Atenção em saúde mental

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TECNOLOGIA DE PONTA EM ATENÇÃO A SAÚDE:

UM DESAFIO QUE PODEMOS IGNORAR OU ACEITAR.

Pode-se considerar que o encarceramento e a exclusão como forma de tratamento dos comportamentos desviantes na sociedade ocidental foram desconstruídos a partir das teorizações de Foucault em a História da Loucura escrito nos anos 60.

Porém, em minha opinião, e acredito que na do próprio Foucault, as formações discursivas sobre o comportamento desviante que vieram a se tornar discursos científicos sobre a patologia mental estavam determinadas muito mais pelas estratégias discursivas historicamente possíveis a partir do século XVII. As formações discursivas produzem modos de falar e de fazer que estão imersas nas infinitas possibilidades de saber que rodeiam o conhecimento de status científico.

Sendo assim, as novas formas de concepção e tratamento do sofrimento psíquico em suas manifestações desviantes e anti-sociais fluiram do mundo acadêmico para os equipamentos estatais de produção e implementação de políticaS DE SAÚDE PÚBLICA.

A lei da reforma psiquiatrica, no Brasil, o movimento da antipsiquiatria e a luta antimanicomial foram o pano de fundo da formação profissional de muitos profissionais em atividade hoje. A reforma era a resposta inovadora para a crise do ocidente pós-moderno. A loucura e a diversidade comportamental disseminada na sociedade seja pela revolução sexual, seja pelo uso de drogas, arrancaram o sentido e a lógica do encarceramento e da exclusão dos indivíduos “loucos”. Felizes lutamos pela implantação do novo modelo de atenção a saúde mental especialmente embalados pelo sonho da concretização do Sistema Único de Saúde.

Enquanto isso a realidade social se metamorfosiava rapidamente. Sintomas de desagregação familiar com a ruptura gradativa e irreversível modelo patriarcal, a crise da modernidade expressada no fracasso das promessas do Iluminismo, a crise do modelo de desenvolvimento econômico baseado na concentração de renda, o consequente sucateamento dos serviços públicos e o crescimento do crime organizado infiltrado e atuando como Estado paralelo, o tráfico de drogas e de armas, etc. Tudo isso e muito mais complexificou o cenário em que nós profissionais da saúde temos de atuar.

É complexo implantar uma nova concepção de saúde de acordo com os princípios constitucionais do SUS ao mesmo tempo que o novo paradigma de saúde mental tem que ser posto em prática em meio a uma realidade inexistente no momento em que a Reforma foi proposta. Os tempos são outros mesmo quando comparados com as décadas em que Foucault, Goffmamm, Deleuse, Guatarri e outros formularam os discursos sobre as determinações sociais da loucura. Junto com isso há os avanços da genética e das concepções de determinação extrassocial para a patologia mental.

Sobre o nosso tempo só nós podemos nos responsabilizar. As demandas criadas pela reforma psiquiátrica em um ambiente de conjuntura social em incessante mutação (mutação que não podia ser prevista pelos teóricos da reforma) serão enfrentadas ou ignoradas por nós. As conseqüências nos atingirão. Seja pela coragem e pelo despreendimento, seja pela omissão e pela covardia o fogo das conseqüências irá arder ao nosso redor, alguns de nós irão se queimar. Uns queimarão e serão esquecidos pela omissão, outros queimarão e serão lembrados pela coragem de caminhar em direção ao problema e ao perigo. O futuro depende da disposição que demonstrarmos agora.

Aqui na Pensão Pública Nova vida nós lidamos com este tipo de “nó” civilizatório. Desatar estes “nós” é o único legado relevante que podemos deixar as novas gerações.

É isso que desejo combinar com a equipe da qual sou parte. Podemos ser o serviço que irá transmitir tecnologia de ponta em Serviço Residencial Terapêutico ao coordenador nacional da política de saúde mental Pedro Delgado, já que somos o único Serviço Residencial Terapêutico registrado no RS, com grande experiência em interdisciplinaridade e relações interinstitucionais. Sendo que nosso estado foi pioneiro na aprovação da lei da Reforma Psiquiátrica.

Também podemos pensar que esta tarefa é demasiado grande para nossas habilidades. Podemos recuar e agirmos defensivamente. Deixar que nossos filhos e sobrinhos enfrentem o problema com mais competencia ou coragem do que nós. Finalmente podemos nos declarar despreparados e oferecer nossos cargos a quem se disponha a enfrentar as demandas surgidas do movimento da reforma psiquiátrica que defendemos ardorosamente. Sendo a favor da reforma, eu desejo enfrentar as consequências da mesma. Mas como não fui o único, nem o primeiro a defender a criação de serviços substitutivos a internação psiquiátrica não desejo fazer isso sozinho.

 

 

 

Marco Antonio Pires de Oliveira

05/09/2003