CaféNESC – Natal: Transdisciplinaridade & HumanizaSUS

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  Com o tema  HUMANIZAÇÃO & SAÚDE DA FAMÍLIA: Visões e Vivências, após um tempo de pausa o CaféNESC ( Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva-UFRN) volta a organizar seus encontros, evidenciando a harmoniosa integração dos professores do NESC com os profissionais do SUS, tanto  da Atenção Básica da SMS-Natal, bem como da SES (Sesap-RN).
 As autoras Rosana Vilar, Meine Alcântara e Jacqueline Abrantes, em mesa coordenada pelo professor Cipriano Vasconcelos, apresentaram alguns aspectos vivenciados em suas pesquisas de dissertação/tese de mestrado e doutorado, com ênfase no tema da PNH presente nas vivências e visões que cada pesquisadora desenvolveu em suas ricas experiências que se deram junto às comunidades, e junto aos usuários do SUS e profissionais da rede básica de saúde.
O que percebi como ênfase e ponto em comum dos trabalhos foi o protagonismo dos sujeitos, e sua participação criativa e construtiva nos processos psicossociais de produção da saúde de si, e do coletivo, quando resgatam suas forças comunitárias como forma de enfrentamento pela via expressiva e elaborativa dos sentimentos compartilhados, assim aqui falarei um pouco do que vi desta essência, na apresentação e no trabalho de cada uma:
Meine Alcântara trabalhou com a comunidade de um bairro periférico de Natal, conhecido por altos índices de violência no qual algumas mulheres da comunidade organizaram-se a partir dos encontros de grupo de hipertensos no PSF, para formar grupos de danças folclóricas e particularmente um “Auto de Natal”, com o passar dos anos, o grupo se manteve firme, cresceu e a despeito das dificuldades econômicas e ausência de incentivos  por parte da administração pública, apenas com a força unida de profissionais da saúde local e da própria comunidade, aprimoraram as vestimentas, acessórios, e o grupo recebeu ‘atores’ e ‘atrizes’ de todas as idades, inclusive dos adolescentes. Dessa forma ressalto como aspecto mais interessante, a livre expressão das angústias vividas como forma elaborativa e crítica de se pensar e mobilizar mudanças sociais, quando a encenação e o enredo “Auto de Natal” não se limitou a reproduzir a história milenar do nascimento de Jesus; mas imbuídos do próprio sentimento crítico e reflexivo típicos da sabedoria deste homem que um dia veio à Terra, os atores passaram a incluir no enredo a realidade cotidiana do bairro, como o nascimento de dezenas de meninas e meninos de luz, em meio às grandes dificuldades de serem frutos da gravidez na adolescência; assim como a inclusão no enredo, de adolescentes envolvidos com o mundo das drogas e dos crimes, e suas possibilidades sim de repensarem suas escolhas e possibilidades diversas. Rosana Vilar concluiu com a frase de Boal que nos lembra que “ a arte é imanente a todos os homens e não apenas a alguns eleitos, … pois é parte integrante da vida como o ar, e como o amor”.
Nossa querida  Jacqueline Abrantes apresentou algumas histórias e depoimentos de pessoas da comunidade do bairro de Panatís que participaram de sua pesquisa de mestrado intitulada: Beirando a vida, driblando os problemas: Estratégias de bem viver. Foi a partir destas falas e expressões colhidas na pesquisa que surgiu a idéia da “Tenda do Conto”, quando uma das usuárias referiu-se a sua Vida como uma historia da qual poderia-se fazer um filme, e Jacqueline a solicita que conte uma parte, um conto de cada vez, a cada dia, a cada encontro que passam então a ser filmados, mas em um cenário especial que foi sendo construído com os objetos significativos destas histórias. E como sempre se descobre novas sutilezas e riquezas a cada “Tenda do Conto”, nunca será demais ouvir sobre a história desse trabalho e das vivências que na Tenda se renovam e se atualizam, continuamente. Assim da apresentação de Jacqueline neste CaféNesc destaco a força simbólica da cadeira de balanço original que compôs o cenário desde o início, e que mostra-se tão significativa para seus autores, e da qual Jacqueline refere como  “a cadeira de balanço que acende a chama da memória” … e penso eu: tal quanto, ou até bem mais eficaz que o divã de Freud !!!  E Jacqueline conclui, “cada história trás o poder de nos religar ao universo da alma humana”.
Jacqueline e Meine desenvolveram suas pesquisas de mestrado a partir do cotidiano de trabalhadoras do SUS que são, como Enfermeiras na ESF. Rosana Vilar, também Enfermeira é professora da UFRN e foi sua, a primeira apresentação da noite, mas deixo aqui por fim, pois penso que escreverei mais algumas reflexões a partir do seu trabalho, além deste Post, uma vez que encontrei similaridades acerca das contribuições que várias linhas teóricas da Sociologia desenvolvem e se reconhecem em algum momento, diante dos modos de fazer cotidianos que permeiam o cuidado e a atenção à saúde em meio às tantas dificuldades, diversidades, cumplicidades de grupalidades que se fortalecem a partir da criatividade e responsabilidades compartilhadas. Eu mesma tenho trabalhado com a Sociologia do presente, ou Sociologia filosófica de Michel Maffesoli; já a professora Rosana Vilar trabalhou a Saúde da Família, a partir do olhar do Sociólogo português Boaventura de Souza Santos, em sua teoria da cartografia simbólica das representações sociais. Nesse sentido Rosana desenvolveu suas idéias, que vimos concretizadas e refletidas nas práticas cotidianas e nos diferentes modos de fazer, relatados por Jacqueline e Meine quando se dá o protagonismo dos sujeitos- trabalhadores e usuários juntos. Nos fala então esta autora acerca da ecologia dos saberes, a instituição de subjetividades rebeldes que fomentam mudanças, e a relação destas noções do sociólogo Boaventura  “com as formas como se dá a capilarização da PNH nos espaços institucionais, e a ampliação das experiências exitosas”, na atenção à saúde, como “potencialidades emergentes que tendem a ser disseminadas”.
Vou concluindo com esta breve apresentação do que foi o agradável e rico CaféNESC de 28/10/2009, o primeiro de muitos posts que pretendo escrever semanalmente (pretendo, e espero conseguir tempo para concretizar) relacionando a PNH com transdisciplinaridades e vários temas; começando por linhas teóricas da Sociologia, e a partir do dia 18 trazendo um pouco da minha dissertação também, que trás como tema uma abordagem de cuidado em grupalidade na atenção primária em saúde mental, nos espaços comunitários, nas ruas, no devir fazendo surgir os “Acolhimentos do devir” que aprendi como psicóloga, com o cotidiano das Agentes Comunitárias de Saúde em seus vínculos com as pessoas da comunidade/usuários do SUS.
Mas enquanto o dia 17 não passa, e o dia 18 não chega, encontrei na programação do IX Congresso de Saúde Coletiva (virtual) uma comunicação coordenada que fala acerca do “lugar e papel do cientista social nas equipes interdisciplinares em saúde mental”… “com vistas ao desenvolvimento de práticas inovadoras”… Bem este é um aspecto interessante, mas se tomarmos como base as inúmeras práticas inovadoras já existentes, e que se renovam e recriam nos pomares do SUS e de algumas Unidades integralizadas com espaços da comunidade, este cientista social parece já ter vida própria na alma, na pele, no coração e no “trabalho vivo em ato” de Jacquelines-Lourdinhas-Alexandres-Maines- forjados que são os trabalhadores do SUS implicados, em uma natural transdisciplinaridade a qual, esta, como bem afirmou Eduardo Passos, vem promover então a desconstrução de conceitos e de linhas demarcatórias de saberes, promovendo então novas reconfigurações de conceitos que tendem a recriarem-se, a partir do húmus do SUS que amadurece, resistente, criativo e com vida própria, apesar dos muitos que por diferentes motivos não queiram ver ! – O húmus do SUS? – o olhar atento e sensível às sutilezas, próprio da HumanizaSUS; e coragem, com um pouco de loucura apaixonada ! Loucura temperada pela transdisciplinaridade, onde as delimitações se diluem no aprendizado da vida de relações afetuais, no aprendizado do cotidiano comunitário, e nas nossas vozes.