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Ela estava feliz! O bebê nascera forte com quase quatro quilos. É verdade que a gravidez havia sido uma surpresa. Mas havia afeto de sobra, aquela segurança que permite um casal se imaginar envelhecendo.

Eram pobres. Algum sacrifício havia sido feito para que essa criança já viesse ao mundo desfrutando do conforto de um berço e de um quarto improvisado. O garoto de três anos agora dormiria mais no canto para que o berço pudesse compor o diminuto espaço

A cesariana obrigava essa mãe a permanecer mais um tempo no hospital. Visitas vieram, todos acharam a criança linda, todos profetizaram sonhos…vai ser um jogador de futebol…vai ser doutor…vai vencer na vida! O marido tinha que voltar para casa e ficar junto ao outro filho com creche logo de manhã. Partiu assobiando o hino do time do coração

A noite o olhar embevecido da mãe recebe o bebê para alimenta-lo mais uma vez. As mulheres dizem que a sensação de amamentar é intensa e prazerosa. Ela relaxou e sem que se apercebesse adormeceu com a criança nos braços. 

Algum tempo depois acorda. Um grito atravessa a noite no hospital e como uma adaga dilacera a alma de quem ouve. O bebê estava entre o corpo da mãe e a cama, uma cor violácea havia tomado de assalto o rosto corado. A criança não respirava.

Repentinamente o quarto está lotado. A criança estava morta já a algum tempo. Nada mais podia ser feito. A mãe desesperada entra na mais absoluta negação. Arranca o bebê das mãos do médico e grita para que todos saiam.

– Mãezinha o bebê morreu…temos que leva-lo

Agora a mãe ainda mais desesperada chutava quem se aproximava dela.

– Meu bebê não morreu! saiam daqui, me deixem com meu filho. Ele está com fome. Vocês não estão ouvindo ele chorar?

Alguém falou em alto e bom som que a mãe havia enlouquecido e precisava ser contida. Era um surto com certeza, uma psicose puerperal. Imagine, negar que a criança estava morta.

A mãe então recolhe-se no canto do quarto. Senta-se quase em posição fetal e baixinho se põe a acalentar o menino…uma chorosa canção para ninar a criança que já dormia. Uma enfermeira mais afoita tenta tirar a criança do aconchego da mãe ao que ela grita:

– Me deixa com meu filho. Ele é meu! Por qUE vocês estão fazendo isso? Por que dizer coisas tão horríveis?

E eis que no meio das pessoas surge uma paciente em lágrimas. Com olhos brilhantes senta-se ao lado da mãe do bebê e diz a ela o quanto sua criança era linda. Ao mesmo tempo, aconchega a mãe que aconchegava o filho morto.

– Não é possível que isso esteja acontecendo…ele não morreu…ele não morreu!

– Eu sei…encosta sua cabeça na minha…quero cantar com você!

Por um momento ninguém mais se atreveu a dizer nada. Eram duas mães cantando…eram duas mães acalentando um bebê morto. Foram trinta minutos que duraram uma eternidade.

– Me abraça. Tu sabes o que aconteceu não sabe? Ele não morreu não…só virou anjinho.

A mãe do bebê chorava baixinho agora. Uma hora havia se passado. Agora ela estava preparada para começar a dizer adeus…pela vida inteira. Médicos e enfermeiras foram saindo lentamente. Duas mulheres de branco agora não conseguiam mais conter as lágrimas. 

Uma delas saiu com uma estranha sensação. Tudo tinha acontecido de uma maneira muito rápida. Algo lhe dizia que tentar retirar o bebê morto das mãos da mãe havia sido algo terrível! E aquela imagem lhe atormentava a mente, uma tatuagem no cérebro. As duas mulheres abraçadas…o bebê entre elas…um menino Jesus com duas virgens, que não teria que passar pela agonia de ser crucificado.

Está escrito que existe um tempo para viver e outro para morrer. E mesmo para morrer, existe um tempo…um tempo para assimilar…para aceitar…para chorar….para escutar….para deixar que uma mãe possa acalentar o filho que já morreu!