qualidade dos produtos. Quem não entra nessa espiral fica para trás.

Quando chega o fim de semana, as pessoas buscam ir para o interior, para a praia, para vencer o desgaste do trabalho semanal e relaxar. Para chegar lá, novo estresse no trânsito. Na hora de voltar, no domingo, mais estresse no trânsito. No dia seguinte, segunda-feira, tudo se repete.

Os trabalhadores mais afetados por essas pressões psicológicas são os mais velhos, especialmente os com mais de 45/50 anos. Se não tiverem capacidade de lidar com as novas tecnologias, sofrerão a concorrência dos mais jovens. E entre um empregado jovem e um de mais idade…

Hoje, as empresas querem pessoas preparadas. Quem souber mais sai na frente. Dependendo do saldo bancário ou da condição familiar, quem for preterido é sério candidato a ficar deprimido.

Enfrentar as pressões internas das empresas força o trabalhador a buscar licença médica para superá-las: daí a corrida ao INSS. Se o médico der seis meses de licença, ele descansa, a pressão diminui e, quando voltar, estará mais preparado e aguentará mais seis meses."