Brilho Antigo

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Há um milhão de anos atrás, quando nossos ancestrais comuns ainda desciam das árvores, uma estrela – no final de sua existência – lançou no espaço um último e estrondoso suspiro de luz. Uma super nova desintegrou-se numa explosão com um brilho superior ao de mil galáxias.

A radiação esterilizou tudo em seu caminho. Vidas unicelulares, mundos habitados por civilizações avançadas e primitivas foram arrasados simplesmente por estarem no caminho da luz. Mas naquela noite estrelada nada mudou em nosso mundo azul. A distância, no tempo e no espaço, nos protegeu da intensidade do brilho radiativo. Ainda levaria muito tempo para que aquele evento cósmico viesse a ter um significado. Nossa fábula moral, que usamos para criar a mais concreta das ilusões, ainda não existia.  É com a ilusão – de que o cosmos segue os nossos desígnios – que os humanos aliviam o peso da imensidão do universo em que existem.

Em 08 de julho de 2014, os reminiscentes raios de luz daquela explosão encantaram o olhar de um menino que contemplava o céu noturno, depois de ter sofrido uma grande frustração…

Assisti o 11 de Setembro de 2001 pela TV. Estava ouvindo rádio enquanto fazia uma caminhada pela pista de corrida da sede campestre do SESC em Porto Alegre. Cheguei em casa ainda em tempo de assistir o desmoronamento das Torres Gêmeas ao vivo. Era possível sentir no ar o mundo tomado pela expectativa do que viria nas décadas seguintes, em resposta aos eventos que víamos pela TV.

Anos depois, assisti ao enforcamento de Saddam Hussein ao vivo, nas primeiras horas da madrugada do sábado 30 de dezembro de 2006. Foi uma experiência de mais perplexidade do que a das imagens do 11 de Setembro.

Os signos do fracasso e da derrota dialogaram diretamente com uma inquietação muito íntima. Terminar a vida sendo executado, tendo sido alguém poderoso, diante do olhar de centenas de milhões de pessoas, é um profundo signo para definir o que seja o fracasso de uma existência, em termos humanos. Algo capaz de colocar a existência das pessoas comuns sob um espectro assustador: Ninguém está livre da decadência e da tragédia. Seja você quem for, o curso biológico de seu corpo e as possíveis implicações dos conflitos humanos, sempre poderão destruí-lo.

A derrota do Brasil por 7 X 1 para a Alemanha me provocou uma dor lancinante e um profundo desconforto. O constrangimento de olhar para a esposa e o filho e de vivenciar uma derrota esportiva, demonstra como os signos são determinantes para nossos estados de espírito.

Os bombardeios de Israel aos territórios palestinos doem tanto em nós brasileiros e torcedores, quanto outras tragédias reais e mais próximas de nós. As centenas de milhares de ocorrências de exploração e abuso sexual de menores que aconteceram por ocasião dos jogos da Copa do Mundo no Brasil, nos tocam menos que o resultado de uma partida de futebol.

A violência cotidiana não acrescenta novos sentidos a minha existência pessoal. São tão naturais na paisagem como os morros e as nuvens. A necessidade de explicar e atribuir sentido, de acordo com o que julgamos ruim, é profunda. E é no teatro e no espetáculo que a tragédia pode ser celebrada como encenação.

Não é de fato uma tragédia que um grupo de jogadores entre em surto ao mesmo tempo durante uma partida de futebol. É um evento improvável e raro. Não chega a ser impossível se considerarmos as muitas determinantes de um espetáculo jogado como encenação. Muitas causas são deixadas longe dos olhos da plateia em nome da magia.

A única condição é que a dor real da derrota seja considerada um fato espetacular mesmo que, no entanto, seja fabricado até sua mais epidérmica causa. Há muitos interesses na espetacularização do trágico. Toda a magia exige um feitiço. E o feitiço é a trapaça que dá substância ao ato mágico e proporciona o encantamento da plateia.

O fato é que tragédias encenadas imprimem sentido a nossa existência. Já as tragédias reais, consomem o sentido mais do que o fabricam. Por isso, nesses momentos, não achamos tão ruim a violência em outros países, nem a fome e a miséria de seres humanos no terceiro mundo, ou na favela aqui ao lado.

Depois de uma guerra, de uma catástrofe natural, resta-nos encarar a decadência, empreender a reconstrução ou mergulhar no silencio surdo do esquecimento. A mecânica dos determinantes da vida não pode ser conhecida de antemão. Só podemos estimar, a partir da observação das frequências, resultados mais ou menos prováveis.

O do jogo do Brasil contra a Alemanha é parte imutável do nosso passado. Nunca saberemos exatamente como ele pode ter acontecido. Mas certamente encontraremos uma resposta para explicar o acontecido e encadeá-lo em alguma narrativa de redenção ou superação. Pois isso, serve a mecânica do espetáculo. E o show paga seus custos com a atenção da plateia e ainda sobra muito para uma farta distribuição de comissões aos artistas (que encenam os dramas e tragédias) e aos produtores (que ficam fora do palco).

Mas a realidade não é uma fábula moral. Nós é que inventamos a estória e seu sentido. Como uma criança olhando um estranho brilho de luz no céu noturno, damos nomes aos surdos sentimentos que nos tomam:

– Essa luz é um sinal de Jesus. Um dia o Brasil vai ser campeão e eu vou ser feliz!