Artigo – A NECESSIDADE DE UM MELHOR ATENDIMENTO PARA A HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE

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A NECESSIDADE DE UM MELHOR ATENDIMENTO PARA A HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE

 

                                                                Fábio Eduardo Oliveira de Carvalho¹
                                                                VeraMarisaF.M.Hirata²                                                                                              

RESUMO

Este artigo busca discutir e levar a uma reflexão sobre a qualidade do atendimento ao usuário dos serviços de saúde público. Baseia-se na literatura, na legislação e em observações feitas em postos de atendimento. Considera a diferenciação entre o buscador de atendimento dos serviços públicos e privados, em que o primeiro é visto simplesmente como usuário, enquanto que o segundo além de paciente é, também, cliente, classificação essa que faz toda a diferença no acolhimento e no atendimento. Apesar das conquistas alcançadas pela ciência na busca pela melhoria da qualidade de vida, esse avanço não se estende ao item atendimento/acolhimento ao usuário. Humanização, direitos, investimentos, treinamento e capacitação fazem parte do que se entende como ações positivas no relacionamento entre as instituições de saúde pública e os usuários, mas que na prática se notam falhas. Ainda que seja mister se buscar atendimento gratuito em uma unidade de saúde, parece não haver, por parte dos servidores, a consciência da necessidade dessa melhoria, levando-os, a não se importar com consequências e diferenças de um bom e um mau atendimento, como resultado, não é difícil perceber o efeito no atendimento ao usuário. Espera-se também que a criação de documentos regulamentadores e reguladores de ações do atendimento ao usuário, sejam mais do que textos a serem divulgados e simplesmente lidos, mas que acima de tudo, sejam usados para servir de referência na efetiva implantação de ações que visem o estreitamento do relacionamento entre profissionais de saúde, usuários dos serviços públicos de saúde e gestores.

Palavras-chave: Humanização. Atendimento. Saúde Pública.

¹Tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos UNITAU, 2008 – Saúde Publica com ênfase em Saúde da Família UNINTER/FACINTER)
²Assistente Social Especialista em Saúde Pública, em Administração Hospitalar, em Tutoria e Ensino a Distancia , Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná e orientadora de TCC do Centro Universitário- UNINTER

1. INTRODUÇÃO

Muito se tem falado sobre o atendimento ao usuário dos serviços de saúde, principalmente dos serviços públicos, muito se tem feito também de forma técnica e teórica, porém o que se pode perceber em uma breve visita às unidades que prestam algum tipo de serviço ou atendimento de saúde é que na prática essas ações quase inexistem.
As poucas ações propostas ou levadas a cabo pelos órgãos controladores dos serviços de saúde visam em primeiro lugar, acertadamente, os direitos do usuário, porém esquece-se de divulgar esses direitos de forma efetiva, colocá-los em prática e, sobretudo, de treinar ou treinam mal os profissionais diretamente ligados a esses atendimentos, ou seja, aqueles que têm contato direto com os usuários.
Pretende-se demonstrar que apesar de inúmeras leis e dos vários anos de discussão, é ínfima a quantidade do que se tem feito, chegando-se até mesmo a proporção de nada, no quesito melhoria do atendimento ao usuário, seja em relação aos prestadores de serviços de saúde, seja em relação aos tomadores desses serviços.
Cabe lembrar que as reclamações de usuários ocorrem em todas as etapas do atendimento, iniciando-se na recepção do serviço de saúde e se estendendo até a dispensa pós-atendimento.

Voltando ao ponto de vista do usuário, podemos dizer que, em geral, este reclama não da falta de conhecimento tecnológico no seu atendimento, mas sim da falta de interesse e de responsabilização dos diferentes serviços em torno de si e do seu problema. Os usuários, como regra, sentem-se inseguros, desinformados, desamparados, desprotegidos, desrespeitados, desprezados. (MERHY, 1999,)
      

A partir destas constatações, apresentamos este artigo de investigação bibliográfica com base em artigos em versão eletrônica, manuais do Ministério da Saúde, Legislação Federal e Estadual, bem como baseado em experiências do dia-a-dia, com o intuito de analisar e discutir as propostas oficiais que visam erradicar as falhas de atendimento ao cidadão que busca os postos de atendimento público de serviços de saúde.
Buscou-se realizar uma analise da literatura e dos programas existentes, que visam, em tese, a proximidade entre profissionais, usuários e gestores e que em teoria fazem parte da humanização dos serviços de saúde públicos.
Vale ressaltar que com capacitação e educação permanente é possível haver melhoria no atendimento e no acolhimento, e, consequentemente no relacionamento entre profissional de saúde e usuário. Quanto melhor este relacionamento, melhor pode ser o resultado final na recuperação deste usuário gerando assim uma maior satisfação para todos os envolvidos no processo de recuperação da saúde.
É necessário que todos os envolvidos com o Sistema Único de Saúde, sejam eles funcionários, gestores e usuários, estejam envolvidos no desenvolvimento de forma equânime e efetiva dos programas já existentes, fazendo dessa forma com que o termo humanização se torne uma realidade próxima e acessível a todos.

DESENVOLVIMENTO

2. BOM ATENDIMENTO, UMA UTOPIA?

Ainda que seja a base estrutural da busca pela excelência do bom atendimento ao usuário dos serviços de saúde público, o termo “humanização” demonstra não estar cumprindo o papel que se espera dele, ficando desta forma carente de normas de procedimentos mais efetivas acerca das condutas dos profissionais de saúde em relação aos usuários ou em relação a outros profissionais quando se trata de atendimento/relacionamento interno.
Desde antes da criação do Programa Nacional de Humanização da Atenção Hospitalar (PNHAH) em 1999, já era visível e preocupante a baixa qualidade do atendimento aos usuários do serviço de saúde publico. Na prática tanto PNHAH quanto as Portarias que versam sobre acolhimento e humanização, não foram suficientes para estreitar essa relação e melhorar o atendimento/acolhimento ao usuário do sistema público de saúde. Com a publicação da Portaria GM n. 675 de 30 de março de 2006 fica aprovada a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que consolida os direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde em todo o País.
Assim é declarado o direito ao atendimento humano, atencioso e respeitoso, por parte de todos os profissionais de saúde.

O direito do paciente de ser identificado pelo nome, saber quem o está atendendo, quais são os procedimentos a que ele será submetido. Ser esclarecido sobre o seu estado de saúde, sobre as ações diagnósticas e terapêuticas, o que pode decorrer delas, a duração do tratamento, a localização de sua patologia, se existe necessidade de anestesia, qual o instrumental a ser utilizado e quais regiões do corpo serão afetadas pelos procedimentos. De consentir ou recusar procedimentos ou tratamentos. (BRASIL, 2006)

“As anotações em prontuário médico devem ser claras, legíveis, com todas as anotações clínicas necessárias e com a identificação do nome e registro no conselho do profissional que o atende.” (BRASIL, 2006)
 

Quanto à medicação é direito do pacientereceber medicamentos básicos, e também medicamentos e equipamentos de alto custo, que mantenham a vida e a saúde. As receitas devem ser expressas com o nome genérico ou pela droga que compõe medicamento. Todos os usuários devem ter assegurado antecipadamente, através de testes ou exames, que não é diabético, portador de algum tipo de anemia, ou alérgico a determinados medicamentos (anestésicos, penicilina, sulfas, soro antitetânico, etc..). (BRASIL, 2006).

Ninguém deve ser discriminado por ser portador de qualquer patologia. Todos têm direito a privacidade e condições adequadas e higiênicas de atendimento. As leis que garantem a presença de acompanhante seja nas consultas ou internações devem ser rigorosamente cumpridas. (BRASIL, 2006)

O momento da morte deve ser respeitado e vivenciado com dignidade podendo optar ele próprio (desde que lúcido), a família ou responsável, por local ou acompanhamento e ainda se quer ou não o uso de tratamentos dolorosos e extraordinários para prolongar a vida. É direito de o paciente optar pela doação ou não de órgãos do seu corpo. (BRASIL, 2006).

Quando buscamos na literatura ou não, observação em loco dos atendimento no SUS, podemos perceber que são várias as falhas quanto ao respeito aos direitos dos usuários, e, que o mais evidente e comprometedor é o atendimento, seja ao usuário externo, ao usuário interno e ao usuário periférico.
Cabe lembrar que quando citamos o usuário interno, externo e periférico, não podemos nos esquecer de que o usuário interno é todo aquele que faz parte do quadro de profissionais dos setores de atendimento ao usuário dos serviços de saúde, que o usuário externo é todo aquele que busca atendimento nas unidades de prestação de serviços de saúde, incluindo-se ai os próprios profissionais de saúde, e que ainda há aquele que recebe um atendimento indireto na busca dos serviços de saúde, podemos exemplificar neste caso os acompanhantes dos pacientes, as pessoas que dependem economicamente da boa saúde do usuário entre outros, estes, podemos nominar como sendo os usuários periféricos.
Levando em consideração que os serviços públicos não visam lucro, e os serviços de saúde não são diferentes, a missão desses serviços é o atendimento a quem precisa, portanto se faz urgente a necessidade de um treinamento para a conscientização dos profissionais de saúde, de todos os níveis, para a importância de um melhor atendimento a este usuário de serviço de saúde.
Diante deste distanciamento entre profissionais e usuários buscou-se através do PNHAH desenvolver ações visando estreitar essas relações tendo como objetivo a melhoria do atendimento a usuários e profissionais.
No entanto, apesar destas ações que tiveram lugar em um período compreendido entre 2000 e 2002 para uma melhor qualidade do atendimento ser uma reivindicação de usuários e alguns trabalhadores, estas foram menosprezadas por grande parte de profissionais e gestores.
Há sempre um discurso que explica o mau atendimento ao usuário, como se este se tratasse de um esgotamento da saúde e dos postos de atendimento, mas o que se percebe ai é que foram se formando alguns círculos viciosos que mantém a constância da maioria das falhas dos atendimentos e acolhimentos ao usuário.
O profissional por se julgar muito bem preparado, o que nem sempre é verdade, não dá a devida atenção às queixas dos pacientes que por sua vez não tendo direito à palavra fecham-se e não expõem exatamente toda a extensão do seu problema.
Também há o fato de o profissional não se achar devidamente valorizado e reconhecido nas suas funções pelos gestores, o que os leva a menosprezar a qualidade do atendimento, causando com isso a revolta dos usuários, que reclamam aos gestores, que não investem em treinamento dos profissionais devido à falta de comprometimento destes.
Ainda assim, o Ministério da Saúde propôs vários programas e ações buscando a melhoria da qualidade da atenção ao usuário, que, ainda que não tenham levado a solução do problema, trouxe uma ínfima, porém importante relação entre qualidade, humanização, atenção e satisfação dos usuários e profissionais.
Entre outras ações podemos citar o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – PNASH (1999); Carta ao Usuário (1999); Programa de Modernização Gerencial dos Grandes Estabelecimentos de Saúde (1999); Norma de Atenção Humanizada de Recém-Nascido de Baixo Peso – Método Canguru (2000); Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento (2000); Programa Centros Colaboradores para a Qualidade e Assistência Hospitalar (2000); Programa de Acreditação Hospitalar (2001), mesmo com todas essas e outras ações, que podemos perceber individuais, mas de grande importância para a melhoria do relacionamento usuário-profissional-gestor, pode-se sentir a falta de uma ação forte que acabe de vez com as lacunas ainda existentes no que diz respeito a humanizar o atendimento.
      E humanizar, de acordo com Rech (2003), “é tratar as pessoas levando em conta seus valores e vivências como únicos, evitando quaisquer formas de discriminação negativa, de perda de autonomia, enfim, é preservar a dignidade do ser humano”.
E é essa dignidade que se busca preservar, a mesma que se vê ameaçada quando as políticas de humanização de atendimento ao usuário se mostram eficazes na teoria, mas não demonstram grandes efeitos e grande alcance na prática.
Antes de entender o cidadão como apenas um consumidor em busca de um serviço, neste caso o serviço de saúde, é preciso que o entendamos como um cidadão fragilizado na sua saúde, portanto, em sua condição física e psicológica, o que exige nesse momento uma postura humanística e ética no que se refere ao acolhimento e respeito por parte dos profissionais acolhedores a este usuário, não podendo neste mesmo momento esquecer que este mesmo conceito deve ser aplicado pelos gestores aos profissionais que tenham um contato direto com os usuários que buscam atendimento e dependem exclusivamente dos serviços de saúde públicos.
A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde editada em 2006 prevê em seus seis princípios que:

1. Todo cidadão tem o direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde;
2. Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema;
3. Todo cidadão tem direito a atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação;
4. Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite a sua pessoa, seus valores e seus direitos;
5. Todo cidadão também tem responsabilidade para que seu tratamento aconteça de forma adequada;
6. Todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos. (BRASIL, 2006)

Na busca de compreender a aplicação da carta, encontramos várias contradições entre o que esta preconiza e o que é aplicado no dia-a-dia dos órgãos públicos de saúde, percebendo-se ai um grande desajuste no que diz respeito ao atendimento. Busco a seguir traçar um paralelo entre ambos, a determinação teórica da carta, e a aplicação pratica diária nos serviços de saúde, para que se demonstre com maiores evidências a posição impar entre uma e outra situação.
     Primeiro principio, parágrafo VIII: “A garantia à acessibilidade implica o fim das barreiras arquitetônicas e de comunicabilidade, oferecendo condições de atendimento adequadas, especialmente a pessoas que vivem com deficiência, idosos e gestantes.” (BRASIL, 2006)

No que diz respeito às barreiras arquitetônicas, varias ações tem sido tomadas, mas muito ainda há por ser feito, já no tocante a comunicabilidade notamos que pouco ou nada se tem feito ao longo dos anos, não sendo possível, portanto oferecer condições adequadas de atendimento.

O parágrafo I do segundo princípio que determina: “Atendimento com presteza, tecnologia apropriada e condições de trabalho adequadas para os profissionais de saude”. (BRASIL, 2006)

Sabe-se que nem sempre as condições de trabalho são adequadas desde os recursos físicos, ambiente e ambiência até os recursos humanos.
Já o parágrafo II do mesmo princípio assegura que o usuário deve ter informações claras e objetivas sobre o seu estado de saúde, as hipóteses diagnosticas, diagnósticos exames e todos os procedimentos feitos durante seu tratamento.
Nota-se que deixa a desejar quando se fala em “clareza, objetividade, respeito e compreensão e até em limites éticos”, aos olhos de profissionais mau preparados, ainda que estes itens sejam de extrema importância, acabam por tornarem-se utópicos, lembrando que não há a devida clareza nem mesmo quando da elaboração das receitas médicas, que também devem ser escritas com caligrafia legível e de fácil entendimento por parte do paciente ou dos que venham dela se utilizar.
Uma simples leitura do enunciado do terceiro principio nos faz perceber o quanto o serviço público esta longe do ideal e ainda mais longe da perfeição.
:
O terceiro principio assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento e a uma relação mais pessoal e saudável.
É direito dos cidadãos atendimento acolhedor na rede de serviços de saúde de forma humanizada, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em função de idade, raça, cor, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, características genéticas, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa vivendo com deficiência”. (BRASIL, 2006)

A observação da letra “G” do § III do mesmo principio, nos mostra que este também é negligenciado por conta da massificação dos serviços públicos, da falta de capacitação dos profissionais envolvidos no atendimento ao usuário, da não observância e da possível minimização da importância desses itens por parte dos gestores.
Devemos lembrar que ao procurar o serviço público de saúde, por vezes o mal estar psíquico e emocional do paciente supera o mal estar físico, e se não houver respeito aos primeiros, dificilmente se lograra êxito no tratamento do segundo.
Ainda que o usuário tenha responsabilidades previstas nesta mesma cartilha explicitas no quinto principio, sabemos que os parágrafos I, II, VII, IX e XII principalmente, não são cumpridos, seja por desmotivação ou desconhecimento dos parágrafos I e II, seja por reciprocidade quando se trata do parágrafo VII, ou seja, por ignorância causada pela falta de divulgação dos parágrafos IX e XII.
De todos os princípios, notamos que é o sexto “todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos”, o que tem todos os seus parágrafos ignorados ou não desenvolvidos de forma prática e ampla restringindo-se mais a teoria a aplicação destes itens, comprometendo desta forma o efetivo desenvolvimento de toda a cartilha.

O sexto princípio assegura o comprometimento dos gestores para que os princípios anteriores sejam cumpridos.
Os gestores do SUS, das três esferas de governo, para observância desses princípios, se comprometem a:
I. Promover o respeito e o cumprimento desses direitos e deveres com a adoção de medidas progressivas para sua efetivação.
II. Adotar as providências necessárias para subsidiar a divulgação desta carta, inserindo em suas ações as diretrizes relativas aos direitos e deveres dos usuários, ora formalizada.
III. Incentivar e implementar formas de participação dos trabalhadores e usuários nas instâncias e nos órgãos de controle social do SUS.
IV. Promover atualizações necessárias nos regimentos e estatutos dos serviços de saúde, adequando-os a esta carta.
V. Adotar formas para o cumprimento efetivo da legislação e normatizações do sistema de saúde. (Brasil, 2006)

O motivo notamos está no fato de não haver uma perfeita interação Gestor, Profissionais e Usuários, restando a certeza em cada um que é apenas do outro a responsabilidade dos maus serviços ou da implantação de cursos, capacitações e observação de leis, estatutos e deliberações.
No período de 6 a 12 de dezembro de 1978 na capital do Kazaquistão  ocorreu a conferência organizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS)  que teve como resultado a Declaração de Alma-Ata, onde reafirma que “saúde é um estado de bem-estar completo, físico, mental e social, portanto a ausência de doenças é apenas uma de suas condições, donde devemos entender que o bom atendimento é fundamental para que se possa atingir tais quesitos”.

O estado de saúde e o processo saúde-doença em cada pessoa são vivenciados como condição única, enquanto que para os profissionais de saúde as situações individuais são vividas como casos, de um pretenso ponto de vista objetivo, dentro de parâmetros supostamente racionais e científicos. (ZOBOLI, 2003)

Dessa forma podemos entender que enquanto os usuários veem e sentem seus casos como únicos, os profissionais envolvidos na busca da cura desses casos os veem como situações comuns e corriqueiras, não se envolvendo, dessa forma, diretamente com os usuários, buscando, sobretudo evitar os excessos de pacientes nos corredores e leitos dos hospitais e postos de saúde públicos.
Ainda que o Conselho de Saúde do Estado de São Paulo tenha lançado em 1995 a Cartilha dos Direitos do Paciente, baseada nos estudos do Fórum Permanente de Patologias Crônicas, o que culminou com a edição da lei estadual nº 10241, promulgada em 1999, lei essa análoga em vários aspectos à Carta dos Direitos dos usuários do SUS, principalmente no que tange ao direito dos usuários a terem um atendimento digno, atencioso e respeitoso; a ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome; a não ser identificado ou tratado por números, códigos ou de modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso (…), percebemos que na prática, tanto esta quanto aquela não são levadas em consideração no efetivo momento do acolhimento ou do atendimento ao usuário a quem foram dedicados estes textos.
Ainda visando à humanização dos serviços de saúde e seguindo o exemplo do Estado de São Paulo, o município de Belo Horizonte promulgou em 2004 a lei nº 8926 que versa sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde do município, lei essa que pouco ou nada difere das suas congêneres paulista mas que foi tida como base para a edição em 2006 da já citada Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, bastante importante para desregionalizar a humanização nos serviços de saúde, levando dessa forma, a humanização, à todo o território nacional, porém mais uma vez percebemos que a teoria esta distante do que é exercitado na prática.

Dispõe sobre os direitos do usuário dos serviços e das ações de saúde, no município.
O Povo do Município de Belo Horizonte, por seus representantes, decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º – A prestação dos serviços e das ações de Saúde a usuário de qualquer natureza ou condição, no âmbito do Município, será universal e igualitária, nos termos da Constituição da República, observando-se os dispositivos da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte – LOMBH – pertinentes à Saúde. (Belo Horizonte, 2004)

Apesar do lançamento de cartilhas e leis que deveriam, em tese, serem seguidas a risca eliminando qualquer margem para o descontentamento do usuário do serviço de saúde, ainda há em alguns casos a introdução de pesquisas de satisfação, nas quais os usuários depositam suas frustrações e expectativas no que se referem ao atendimento dos serviços públicos, pesquisas essas que, ou são mal conduzidas ou não tem considerados seus resultados.

É preciso levar em conta algumas diferenças relevantes quando se avaliam serviços públicos e privados. No setor público, o usuário pode se colocar ora como consumidor, avaliando os serviços do ponto de vista de seus ganhos individuais, ora como cidadão, avaliando os serviços ao levar em conta a sociedade como um todo. Como consumidor, ele pode desejar um tempo de espera menor para a consulta e atendimento mais ágil, mas, como cidadão, pode querer que todas as pessoas sejam atendidas, implicando um tempo de espera maior. No que se refere à escolha, no setor privado, o cliente pode procurar outro serviço ou outro profissional, enquanto no setor público essa possibilidade é limitada, quando não impossível (DINSDALE et al., 2000).

Nesse momento, notamos que o usuário dependente exclusivamente do serviço público, não é eficazmente ciente de seus direitos conforme as orientações de todas as legislações pertinentes, portanto se mostra mais interado, se não na área teórica, pelo menos na área prática das limitações destes serviços, não tem opções no que tange às buscas de opções de atendimento, muitas vezes baseados não somente à baixa qualidade desses serviços como também aos baixos investimentos em treinamentos e especialização dos profissionais envolvidos em todas as áreas que envolvem esse atendimento, desde o acolhimento até a dispensa do paciente.
Instituída pelo Ministério da Saúde em 2003, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (Humaniza SUS), traz em sua redação vários itens voltados ao bom acolhimento e ao bom atendimento dos usuários dos serviços públicos de saúde, além do que, como outras resoluções, busca chamar a atenção dos gestores para a importância do investimento no preparo de seus profissionais para que este investimento tenha um retorno aos usuários.
Cita-se abaixo alguns dos itens norteadores do programa PNH, onde mais uma vez podemos notar a contradição entre teoria e prática:

Com a implementação da Política Nacional de Humanização (PNH), trabalhamos para consolidar, prioritariamente, quatro marcas específicas:
1. Serão reduzidas as filas e o tempo de espera com ampliação do acesso e atendimento acolhedor e resolutivo baseados em critérios de risco.
2. Todo usuário do SUS saberá quem são os profissionais que cui¬dam de sua saúde, e os serviços de saúde se responsabilizarão por sua referência territorial.
3. As unidades de saúde garantirão as informações ao usuário, o acompanhamento de pessoas de sua rede social (de livre escolha) e os direitos do código dos usuários do SUS.
4. As unidades de saúde garantirão gestão participativa aos seus trabalhadores e usuários, assim como educação permanente aos trabalhadores.(Brasil, 2003)

Não é difícil notar que mesmo quando nas poucas tentativas efetivas dos gestores em investir e treinar os profissionais de atendimento, essas ações esbarram em barreiras, o que faz com que essas ações não alcancem o público alvo desejado.
Entre os anos 60 e 80 foram propostas mudanças nas práticas de saúde, mas ao chegar aos anos 2000 este movimento se chocou com o que resultava dele: marca ou imagens vazias, slogans sem força e as formas praticadas. As práticas de atenção se apresentavam apenas como conceito e foram segmentadas por áreas como saúde da mulher, saúde da criança, saúde do idoso e também segmentadas por níveis de atenção como assistência hospitalar. Ficaram ligadas apenas ao exercício de profissões como assistente social e psicólogo e a características de gênero mulher.
Também eram orientadas por exigências de mercado que deveriam focar o cliente e a garantia dos serviços em sua totalidade.
No entanto a mudança do conceito de humanização ganha outra forma quando falamos da construção de novas políticas públicas de saúde. É preciso estender o conceito até que se chegue às formas concretas das práticas nos serviços de saúde, na melhoria da qualidade de vida dos usuários e na melhoria das condições de trabalho dos profissionais da saúde.
Impõe-se diante disto um novo desafio a alteração dos modos de fazer, trabalhar e produzir no campo de saúde.
A própria Política Nacional de Humanização (PNH), o Humaniza SUS, criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, reconhece em seu marco teórico-político as deficiências e dificuldades de treinamento e qualificação dos profissionais de saúde, assim como as falhas no relacionamento entre profissional e usuário, como vemos a seguir:

Os inúmeros avanços no campo da saúde pública brasileira – operados especialmente ao longo das últimas duas décadas – convivem, de modo contraditório, com problemas de diversas ordens.
Se podemos, por um lado, apontar avanços na descentralização e na regionalização da atenção e da gestão da saúde, com ampliação dos níveis de universalidade, eqüidade, integralidade e controle social, por outro, a fragmentação e a verticalização dos processos de trabalho esgarçam as re-lações entre os diferentes profissionais da saúde e entre estes e os usuários; o trabalho em equipe, assim como o preparo para lidar com as dimensões sociais e subjetivas presentes nas práticas de atenção, fica fragilizado.
O baixo investimento na qualificação dos trabalhadores, especialmente no que se refere à gestão participativa e ao trabalho em equipe, diminui a possibilidade de um processo crítico e comprometido com as práticas de saúde e com os usuários em suas diferentes necessidades. Há poucos dispo¬sitivos de fomento à co-gestão, à valorização e à inclusão dos trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde, com forte desrespeito aos seus direitos. Um processo de gestão com tais características é acompanha¬do de modos de atenção baseados – grande parte das vezes – na relação queixa-conduta, automatizando-se o contato entre trabalhadores e usuários, fortalecendo um olhar sobre a doença e, sobretudo, não estabelecendo o vínculo fundamental que permite, efetivamente, a responsabilidade sanitária que constitui o ato de saúde. O quadro se complexifica quando também verificamos que o modelo de formação dos profissionais de saúde mantém-se distante do debate e da formulação das políticas públicas de saúde.(BRASIL, 2004)

               Desta forma, a humanização não deve ser tida simplesmente como mais uma cartilha a ser seguida pelos serviços de atendimento à saúde, mas como mais uma ferramenta que esteja situada paralelamente com outros tantos programas homogêneos de atendimento ao usuário dos serviços públicos de saúde.
              Porém, a simples idéia de se ter programas paralelos pode levar a supor que não se possa haver uma ligação entre eles, o que pode representar um erro no entendimento e ações, mas o que se espera é que haja proximidade e se possível uma intersecção entre todos os programas que visam à melhoria do atendimento.
             Não se pode esquecer a responsabilidade dos gestores em buscar, identificar e implantar estratégias e mecanismos de planejamento, ideias, avaliação e soluções que visem à erradicação dos contratempos encontrados pelos buscadores de saúde na rede pública, e que, ao mesmo tempo, chame a atenção dos profissionais para a importância da objetividade do bom atendimento aos usuários eliminando assim o hiato existente entre a satisfação no serviço e a satisfação com o serviço, onde ambos devem fazer parte de um todo.

CONCLUSÃO

            Há margens para dúvidas sobre se haveria espaço para a implantação de novas estruturas e para a adoção de novos conceitos no campo da humanização.
           Não há, portanto, a pretensão de sugerir que se substitua as implantação de condições satisfatórias de estruturas nas quais se baseiam o atendimento de qualidade, os quais são já reconhecidos como fundamentais para o acolhimento e manutenção do atendimento por políticas e ações fundamentadas simplesmente no bom relacionamento entre usuários, profissionais e gestores.
Há a esperança, sobretudo no que diz respeito a gestores e profissionais, que se deixe de ser teórico e que se faça prático a instrução do PNHAH que considera que “é necessário cuidar dos próprios profissionais da área de saúde, constituindo equipes de trabalho saudáveis.” (BRASIL, 1999)
Logo, é necessário que se rompa o circulo vicioso onde se tem gestores não compromissados com a formação de profissionais de excelência, uma vez que estes, os profissionais, não se mostram interessados em prestar serviços de qualidade aos usuários, visto que não se sentem devidamente valorizados e por último, mas não em menor importância, onde se tem usuários que reclamam constantemente do atendimento recebido e cobram principalmente dos profissionais, que são a linha de frente, uma melhor atenção e acolhimento.
É importante também que se tenha gestores e profissionais com conhecimento prático do funcionamento dos serviços públicos de saúde, uma vez que grande parte desses atuam ou gerenciam estes serviços, mas não os utilizam quando necessitam de buscar atendimento de algum tipo de serviço de saúde, utilizando-se, na grande maioria, dos serviços de saúde privados, que como se pode perceber, por visarem o lucro em suas atividades, tem um atendimento e relacionamento usuário/prestador inverso ao que se percebe na área pública.
Diante de todo o exposto, fica a sugestão de que haja maiores e, sobretudo, melhores investimentos por parte dos gestores no treinamento dos profissionais, de forma que esses percebam claramente a importância de atender bem ao usuário dos serviços de saúde, além de se esperar também que os usuários sejam melhor conscientizados de seus direitos e das limitações dos serviços de saúde públicos e espera-se que com os resultados positivos destas ações inverta-se o ciclo vicioso atual, onde se poderá ter usuários satisfeitos o que leva a menos reclamações, levando a profissionais mais receptivos o que levaria os gestores, diante da positividade dos serviços bem prestados em suas unidades, a investir cada vez mais no preparo dos profissionais e na informação dos usuários.

 

REFERÊNCIAS

Brasil, Ministério da Saúde, Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Brasília, 2006

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde
Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar /
Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde. 60p.: il. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios, n. 20)

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
20 p.: il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde)

Belo Horizonte, Lei nº 8926 de 2 de agosto de 2004, Dispõe sobre os direitos do usuário dos serviços e das ações de saúde , no município

Dinsdale GB, Manson DB, Schmidt F & Strickland T2000. Metodologia para medir a satisfação do usuáriono Canadá: desfazendo mitos e redesenhando roteiros.Brasília, ENAP, No20.

MERHY, Emerson Elias. O ATO DE CUIDAR: a alma dos serviços de saúde? Campinas, maio, 19 99

RECH C. M. F. Humanização hospitalar: o que pensamos tomadores de decisão a respeito? São Paulo 2003.Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade
de Saúde Pública, Universidade de São Paulo

ZOBOLI E. L. C. P. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa de Saúde da Família. São Paulo, 2003.
Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo