Antitabagismo: alguma variação

12 votos

Não é segredo que muitos ideais sanitários guardam de berço certo ethos normativista, algo que eventualmente os colocam em rota direta com inúmeros conflitos e polêmicas. O chamado “antitabagismo”, por exemplo, cuja força tem se insinuado agora através da própria letra da lei, é, sob esse aspecto, apenas mais um caso. Sem querer estimular aqui qualquer espécie de Fla X Flu sobre a questão, gostaria de compartilhar, contudo, um breve artigo que li recentemente do Prof. Luiz Antonio de Castro Santos. Publicado na Revista do Idec, número 135 (edição de agosto), o texto é uma pequena súmula sobre a complexa equação social que envolve o tema. E um bom exemplo de que, em meio a todo esse cerco ao fumante, quem mais pode estar perdendo o fôlego é a própria saúde do debate!

Segue abaixo o respectivo texto:

Os novos leprosos

A imprensa irá repercutir por muito tempo a vitória do antitabagismo paulista. A sensata delimitação de áreas para fumantes e não fumantes deu lugar à anulação de espaços de convivência entre corpos "saudáveis" e corpos "perigosos". Como os leprosos de outros tempos, os fumantes não tiveram como se defender do apartheid sanitário.

Os movimentos antitabagistas fazem um download dos preceitos norte-americanos. Incapazes de controlar o narcotráfico e suas raízes profundas no tecido social, norte e sul-americanos voltam-se para alvos mais fáceis de eliminar e acendem, na população, sentimentos e atitudes de estigma e intolerância. Nos tempos de Oswaldo Cruz, as campanhas de vacinação obrigatórias no Rio de Janeiro foram muito criticadas, mas eram tapinhas de luva de pelica, perto das medidas repressivas atuais. Mesmo a lei seca é menos draconiana, pois não impede que se tome uma carraspana, diante de alternativas como o uso do táxi.

As alianças e movimentos contra o tabaco demonizam a indústria de cigarros, mas há má-fé de ambos os lados. Nas TVs, um vídeo tendencioso reproduz o cenário atípico de um restaurante com péssimo sistema de ventilação, como se não houvesse alternativas para o escoamento da fumaça. Há expedientes tecnicamente viáveis. Mais ainda, se a área dos fumantes fosse de autosserviço, os garçons, sujeitos ao "fumo passivo", não ficariam expostos a eventuais riscos.

A própria noção de fumo passivo é cientificamente discutível. Em primeiro lugar, os resultados das pesquisas da epidemiologia não são experimentais, pois não é ética a condução de testes com humanos. Em segundo lugar, quando as pesquisas apontam para os riscos de uma mãe fumar ao lado de seu filho ou de colegas de trabalho em ambientes sem ventilação adequada, são situações de exposição prolongada. Não é o caso dos restaurantes e bares – territórios de congraçamento "de tempo parcial".

O fumo compulsivo faz mal à saúde, mas para certas doenças – listadas pela literatura médica inglesa, a exemplo do mal de Parkinson – o consumo reduzido de tabaco parece ter efeitos benéficos. Mas quantos cigarros? Não há pesquisas conclusivas. A propaganda afiança que não há níveis seguros. Mas, ao fumante que "ritualiza" e controla seu consumo após o café, o almoço etc. é possível reduzir à terça parte a quota diária de quinze cigarros, atribuída pela literatura ao fumante "leve".

Em nossos dias, a epidemiologia visa, no limite, a saúde perfeita. A sociologia volta-se para a defesa dos rituais de solidariedade social, para a manutenção de laços grupais que o fumar, desde nossos tupinambás, sempre estimulou. O horizonte da sociologia é a saúde possível, não a saúde "perfeita". Ao sociólogo cabe estabelecer limites razoáveis para a medicalização do espaço público, que não conduza ao estigma e à intolerância. Há muito as alianças contra o tabaco transpuseram tais limites com exortações absurdas à "denúncia" dos fumantes. Os males do fumo pedem a educação para a saúde e a prevenção, mas não autorizam uma estratégia social de polícia de costumes.

Luiz Antonio de Castro Santos
Sociólogo, PhD pela Universidade de Harvard e professor associado do Instituto de Medicina Social da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro.