WOODSTOCK

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Woodstock

Ontem eu vi um hippie
Feliz ele anunciava
Que a Era de Aquário estava próxima
Prometia um mundo de cores alegres
Onde as crianças caminhavam em meio as flores
E os velhos eram respeitados por sua sabedoria
As mulheres e homens em igualdade
Celebravam suas naturais diferenças
Tudo era de todos
Cada pessoa um construtor
Da felicidade individual e coletiva
O amor e a sensualidade aglutinados
Em sentimentos harmônicos nunca mais opostos
Não existiria mais família
Porque todos eram pais e mães
De todos os filhos
Neste dia então dançaríamos em torno das fogueiras
Celebraríamos os deuses da chuva, do amor e da festa
Mas o velho se esqueceu de dizer…
O que faríamos com os computadores?
E os bilhões de litros de Coca-Cola?
E os programas de televisão?
E as igrejas e seus rígidos códigos de conduta?
Quem manteria as usinas elétricas funcionando?
Quem não se sujeitaria a ganhar salários?
Como imaginar um mundo sem patrões e empregados?
Não precisamos da polícia para reprimir nossa natural barbárie?
Não precisamos de quem fabrique nossas roupas?
Não precisamos amar apenas uma pessoa?
Não precisamos colocar a foto do vovô
ao lado da “Santa Ceia”?
Não precisamos continuar tendo medo
Das crianças maltrapilhas nas ruas?
Não precisamos continuar aplaudindo a matança
De lésbicas e usuários de drogas em novelas e filmes?
Não precisamos continuar votando no mesmo candidato
Para não termos medo de perder nossas sórdidas migalhas?
Não precisamos continuar estendendo os braços no supermercado
Para pegarmos os frutos proibidos do nosso Jardim do Édem?
Não queremos ser amados e desejados
Pela casca de tudo o que consumimos?
Não precisamos acreditar numa Era de Aquário para que
apesar da mediocridade do cotidiano
o mundo mude por si mesmo?
O velho profeta seguiu sua pregação
Dizendo que um mundo melhor estava vindo
E eu fiquei a perguntar
Que maravilhosa roda da história era aquela
Nas minhas visões enxerguei homens
Com as mãos esfoladas
Fazendo a roda girar
Mas por ser enorme
Ela ocultava os homens que a manejavam
Os olhos marejados viram então o futuro no presente
A Era de Aquário era o sinal do desejo
De um mundo melhor aqui e agora
Sua inevitabilidade residia na nossa vontade
De, semelhantes a crianças
Que tudo transformam em brinquedo
Revolver a sucata de nosso lixo civilizatório
Buscando as pedras
Da nossa (in)consequente sabedoria
Para o alicerce do amanhã.
A Era de Aquário não existe!
A Era de Aquário só existe
Se for construída pela vontade do homem
O velho hippie que se via no espelho
Ouviu as minhas prédicas
E tomado de assombro e desesperança
Sentiu o ombro vergar
Frente o peso do sol de si mesmo.
Mas um sorriso lhe atravessou o rosto
Porque agora ele sabia
Que a Era de Aquário dependia
Dele e de todos que nela acreditassem!

Erasmo Ruiz