Fukushima e a Razão: A luz e seu oposto na aventura de pensar.

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Penso na Primeira e na Segunda Grande Guerra. Muitos milhões de pessoas morreram em meio a alucinações transformadas em plataformas políticas e absurdos tornados doutrinas racionais.

Os bombardeios a Tóquio, Hiroshima e Nagasaki foram um das atrocidades mais racionalmente explicadas da história da humanidade. São diferentes do Holocausto, exatamente por conterem a complacência que se costuma ter com os crimes dos vencedores.

No entanto, matematicamente parece razoável matar mulheres e crianças japonesas, em bombardeios convencionais e nucleares, para poupar os soldados, filhos das outras mães, as americanas. Abreviando a guerra a bomba atômica evitou mais de um milhão de óbitos, segundo estimativas dos generais americanos. O que a conta omite, no argumento de que o uso das bombas atômicas poupou vidas, é o fato de o que, o que importava para quem usou a bomba nuclear, eram os filhos das mães americanas. Somente estas mortes evitadas é que de fato pesaram na decisão. Os japoneses que morreriam, na não consumada invasão do japão por tropas convencionais, só contam como reforço a racionalização do uso das armas nucleares.

Embora por razões diferentes nazistas e americanos se empenharam em destruir vidas durante a Segunda Guerra Mundial. E foram tantas, que o termo inocente perdeu o sentido. De que importa sua inocência, suas razões e seus valores, se é inerentemente humano negligenciar a vida?

Voltemos a Fukushima:

As partículas radioativas sendo despejadas no oceano têm essa característica impessoal que não considera fatores étnicos, culturais, nacionais ou de qualquer outra ordem. Consiste em uma ameaça a vida, seja ela qual for. Não se restringe a vida humana, a sociedade ou a civilização. A radiação é uma esterilizadora da vida por princípio.

A vida como conhecemos, só foi possível em nosso planeta devido a vantagem de ele estar em uma órbita, em torno do sol, que permite medidas precisas de luz e calor (que também são formas de radiação). Mas está órbita também permite que tenhamos uma atmosfera. E, é ela que bloqueia as formas de radiação que impedem a eclosão da vida.

Curiosamente, trata-se de luz. Então, mesmo aquilo que pode projetar toda a vida no abismo escuro do nada e da morte, é apenas outra forma de luz. A sombra do absurdo (que consideramos o oposto da razão) é ocasionada por um tipo de brilho (invisível para nós) que está além do limitado espectro de radiação que costumamos chamar de luz…

A questão de parar o vazamento de radiação letal nos reatores da Usina de Fukushima é uma daquelas em que a escolha que fazemos em função de nossos cálculos racionais parece pouco significante. O que quer que venha a acontecer, as vezes, nos parece o resultado de uma disposição que precede a ponderação e a meditação. É como se nossa ação fosse o reflexo de uma inclinação que já estava inscrita em nosso modo de ser, na forma de um destino fatal.

O que podemos constatar, apesar de tudo, é que momentos de escolha, como este, são aleatórios e determinados por probabilidades estatísticas que não podem ser calculadas com precisão. Que apesar disso nossas escolhas, recorrentemente, possam ser percebidas como a realização de um roteiro previamente escrito é um mistério profundo…

E, é sintomático sermos uma cultura obcecada por cenários apocalípticos. Eles são os únicos em que, além de todas as demais, a única vida que parece nos importar, a nossa própria, corre um risco incontornável.