Acolhimento e Classificação de Risco nos Serviços de Urgência

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Trabalhar com saúde implica em nos comprometermos em várias dimensões desse cenário, tais como, prevenção, cuidados, proteção, tratamento, recuperação, promoção, enfim, se comprometer com tudo que envolva a produção da saúde. Buscando sempre a garantia do direito à saúde e a defesa da vida.
Quando observamos o percurso da construção do SUS, observamos avanços interessantes com surgimento de novas questões, demandando outras respostas e evoluções, porém também ainda percebemos muitos entraves e desafios que persistem, nos alertando para a grande necessidade de aperfeiçoamento desse sistema. Um desses grandes desafios é a prática de acolhida dos usuários e aos próprios servidores de saúde nesse cenário, e é sobre essa temática que iremos nos debruçar nesse texto, uma temática envolvendo acolhimento especificamente aos serviços de urgência.
O acolhimento é não só uma postura de atuação dentro desse serviço, mas uma prática nas ações de atenção e gestão nas unidades de saúde, salientando a importância de se trabalhar essas duas vertentes – atenção e gestão – favorecendo com isso, um processo de construção de confiança e compromisso nas relações de trabalho.
  Seria importante salientarmos os desafios que hoje a proposta de acolhimento aos serviços de urgência tem enfrentado no atendimento em saúde: superlotação, processo de trabalho fragmentado, conflitos e assimetrias de poder, exclusão dos usuários na porta de entrada, desrespeito aos direitos dos usuários, pouca articulação com o restante da rede de serviços, entre outros; e com isso, repensarmos essa prática na tentativa de se criar novas formas de atuação, buscando e favorecendo uma atenção resolutiva, humanizada e acolhedora inserindo-os nesses serviços de urgência, tão necessitados desse novo olhar.
A mudança de postura e a busca desse novo olhar no tratamento nos serviços de urgência, envolvem três atores necessários e imprescindíveis nesse cenário, sendo eles, o usuário, o servidor e o gestor, uma tríplice aliança necessária para promover essa mudança.
Faz-se necessário entender que é importante compreender o acolhimento como um todo, e não como atitudes fragmentadas, e sim como uma articulação com as várias diretrizes propostas para as mudanças nos processos de trabalho e gestão dos serviços, tais como, a clínica ampliada, cogestão, ambiência, valorização do trabalho em saúde, dentre outros. Pensar o acolhimento como tradicionalmente se faz, torna-se uma percepção equivocada do verdadeiro sentido de acolhimento proposto pelo Sistema Único de Saúde, pois quando tomadas separadamente dos processos de trabalho em saúde, acabam reduzindo o acolhimento a uma ação pontual, isolada e descomprometida com os processos de responsabilização e produção de vínculo. O acolhimento não tem e não deve ser uma prestação de favores com o usuário, como se é entendido e praticado em muitos momentos dentro dos serviços.
O termo acolhimento traduz várias coisas e possui vários sentidos, porém o que mais me chama a atenção é que a prática do acolhimento baseia-se numa atitude de inclusão, de estar em relação com algo ou alguém. Significa também uma aproximação, uma preocupação, uma prática e uma busca diária por empatia para com o outro, para com o usuário e seus próprios colegas de trabalho. E assim, buscamos aproximar e firmar o acolhimento como uma das diretrizes de maior relevância da política nacional da humanização da atenção e gestão do SUS.
Buscar uma reflexão sobre o  restabelecimento no cotidiano das práticas de saúde, tomando como exemplo, o princípio da universalidade/equidade para o acesso e a responsabilização das instâncias públicas pela saúde dos cidadãos, se faz necessário para uma melhor constituição de vínculos solidários entre os profissionais e usuários, embasando-se na construção coletiva de estratégias que consigam promover mudanças nas práticas desses serviços, tomando como princípio ético a defesa e afirmação de uma vida digna de ser vivida. Porém, essa construção requer, o envolvimento das três esferas de governo – municipal, estadual e federal – e a articulação entre os trabalhadores de saúde, os gestores, a sociedade civil e as instâncias de participação e de controle social do SUS em cada contexto.
Como podemos perceber o acolhimento é um dispositivo de intervenção necessário, porém difícil de ser instituído como por envolver vários protagonistas nesse cenário, mudando as relações profissional/usuário/rede social e profissional, por meio de parâmetros éticos, humanitários e de solidariedade, reconhecendo o usuário como sujeito participativo e ativo no processo de produção da saúde, pois se não houver uma co-participação do usuário nesse processo, o estabelecimento da implantação do acolhimento tona-se ainda mais difícil. O acolhimento tem a ver com postura, com visão, com crença, com vontade de realmente fazer acontecer, de acreditar no valor de suas ações enquanto profissional de saúde, tornando claro que o acolhimento tão preconizado pela política nacional de humanização não é um espaço ou local, mas sim uma postura ética, uma necessidade humana mesmo de colocar no lugar do outro e de buscar as melhores maneiras de tornar esse processo do adoecer o menos incômodo possível para esse usuário que já apresenta uma fragilidade notória na busca de resolutividade para seu problema/doença.
Quando pensamos em acolhimento de acordo com a proposta da política nacional de humanização e instituído pelo SUS, percebemos que há um leque muito grande de direcionamentos e atuação dessa proposta que envolve não só a escuta, a resolutividade, responsabilização e orientação ao usuário e sua família, e sim fazer desse acolhimento, uma continuidade da assistência em outros serviços, estabelecendo articulações com esses serviços garantindo com isso, a eficácia desses encaminhamentos. É um acolher com a intenção e o compromisso de resolver os problemas de saúde das pessoas que procuram uma unidade de urgência, colocando uma rede multidisciplinar de compromisso coletivo referente a essa busca de resolução. Assim, o acolhimento deixa de ser um ato isolado para ser um dispositivo de acionamento de redes internas, externas e multidisciplinares.
A classificação de  risco é uma das ferramentas propostas na busca por melhor atendimento e acolhimento mais humanizado dentro dos serviços de saúde das urgências, vendo o paciente/usuário como sujeito, um sujeito que possui vários aspectos não só o da doença, e sim também o psicológico e emocional. Essa ferramenta promove várias mudanças e nuances, organiza a fila de espera propondo ordem nos atendimentos, que não a ordem de chegada como até então estávamos acostumados e que geravam muitas vezes conflitos entre os usuários e profissionais de saúde na busca de um entendimento sobre espera em casos mais graves que outros, por exemplo.
Todos os profissionais de saúde precisam fazer acolhimento, porém nas urgências, nas chamadas “portas de entrada”, faz-se necessário um grupo de profissionais de saúde preparados para promover o primeiro contato com o usuário, identificando com isso, sua demanda, orientando-o quanto aos fluxos internos do serviço e quanto ao funcionamento da rede de saúde do local. Essa ferramenta não só organiza a fila de espera, como organiza o atendimento imediato do usuário com grau de risco elevado; promover o trabalho em equipe por meio da avaliação contínua do processo; dar melhores condições de trabalho para os profissionais pela discussão da ambiência e implantação do cuidado horizontalizado; aumentar a satisfação dos usuários e, principalmente, possibilitar e instigar a pactuação e a construção de redes internas e externas de atendimento. O acolhimento com classificação de risco, pode ser considerada como uma intervenção potencialmente decisiva, pois extrapola o espaço de gestão local afirmando, no cotidiano das práticas em saúde, a coexistência das macro e micropolíticas.
O acolhimento e a classificação de risco, se organiza nos espaços por eixos e áreas que evidenciam o nível de risco dos pacientes/usuários. A proposta do desenho se desenvolve em pelo menos dois eixos significativos: o do paciente grave (com risco de morte), que chamou-se de eixo vermelho, e o do paciente aparentemente não grave, mas que necessita do atendimento de urgência, que chamou-se de eixo azul. Cada eixo possui diferentes áreas, de acordo com a clínica do paciente e os processos de trabalho que nele se estabelecem, onde essa identificação também define a composição espacial por dois acessos diferentes. Se faz interessante que nos detenhamos em falar um pouco sobre esses eixos e suas áreas. O Eixo Vermelho está composto por três áreas, sendo elas, a área vermelha, amarela e verde. A área vermelha, está localizada a sala de emergência, para atendimento imediato dos pacientes com risco de morte, e a sala de procedimentos invasivos; A área amarela, é composta por uma sala de retaguarda para pacientes já estabilizados, porém que ainda precisam de cuidados especiais; A área verde por sua vez, é composta por salas de observação, divididas por sexo e idade, dependendo da demanda. Importante salientar, que a permanência dos pacientes nas áreas amarelas e verdes, torna-se maior do que na área vermelha, por isso é de grande importância a adequação desses espaços e de sua funcionalidade; sendo também importante na área vermelha apesar da permanência ser menor. O ambiente precisa ser o mais confortável e acolhedor possível, fazendo uma observação maior para os postos de enfermagem que precisa estar em um espaço estratégico, com uma boa visibilidade de todos os leitos e que as áreas de apoio dos profissionais, como conforto, copa, dentre outros, sejam localizadas nas proximidades da área de trabalho. O Eixo Azul é o eixo dos pacientes aparentemente não graves. Onde o espaço também deve favorecer ao colhimento do usuário e da classificação de risco. Esse eixo também é composto por pelo menos três planos de atendimento. São eles: Plano 1- a diretriz principal nesse plano é o acolhimento, onde se pressupõe a criação de espaços de encontros entre os sujeitos, que envolvem escuta, recepção, espera, classificação de risco e atendimento administrativo. Plano 2- refere-se a área de atendimento médico, lugar onde os consultórios devem ser planejados de modo que facilitem e permitam a presença do acompanhante, assim como, a individualidade do paciente. Plano 3- corresponde as áreas de procedimentos médicos e de enfermagem. Importante que essas áreas estejam próximas aos consultórios e serviços de imagem, favorecendo o trabalho em equipe. Importante também lembrar que nesses momentos o acompanhante poderá estar presente em todos os momentos, sendo necessário prever espaços internos para espera tanto para eles como para os próprios usuários que aguardam diagnósticos e reavaliações.
Pensar em Acolhimento com classificação de risco, envolve pensar em uma equipe multidisciplinar que precisa estar envolvida nesse processo que vai desde a porta de entrada até a ambiência, e para isso, vários profissionais estão e precisam estar envolvidos nesse cenário, desde os assistentes administrativos, técnicos, médicos, arquitetos, engenheiros, gestores e os próprios usuários. A classificação de risco necessita da atuação desses profissionais e do entendimento de que cada um precisa está inserido e consciente do seu papel dentro desse contexto. Essa classificação foi desenvolvida por diversos protocolos, tendo como objetivo, agilizar o atendimento àqueles que necessitam de uma conduta imediata, sendo baseada na avaliação primária do paciente, onde essa avaliação é realizada por um profissional de enfermagem de nível superior. Esse protocolo de classificação de risco é uma ferramenta muito útil e necessária, porém não suficiente, pois o usuário/paciente também traz uma carga subjetiva, como aspectos afetivos, sociais, culturais cuja compreensão é fundamental para uma melhor avaliação de risco e da vulnerabilidade de cada paciente que procura o serviço de urgência.
O repensar constante dessa atuação dos profissionais é imprescindível para uma maior assertividade nessa atuação, a elaboração e análise do fluxograma de atendimento, identificando os pontos onde se concentram os problemas, ajuda a promover uma necessária reflexão sobre esse processo. Essa ferramenta é útil, pois vai se fazer um desenho dos fluxos percorridos pelos usuários, das entradas nos processos, das etapas percorridas, das saídas e dos resultados alcançados, identificando com isso, a cada etapa os problemas ou não do funcionamento. Uma outra ferramenta importante é a análise de casos que ilustrem os modos de funcionamento do serviço, ambos promovem uma reflexão da equipe sobre como se dar esse trabalho no cotidiano. Porém, uma ferramenta que acredito ser essencial para uma boa e assertiva classificação de risco é a comunicação, a orientação de como se dá o atendimento ao se buscar os serviços de saúde nas urgências. O usuário precisa está ciente do processo, das mudanças e do fluxo que precisa seguir, para que assim ele possa fazer parte desse cenário como protagonista ativo e não passivo de sua doença. Considerar que o acolhimento com classificação de risco é um dispositivo de melhoria da qualidade dos serviços de urgência e não uma situação injusta como ainda acontece atualmente, por se está acostumado com a forma anterior de se fazer o atendimento nesses serviços, onde a ordem de chegada era considerada fator principal para o atendimento, é de grande importância para se instigar ainda mais essas mudanças qualitativas nos serviços do Sistema Único de Saúde, especialmente no que se refere a este dispositivo.