Delinquência Científica

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“Foi o maior negócio já feito no Brasil envolvendo empresas de biotecnologia desenvolvidas por meio de capital de risco. Por US$ 290 milhões, o equivalente a R$ 616 milhões, a multinacional Monsanto comprou no dia 3 de novembro as empresas brasileiras Alellyx Applied Genomics e CanaVialis, ambas sediadas em Campinas (SP) e criadas pelo fundo de capital de risco Votorantim Novos Negócios para procurar soluções tecnológicas direcionadas ao cultivo de cana-de-açúcar, laranja e eucalipto.
A Alellyx foi fundada em 2002, com a reunião de um grupo de pesquisadores que participaram no final dos anos 1990 do seqüenciamento do genoma da Xyllela fastidiosa – a bactéria causadora da praga do amarelinho nos laranjais –, financiado pela FAPESP. Tornou-se uma empresa de pesquisa aplicada dedicada à criação – com base na genética molecular – de produtos e tecnologias que beneficiem a agricultura. Alellyx é Xyllela ao contrário.(…)

 

“Segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, a venda das duas empresas é um raro e alentador exemplo no país de criação de valor e riqueza a partir de pesquisa científica competitiva internacionalmente. “Nesse formato, que consiste em criar uma pequena empresa, criar propriedade intelectual nesta empresa e vendê-la a um valor superior ao investido, só me lembro do caso da empresa mineira Akwan Information Technologies, adquirida pelo Google”, diz Brito Cruz. (…) ”Para o físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP entre 1993 e 2005 e articulador do Programa Genoma FAPESP, cujo primeiro fruto foi o seqüenciamento da Xyllela fastidiosa, a venda da Alellyx e da CanaVialis é expressiva também por ocorrer num momento de retração dos investimentos internacionais. “A aquisição não acontece num momento em que há dinheiro sobrando, o que reforça a sua importância. A venda permite que o país receba investimento quando poucos estão recebendo. Quem sabe quais outros países estavam competindo conosco?”, indaga Perez, que hoje é presidente da empresa de biotecnologia Recepta Biopharma. Para ele, a aquisição da Alellyx e da CanaVialis é um indicador de sucesso da visão que formou o Programa Genoma FAPESP. “As lideranças que formaram o programa se envolveram com a Alellyx. O retorno é sem precedentes. Não conheço projeto científico que tenha propiciado um investimento desse porte no Brasil”, disse Perez, que emenda: “A venda mostra que fazer ciência no nosso país pode ser um ótimo negócio”.

O fato de uma multinacional ter arrematado as duas empresas emergentes causou desconforto no governo federal. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no dia 5 de novembro, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, disse que ficou “surpreso e decepcionado” com a notícia da venda. “Não sei quanto a Votorantim colocou nessas empresas ao longo desses anos, mas o setor público colocou muito dinheiro”, afirmou Rezende. “A venda para qualquer grupo estrangeiro é decepcionante.” O ministro lembrou que a Finep aprovou R$ 49,4 milhões em subvenção econômica para pesquisas nas empresas nos últimos três anos – dos quais R$ 6,4 milhões já foram desembolsados. “São duas empresas que receberam investimentos do governo e, justo quando esse investimento estava amadurecendo, foram vendidas por um preço bastante módico”, disse.

(https://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3707&bd=1&pg=1&lg=)

Quando li esta reportagem fiquei me perguntando: será que é inteligente vender para multinacionais patentes e tecnologias estratégicas para o Brasil? Nem pergunto se não deveria ser pelo menos uma questão aberta ao debate a ética do comércio do patrimônio genético dos seres vivos. Seria pedir demais. Fazer “dinheiro” parece que virou obsessão para alguns nerds bem encastelados no controle de dinheiro público, originariamente destinado ao “desenvolvimento científico”. O dinheiro para eles parece ser uma finalidade em si mesmo!! Está auto-justificado o gasto público em pesquisa se a Votorantim fica mais rica, se meia dúzia de nerds fica extremamente rica. Não importa para que será usado este conhecimento e muito menos se o Brasil ficará mais frágil ou com a renda mais concentrada. Eu me pergunto o que mais poderiam desejar as multinacionais como a monsanto, do que uma turminha “esperta” como esta, pensando mil maneiras de transformar dinheiro público para pesquisa científica, em "bons negócios" para elas? Ah sim, claro: ainda tem o pré-sal, tem a Amazônia…