A Roda girou sim! Efeitos e marcas produzidas no 2º Seminário de Humanização

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Estive no 2º Seminário de Humanização e gostaria de deixar aqui alguns contentamentos e um posicionamento.

A roda “Produção de saúde e produção de subjetividades”, com Paulo Amarante e Luiz Fuganti foi um show! As análises ali feitas, em planos de produção de saúde paralelos, mas não distantes um do outro, nos alertam sobre o coletivo como o cenário de produção da vida. Fuganti destaca a noção de que a “doença é um descuido com o nosso desejo naquilo que se passa nas nossas relações” e que “os nossos interesses, enquanto trabalhadores da saúde, sempre estão em jogo na relação com o outro”. Paulo nos traz, com sua imensa sabedoria, que é preciso estar atento a toda conformação sócio-político-econômica que se coloca como determinante na produção de saúde.

Fabiana Vicente de Paula, com seu pôster intitulado “Farmácia Solidária” faz uma provocação interessante: como iniciar ações acolhedoras a partir do diálogo que mantemos com os usuários sobre o uso da medicação. É justamente do lugar mais “demonizado” na saúde, a medicalização, que Fabiana nos dá um verdadeiro exemplo de como iniciamos e mantemos conversas com os usuários, evidenciando o uso da medicação como potência suficiente para instituir novos regimes de sensibilidade e novos sentidos frente à escuta das histórias que estão por trás deste uso, muitas vezes indiscriminado, mas que em sua virtualidade, aciona mecanismos de produção de novas subjetividades, sem pregar um ideal de saúde “correto e bom para todos”. Fabiana nos mostra que é preciso buscar a singularidade no uso medicamentoso, destituindo o poder dos diagnósticos que determinam qual o remédio ideal para acabar com algumas dores que, sem a escutarmos, se manterão eternamente invisíveis para nós todos.

Antonia Lira Feitosa Nogueira Alvino, ao nos provocar com seu pôster “Por essa rua não passo mais – trajetória do acolhimento psiquiátrico no SAMU" é extremamente ousada em trazer uma construção que aparentemente não está sendo satisfatória. Porém, sua coragem em escancarar o processo daquilo que podemos chamar também de uma possibilidade de acolher nos revela que o acolhimento não é apenas uma diretriz, mas um ato que reverbera por toda uma rede e que envolve atores não antes entendidos como possíveis parceiros para o trabalho em saúde. Junto da polícia neste processo, Antonia deixa claro que muitas vezes é necessário silenciar o usuário em sua crise para abrir um canal de diálogo com o mesmo posteriormente. Este posicionamento é mega polêmico, mas qual é o município que hoje não se vê frente a esta dificuldade? Não se trata apenas de julgar a violência como boa ou necessária neste momento, mas de por em pauta a análise deste processo e levantar questões para entendermos como esse modo de atendimento aos usuários pode ser diferentemente construído na parceria com todos os setores da sociedade.

Suely Deslandes e Simone Paulon, na mesa “Transversalização da PNH no ensino em na pesquisa/produção de conhecimento em saúde”, exemplificam muito bem onde mais se concentra a produção acadêmica em torno da PNH e dialogam sobre o que advém no momento em que os trabalhadores do SUS se lançam na instituição acadêmica para problematizarem suas práticas. Aqui, fica muito claro que há sim um distanciamento entre serviços de saúde e academia, mas como não polarizar mais ainda essa relação? Em sua fala, Suely traz um panorama da concentração das produções de dissertações e teses sobre o tema e Simone é sensível o suficiente para escancarar e desconstruir a dualidade “saber prático/saber científico”, a qual está inscrita no corpo de muitos trabalhadores que, em muitas vezes, abandonam os seus empregos para entrar na academia, enxergando esse lugar como o único capaz de tornar válido o saber cotidiano das práticas.

Para finalizar, trago aqui o meu posicionamento contrário à idéia de que humanização é sinônimo de solidariedade com a carência frente às faltas percebidas e sentidas pelos nossos usuários e também trabalhadores, podendo encontrar soluções através da prática do amor. Humanização do SUS, em meu entendimento, abarca um novo plano de construção de subjetividades na relação entre todos os atores envolvidos na produção da saúde (trabalhadores, usuários e gestores). Diz-nos de um lugar em que ao mesmo tempo é um “não lugar”, onde o que acontece é a desestabilização das formas procedimento-centradas no cuidado em saúde, nos convocando a pensar o humano como aquele que exerce o cuidado consigo mesmo para além do imperialismo do bem-estar para uma “boa” saúde. O que nos interessa nesta política é buscar a singularidade de todos os sujeitos envolvidos através do experimentalmente vivido no cotidiano e basear as nossas relações fora do binômio “certo e errado”, mas sempre buscando o que é possível na produção do cuidado em saúde. Neste ponto, concordo de corpo inteiro com as colocações feitas por Cátia Martins em seu post na conversa ativa “Ancorar um navio no espaço…” e com Sérgio Carvalho, que esteve na roda “As práticas cotidianas e a função apoiadora”, quando o mesmo nos declara que “quando falamos de saúde, estamos mesmo é falando da vida”.

Grande beijo e abraços a todos!

E até a próxima!!!

Ricardo Sparapan Pena