Homenagem Póstuma

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Sasá!

 
     Sobre o Felisberto, carinhosamente conhecido como Sasá, não há muito a dizer. De onde veio, quem era ele, o que fazia, como era seu contexto, sua família, nem mesmo a origem do apelido, sabe-se precisar. Também não é preciso o dado sobre quantos anos esteve numa cela, dentro de uma clínica psiquiátrica. Porém, entre controvérsias, consegue-se apurar que foram de sete a nove anos.Mas o pouco que se sabe é simbólico.
     A cela, cheguei a conhecer, assim como conheço quem o conheceu nesta cela. Inclusive, talvez por ele não ser uma pessoa que passa despercebida, pelo menos de quem tem gosto por pessoas, quando me foi apresentado este lugar, foi a identidade dele que qualificou o ambiente: “esta era a cela do Sasá”.
     Felizmente, já tive a oportunidade de conhecê-lo fora dela, circulando por entre os jardins do nosocômio. Sim, lá havia jardins, belíssimo lugar por sinal, com morros, cascata, muito verde, vegetação nativa da Mata Atlântica, transformada em Serra Geral. Um belo lugar para se passar um final de semana. Um mau lugar para se passar a vida.
     Não se sabe por que teria recebido uma sentença tão pesada, de viver numa cela forte, com paredes e cama de cimento, grades de ferro, com um espaço aberto o suficiente para passar um prato de comida. As instalações sanitárias resumiam-se a um buraco no chão, em um dos cantos deste mesmo espaço.
     O que se sabe mesmo sobre o Sasá é que ele gosta muito de dançar, e o faz com certa técnica. E que tem um ouvido apurado para música, o que descobrimos numa ocasião festiva, ao questioná-lo sobre porque havia parado de dançar.

                                                        

 

“Ruim”, fazendo cara de desprezo.

 

Em monossílabos, que foi o que lhe sobrou de capacidades comunicativas, explica-nos que não dança música ruim!

 

 

 

                                                     

 

 

Sabe-se também que ele consegue manifestar afeto. Dentre as três palavras que resumiam seu repertório logo no início de nosso convívio, uma delas era “querida”, a qual pronunciava gritando, de forma espichada e afetuosa num comprido e acolhedor “queiiiida”. As outras duas eram “borá” (ir embora) e “é”.

 

 

     “Baseados em evidências” podemos afirmar que modula adequadamente o afeto. Comprovação aferida pela assistente social Guiomar, do CAPS, que presenciou sua alegria, emoção e acolhimento num carinhoso abraço de reencontro com um amigo que há muito não via, recém chegado, trazido para morar na mesma casa protegida. Tratava-se de Edvino, colega de internações na mesma clínica, que recém perdera seu pai, com quem morava e que a partir dali, passaria a viver neste mesmo ambiente protegido.
      Atualmente Sasá já demonstra-se envelhecido e frágil, mas segue seu destino, agora com bem mais dignidade. Desde 1999 mora no Intituto Humanitas, no Vale do Nazaré, onde recebe o carinho e a atenção de seus cuidadores e dos próprios “colegas” que também moram lá. Na última visita que lhes fiz, Sasá me convidou para conhecer seu quarto demonstrando muito orgulho ao mostrar-me um quadro na cabeceira da cama com sua foto emoldurada. Auto-estima emoldurada…

 

      Resgato esse texto “engavetado” pra homenagear o querido Sasá, que faleceu ontem, em Santa Cruz do Sul (RS), aos 68 anos, devido a problemas cardíacos. Sasá representava para nós um símbolo da reforma psiquiátrica no município. Quantas vezes ele nos acolhia!!! ao chegarmos ao CAPS, com seu afeto e doçura nestes últimos 13 anos que viveu dignamente fora do hospital, até seu último dia de vida!