TEXTO SERAFIM BARBOSA SANTOS FILHO “ANÁLISE”

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O texto de Serafim Barbosa Santos Filho, intitulado Análise do trabalho em saúde nos referenciais da humanização e do trabalho como relação de serviço, publicado na Revista Tempus-Actas de Saúde Coletiva – O Trabalho em Saúde trata-se de um debate que traz à tona eixos metodológicos de análise de trabalho em saúde, tendo como base a Política Nacional de Humanização/PNH e a “concepção de trabalho como atividade e como relação de serviço.”

Segundo o autor a estratégia essencial da PNH é operar com o apoio institucional e dispositivos a ele incorporados, no sentido de “por o trabalho em análise” construindo eixos analíticos  e de dimensionamento à luz dos princípios da Humanização. Desta forma o cerne do texto é o foco nos “trabalhadores como sujeitos no contexto do  processo de trabalho e as relações institucionais que nele são estabelecidas” e tem como objetivo induzir aos envolvidos a prática das análises coletivas no trabalho provocando nos trabalhadores o desejo de desenvolver/aumentar suas capacidades de análise e de intervenção em seus processos de trabalho valendo-se dos três princípios fundamentais da PNH : transversalidade, indissociabilidade e a afirmação do protagonismo como parâmetros para o desenvolvimento das estratégias juntamente com as diretrizes, mais especificamente a “cogestão e o fomento à construção de coletivos e redes de compromissos em torno dos direitos dos usuários e valorização  dos trabalhadores” resultando na construção de espaços coletivos de discussão e diálogos com a inserção dos diferentes sujeitos participantes da ação nos processos de “avaliação, tomada de decisão e construção compartilhada de conhecimentos e intervenções considerando a subjetividade dos sujeitos e coletivos.”

Com isto pretende-se proferir estratégias que venham contribuir para a reorganização do trabalho, a transformação nas relações sociais que envolvem a tríade usuários-trabalhadores-gestores.  A abertura de espaços coletivos de discussões onde haja  elementos articuladores (através da análise) e não apenas para o compartilhamento dos saberes, discussão da realidade local ou descoberta das falhas existentes no desenvolvimento das atividades laborais. Espaços estes, onde haja possibilidade de “ser e trabalhar” de “estar no meio” dos processos de trabalho reinventando o trabalho através da análise dos modos já instituídos associados ao pensamento/entendimento/planejamento dos executam as tarefas e vivem o dia a dia, respeitando a singularidade de cada um e de cada ação, porém inseridos no coletivo e o coletivo como parte de cada um, através de equipes e não isoladamente. A efetivação desse processo se dá através do “apoio institucional” usado como estratégia para ajudar as equipes a colocarem o “trabalho em análise” trazendo à tona as “discussões que expressam seus modos de operar, de produzir e de exercer a gestão” e, consequentemente o  fortalecimento dos coletivos na produção de si mesmo e o aparecimento de sujeitos qualificados e capazes de promover a inserção das situações- problemas e suscitar condições de resolvê-las ampliando a capacidade de reflexão e intervenção do coletivo nos modos de produção do trabalho em saúde.

No tocante aos objetos-sujeitos, Serafim tem como princípio “os trabalhadores como sujeitos no contexto do processo de trabalho e as relações institucionais nele estabelecidas”, o que torna os trabalhadores/equipes como “objetos” de análise, inseparáveis ao processo de trabalho. O cultivo de sujeitos analisadores constrói focos analíticos que vão identificar as dimensões e lacunas a serem problematizadas e desse elenco surgem os elementos essenciais e potencializadores da capacidade de análise dos envolvidos. Esses “focos- dimensões” levam a modificar a percepção do  próprio trabalho evidenciando aspectos relacionados aos sentidos, motivação, satisfação e percepção de valor pelos trabalhadores, aumentando o sentido de motivação, cooperação, respeito e justiça (valores éticos), através da sensação de utilidade ao desenvolver suas atividades focado nos projetos pessoais, enxergando sentido no seu trabalho através de seu esforço. Esta motivação/satisfação não consegue se expandir nos modelos prescritos na produção do trabalho, já que estes modelos não permitem que o trabalhador/equipe  seja  reconhecido e valorizado pela dedicação  e empenho (cooperação e afetividade) e sim como sujeito realizador de tarefas.

Para que haja a efetivação dessa relação cooperação e afetividade a PNH incorpora a lógica de redes fomentando a construção de redes trabalho-afetivas no domínio da cogestão. Essas redes fortalecem as equipes e o trabalho em equipe, no entanto ainda são grandes e visíveis as dificuldades quanto à constituição e operacionalização de um trabalho em equipe. Tais dificuldades demandam, ora por ineficiência das organizações nas articulações ente as instâncias, ora pelo conservadorismo no que se refere aos vínculos trabalhistas que tem por base as tarefas individuais e não processos comuns-integrados.

Essa cooperação de análises gera as relações de comunicação entendida como “intercompreensão mútua entre sujeitos”. A comunicação é também um dos principais pilares para analisar situações de trabalho, produtividade e mudança organizacional e para que ela (a comunicação) seja rica é necessário um mínimo de cultura compartilhada no sentido de que se consiga entender a outra pessoa, o que ela espera de nós com uma pitada de empatia na comunicação. Serafim atenta para o cuidado com os “ruídos” já que a comunicação é contrafeita  de interesses e motivações pessoais, entre outras emoções. 

Ao se adotar a comunicação como elemento na construção da cogestão surgem os incômodos entre os pares quanto a condutas e posturas nos âmbitos da técnica e ética-política, esses incômodos vão se dissipando quando se amplia/revisa a relação de confiança, intercompreensão, condutas e posturas. Assim também as atitudes incompreendidas e desconhecidas dos pares vão sendo respeitadas e a grupalidade constituída e as diferenças superadas. Os pares tornam-se receptivos e cooperativos transformando a qualidade de vida do trabalho e ganhando segurança e satisfação em “fazer juntos”.

O autor chama a atenção quanto à instituição de protocolos, a exemplo dos protocolos clínicos, que limitam o trabalhador à sujeição de normas e condutas que por vezes inviabilizam o tratamento, procedimento ou atividade fim. Isto ocorre pelo fato de haver diversidades de saberes e entendimentos, por haver divergências entre a teoria e a prática, pelo fato dos protocolos serem elaborados nos “gabinetes” longe da realidade local e da prática efetivamente falando. Não que os protocolos sejam obsoletos ou dispensáveis, é importante que haja a normalização dos processos, entretanto deve haver uma abertura para que as decisões e as situações problemas emergentes sejam  resolvidas. Não se pode produzir saúde de forma isolada, com rígidos fluxos e de forma mecanizada. Os trabalhadores que executam as atividades na ponta (na prática) entendem que cada sujeito e situação é singular e deve ser tratado como um todo  e integralmente diante o processo de saúde/doença e não de forma fragmentada. Essas situações são motivos de insatisfação entre os trabalhadores, expressam contradições entre os preceitos e a prática, entre a clínica instituída  a clínica real. A análise traz nos remete aos caminhos para a regulações, ajustes coletivos, (re)pactuações e corresponsabilização com o que ‘faça sentido’ e seja possível de adaptação para aquela realidade concreta” cita Serafim.

Há de se ressaltar que além das inúmeras dificuldades de se desenvolver a análise proposta por Serafim, ainda conta-se com um ambiente hostil que não favorece às condições de realização de redes de trabalho, seja por ineficiência institucional, precarização do trabalho ou mesmo desalento ante as situações de vivência dos trabalhadores o que exige o esforço essencial da gestão local, estes tem que cumprir as imposições do sistema (gestão) e ao mesmo tempo lidar com a demanda de quem põe o sistema em prática (o trabalhador) e de quem o consome (o usuário). Estes estados dúbios, sobretudo dos atores gestores mostram as gritantes contradições do sistema de saúde e a limitação da ação gerencial local.

Neste quadro vislumbra-se a  urgente necessidade de mudança no sistema de gestão e a importância da sinergia entre o tripé que sustenta a organização (gestores, trabalhadores e usuários) que só pode ser resolvido através do “diálogo institucional”, no fortalecimento das discussões e análises das situações-problemas que possibilitam a coconstrução de uma nova ética de organização do trabalho.  “É necessário avaliar a capacidade institucional da organização local” incorporando novos modos de trabalho através da reflexão, das reais práticas à partir das tensões detectadas em sua estrutura. Esta necessidade induz a ampliar os espaços coletivos de discussões planejamento e análises; de fazer interferências que propiciem a autonomia dos trabalhadores, possibilitando o uso do trabalho como espalho de desenvolvimento de atividades programadas e de produção e compartilhamento de experiências e saberes; abertura para comunicação em rede.

Esse grau de “amadurecimento” do sistema através da análise proposta por Serafim, além de levantar “sinais que possam ser discutidos e validados como alertas para o que se quer mudar, entendendo-os como analisadores das situações em seu caráter dinâmico  e a construção de um outro modo de ser e estar no trabalho, proporciona aos envolvidos a oportunidade de “viver o trabalho”, o ficar bem, a motivação, satisfação, crescimento pessoal, disseminação de conhecimento, partilha, exercício da solidariedade, criatividade, colaboração entre outros tantos ganhos como sujeitos subjetivos e corresponsáveis pela mudança e quebra de paradigmas, corroborando para o nascimento de um novo sujeito e de uma nova forma de gestão que leve em conta as necessidades locais e reais dos envolvidos, transformando os envolvidos  em atores sociais dinâmicos, capazes,  transformador de si mesmo e das relações meio em que vive.

 

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