As doenças existem ou não existem?

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Muita gente se assusta com esta pergunta. Outros ficam indignados. Mas esta é uma pergunta fundamental. Uma parte dos problemas da clínica tradicional deve-se ao fato dos profissionais tomarem as doenças, ou pior ainda, o caminho para se chegar ao diagnóstico, como seu objeto de trabalho. Tornam-se técnicos em doenças, como já disse muito apropriadamente Madel Luz. Mas como não existiriam doenças se as pessoas morrem todos os dias, dentro e fora dos serviços de saúde? Sim, é exatamente  o que acontece. E muitos antes dos hospitais e da nossa medicina atual, chamada biomedicina, morria-se pelo mundo afora. Porém as doenças tinham outros nomes, outras causas e outros cuidados. Da mesma forma as várias racionalidades médicas (homeopatia, medicina chinesa, medicina ayrvedica, antrposófica etc) dão cada uma os seus diagnósticos. Então a doença é simplesmente um certo recorte de sinais e sintomas, de um processo individual ou coletivo que, sustentado em uma certa teoria (por sua vez está sustentada em um contexto cultural, ou uma cosmologia, como dizem muitos), permite que se enxergue, no adoecimento e na morte, esta ou aquela doença. A doença e as teorias que a sustentam, obviamente, se existem, é porque permitem algum grau, senão de eficácia na intervenção, pelo menos de previsão do desenvolvimento do processo. No entanto, sendo teorias, elas tem potências e possibilidades, mas tem também limites e pontos cegos. Justamente porque por definição elas separam e recortam algusn aspectos, ignorando outros. Curiosamente, embora o aumento do connhecimento se de pelo reconhecimento dos limites das teorias, quando os profissionais se consideram especialistas nesta ou daquela "doença", eles frequentemente se identifiquem de tal forma com a teoria, que consideram ofensivas as críticas, e até mesmo chegam a se irritar com os pacientes que  "se recusam" a melhorar com o tratamento, ou que apresentam sintomas e evolução "inexplicáveis".

Desta forma existe o adoecimento, não existem as doenças. Pelo menos não tanto quanto existem as pessoas. As doenças são um instrumento teórico para cuidar de pessoas. Sendo um conhecimento abstrato e universal, não substituem a busca por um conhecimento singular de cada pessoa adoecida e da relação que ela estabelece com os profissionais de saúde e com o mundo. A crença religiosa nas doenças costuma advogar a suficiência de ações padronizadas e protocolos (com evidências ou não) além do trabalho rigidamente espcializado e fragmentado.