Memórias do Futuro

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Um dia nascendo em 1977. Um raio de sol passa pela porta entreaberta e ilumina o pó que flutua acima do assoalho de madeira. Num canto da sala um menino que viu seu pai sair para trabalhar é capturado pela imagem das partículas suspensas no ar iluminado pela luz do sol.

Durante alguns segundos a imagem se imprime na memória do menino. Mas, estes segundos são formados de instantes, pontos sem dimensão que compõe a tessitura do espaço-tempo. Um desses instantes foi fecundo. Nele o momento da captura do olhar se instalou. E esse instante solidário partilhou a novidade com a miríade de instantes que vieram e formaram os segundos que o menino manteve na memória pelas décadas a frente.

Numa noite quente de verão, 37 anos depois, um homem de meia idade busca o adormecer acalentado por memórias e meditações sobre o tempo. Ele lembra os segundos em que o encanto da luz sobre as partículas de pó o haviam fascinado. Lhe pareceu que os 37 anos que separavam as memórias não encontravam distância alguma. O padrão de sinapses que lhe faziam pensar nos segundos em que ia adormecendo e, aqueles outros que o levavam a 1977, eram instantâneos e mais solidários que a fugaz memória perdida que lhe revelaria o que havia almoçado horas antes.

Imaginou agradavelmente o momento de paz e tranquilidade que iria ter com a mulher amada em algum momento nos dias que estavam próximos. Sabia que eles viriam e passariam como os instantes em que a luz iluminou a sala de uma das casas de sua infância. Mas também permaneceriam com ele. Sabia que uma vez vivida, ela seria uma vivência eternizada, atemporal e imutável. Em muitos lugares do universo àqueles dias felizes por vir, já seriam vistos como tempos idos.

Ele é que finalmente esqueceria, seria esquecido… O mundo, ocupado em viver e lembrar outros incontáveis instantes, esqueceria dele. Mas nada mudaria o fato de que, num lapso ínfimo de tempo, ele sentira o mundo. E na eternidade que contem nosso universo, seu futuro seria o passado na perspectiva de um observador distante. A ideia de que o espaço-tempo formavam um tecido continuo o liberava.

Aprendera desde pequeno, em leituras furtivas nas enciclopédias de tios, nas bibliotecas das escolas em que estudara, que o tempo era relativo e que a matéria dialogava com a consciência de um observador.

Não entendeu da primeira vez que leu. Mas não descansou até formar uma imagem coerente do colapso da função de onda. Mas sua intuição de que a expectativa mudava o rumo dos acontecimentos era solidária a ideia da Física de que o tempo é uma ilusão. Havia uma forma de ver as coisas em que tudo estava religado. Um olhar que não via a causalidade desenrolando-se no tempo. Tudo estava em seu lugar.

E, assim, adormeceu entre a memória dos dias de seu 7º ano de vida, a contemplação de seu agora e a expectativa dos dias que ainda viriam.