Parto Humanizado – Oficinas de sensibilização para profissionais da atenção básica

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Foram dois dias de trabalho com a missão de sensibilizar profissionais das Unidades Básica de Saúde (UBS) e Equipes de Saúde da Família (ESF) de Fátima do Sul (dia 13/02) e Dourados (dia 14/02) sobre o objetivo principal da Rede Cegonha: a mudança do modelo de assistência ao parto no Brasil, o que chamamos de “Parto Humanizado”. Para atingir o objetivo de sensibilização, convidei para facilitar a oficina junto comigo a pedagoga e doula Fernanda Leite, que tem a habilidade de inserir momentos de descontração e reflexão “pegando o gancho” do discurso técnico-teórico do qual eu me encarrego.

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As oficinas começaram com uma apresentação em roda. Cada participante deveria apresentar-se com os seguintes dados: Nome, como nasceu, como nasceram seus filhos, e uma palavra para parto. Neste momento, percebi o que parecia certo: os profissionais da saúde em sua maioria nasceram de cesárea e principalmente, tiveram seus filhos por cesarianas agendadas. As palavras para parto variaram desde “amor”, “felicidade”, “natureza” até “medo”, “a dor da morte”, e uma das mais repetidas, especialmente em Dourados: “escolha”. As profissionais acreditam que o parto deve ser uma questão de escolha da mulher, a maioria delas sente-se satisfeitas em terem tido cesariana e acreditam que o direito de escolha deveria ser oferecido para todas as mulheres.

Ora, se os profissionais do SUS que estão na ponta atendendo as mulheres, adolescentes e famílias no pré-natal acreditam que a cesariana é a melhor via de nascimento, fica claro porque o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Ministério da Saúde há mais de uma década para redução das cesarianas no Brasil não está tendo sucesso. Em 2000, ano da a taxa de cesariana era 38,9%, os resultados publicados mais recentes (2010) apontam que o índice aumentou para 52,3% das crianças brasileiras nascidas por cesariana.

Se a base que sustenta a mudança de práticas é a qualificação e valorização dos profissionais envolvidos com o cuidado, não basta dizer que precisamos reduzir cesarianas, é preciso que as pessoas entendam que o conceito de parto normal mudou, e que o tipo de parto conhecido por estes profissionais não é o estimulado pelo Ministério da Saúde. Do contrário, corremos o risco de sermos tomados como hipócritas ou completos ignorantes da realidade obstétrica – afinal, a maioria das pessoas que estudou ou trabalhou em um centro obstétrico tradicional entende o parto normal como algo que deve ser evitado, combatido, eliminado.

Na roda de conversa, falamos sobre os conceitos de violência obstétrica, e o modelo clássico de assistência obstétrica no Brasil: “Ocitocina na veia, tricotomia, enema, posição de litotomia, episiotomia, kristeler…”. A maioria daquelas profissionais não conhecia outra forma de parto, por isso a luta pela redução das cesarianas não fazia sentido para elas. Agora elas conhecem.

“Na faculdade eu aprendi a teoria sobre parto humanizado. Mas quando fui para o estágio, vi que nada do que era aprendido na sala de aula era real. Passei a acreditar que o parto é perigoso e violento e nunca mais refleti sobre isso – até hoje.”

“Estou surpresa por saber que tudo o que eu fazia estava errado. Eu aprendi tudo errado.”

“Por várias vezes eu amarrei as pernas das mulheres na perneira da sala de parto. Não sabia que isso era violência obstétrica.”

“Eu tive meus filhos de parto normal. As pessoas têm que saber que parto é dor! Você vai para o inferno e volta! Mas depois acaba a dor e você nem lembra.”

Um dos assuntos abordados na roda foi o direito a escolha. Discutimos sobre as escolhas baseadas em informação e respeito à decisão da mulher, mas principalmente sobre a necessidade de mudarmos o sistema de saúde para que haja realmente opções a escolher, já que na realidade as gestantes fogem do parto normal violento correndo para a cesariana eletiva asséptica, sem respeito ao corpo da mulher e do bebê – a banalização da cesariana e a realidade da “falta de escolha”. As mulheres falaram sobre suas cesarianas agendadas por conveniência médica ou indicações falsas, que foram aceitas por falta de informação ou, como acreditam elas, por escolha.

“Eu queria parto normal, mas tive o azar de entrar em trabalho de parto no dia do casamento da filha do médico. Meu trabalho de parto estava evoluindo bem, mas as 17:00 horas ele me disse que tinha compromisso e que precisava resolver logo aquilo. E me fez uma cesárea.”

“Eu já tinha uma cesárea anterior, e na segunda gravidez o médico já não estava atendendo partos pelo meu plano de saúde, mas disse que abriria uma exceção para mim, que já era paciente antiga, mas ele só poderia fazer meu parto na terça ou na quinta, escolhi a data e fiz a cesariana.”

“Tive duas cesáreas que foram necessárias, pois minhas gravidezes eram muito problemáticas. Na primeira o bebê estava com o cordão enrolado, e na segunda eu tive pré-eclâmpsia, então fiz laqueadura, pois meu médico disse que eu não deveria mais engravidar.”

Conversamos também sobre o modelo obstétrico que pretendemos implantar no Brasil, exemplificando com experiências de sucesso de países em que os partos são cuidados como processos fisiológicos, assistência feita por enfermeiras obstetras, casas de parto, baixos índices de cesariana, reduzidas taxas de mortes maternas e neonatais. Entendemos que é fundamental para a mudança de paradigma que os partos sejam tratados com respeito, privacidade e segurança, e os conceitos de quartos PPP, métodos não-farmacológicos de alívio da dor, acesso à analgesia farmacológica, papel do acompanhante, alimentação, exercícios e liberdade de posição durante o trabalho de parto e parto, contato pele-a-pele e formação do vínculo na primeira hora pós-parto. Alguns dos participantes deram depoimentos sobre suas experiências.

“Eu tinha 16 anos e fui para o hospital sem saber nada sobre parto, foi horrível tudo o que aconteceu, sofri muito, doeu muito e eu estava sozinha, as enfermeiras falavam que parto era assim mesmo e não fizeram nada para me ajudar. Depois que o bebê nasceu levaram para cuidar e quando trouxeram de volta eu não reconheci aquele bebê, ele era muito feio! Tudo aquilo por um bebê tão feio! Fiquei traumatizada”

“Meus 3 filhos nasceram por cesariana, por escolha da minha mulher. Eu assisti e participei do nascimento de todos eles. Foi muito importante para mim”

“Minha mãe teve 11 filhos, todos de parto natural e em casa, parto na minha família é uma coisa natural”

“Nasci de cesariana. Minha mãe teve complicações pós-operatórias e ficou 3 meses na UTI após o parto, só fui conhecê-la com 3 meses de vida.”

A atenção primária tem como rotina as atividades em grupos, sendo uma das mais comuns os grupos de gestantes. Os profissionais relatam que é difícil a adesão de gestantes no grupo, o que só acontece com a barganha por brindes ou antes da consulta, na sala de espera. Falamos então sobre uma proposta de um outro formato do grupo de gestantes, com método de rodas de conversa, misturando idades gestacionais, paridades e experiências diferentes a serem compartilhadas com abordagem de temas que podem trazer autonomia e protagonismo para as mulheres como: sintomas de trabalho de parto e parto, preparação do acompanhante para o parto, violência obstétrica, métodos de alívio dos desconfortos da gravidez, métodos não farmacológicos de alívio da dor no trabalho de parto, dentre outros. Sabemos que estes assuntos não estão apropriados pelos profissionais, então, como eles poderiam conduzir rodas de conversa?

Fizemos um resgate sobre os sinais e sintomas de trabalho de parto, a fisiologia do parto e as orientações que devem ser focadas nos grupos de gestantes das unidades de saúde. Praticamos alguns exercícios que promovem a saúde e o bem-estar das mulheres durante a gravidez, sendo esse o principal “brinde” a ser oferecido por um grupo de gestantes: aprender massagens, exercícios perineais, alongamentos de tronco e exercícios respiratórios. Permeando os diálogos e reflexões a respeito do parto, inserimos algumas dinâmicas com roda, dança e música, para descontrair o grupo e tornar o ambiente mais leve para o trabalho.

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Ao final, fizemos uma roda de avaliação com os profissionais, que responderam em unanimidade que a oficina foi muito proveitosa para o entendimento da proposta do “parto humanizado” e de seu papel na mudança de modelo. O método de roda, com dinâmicas e em um parque ao ar livre foi fundamental para tocarmos no ponto sensível de cada um.

Os investimentos feitos pela Rede Cegonha na qualificação do pré-natal somente serão bem aplicados se os profissionais estiverem sensibilizados e entenderem seu papel nesta mudança de práticas. A expectativa é de educação continuada em várias oficinas que abordem cada um dos temas passados rapidamente nesta primeira experiência. Os profissionais querem e precisam saber mais sobre violência obstétrica, métodos de alívio da dor, plano de parto, dentre outros assuntos que podem fortalecer o trabalho da atenção básica para um pré-natal de qualidade.