Autismo e Síndrome de Asperger – como compreender e agir

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Por Hérica Rocha – Acadêmica de Jornalismo do CEULP/ULBRA

O Autismo e a síndrome de Asperger são os mais conhecidos entre os transtornos invasivos do desenvolvimento das habilidades sociais e comunicativas do indivíduo. Em entrevista ao Portal (En)cena, a psicóloga Lauriane dos Santos Moreira explica detalhadamente as principais característica destes transtornos, bem como as formas de tratamento e outras orientações.

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(En)Cena – O que é o Autismo e a Síndrome de Asperger?

Lauriane Moreira – Autismo e Asperger até pouco tempo atrás faziam parte dos chamados Transtornos Globais do Desenvolvimento, o que abarcava outras problemáticas como Transtorno de Rett, por exemplo, tendo como elo unificador problemas na comunicação, interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento. Em 2013, com a publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V (DSM V) pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), asperger e autismo deixaram de ser considerados transtornos distintos para comporem o que atualmente se chama de Transtorno do Espectro Autista (TEA), com níveis variados de gravidade. Apesar da mudança de nomenclatura pelo referido manual de classificação, os sintomas permanecem como antes, mas foram agrupados de modo que, ao invés de três características básicas, agora temos duas: problemas de interação social, essa permeada pela comunicação e os problemas acerca de comportamentos repetitivos e estereotipados.

(En)Cena – Em que idade estes transtornos costumam se manifestar?

Lauriane Moreira – Em geral os sintomas aparecem nos primeiros anos de vida, antes dos cinco anos de idade. Uma criança precisa comunicar-se, interagir socialmente e aprender uma série de comportamentos para se desenvolver de modo integral e, quando estamos lidando com uma criança que apresenta dificuldades bem marcadas nessas áreas, logo seu desenvolvimento fica prejudicado e os pais e/ou cuidadores costumam perceber isso bem cedo. Por exemplo, o costumeiro interesse de crianças de um ou dois anos de idade de explorar o ambiente e buscar a atenção das outras pessoas para brincadeiras ocorre sumariamente em algumas formas do espectro autista, em especial as mais graves, com uma tendência a preferir ficar sozinha e em locais com pouca estimulação sensorial.

 

(En)Cena – Quais as suas principais características?

Lauriane Moreira – Como já citado, as pessoas com autismo tem dificuldade em interagir com outras pessoas e em comunicar-se. Contudo, esse primeiro conjunto de sintomas não pode ser confundido com timidez ou fobia social. Nos graus variados em que o espectro se apresenta, temos desde pessoas que ignoram a presença dos outros, tratando-os como se fossem objetos, até casos em que a pessoa costuma se comunicar, mas com extrema dificuldade em compreender as regras sociais e o uso simbólico da linguagem. No que se refere aos comportamentos repetitivos, fixos e estereotipados, notamos nessas pessoas uma rigidez na rotina e interesses incomuns, como passar demasiado tempo olhando para um ventilador ligado. Além disso, muitos casos apresentam ecolalia e hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Importante lembrar que é comum também verificar a existência de retardo mental associado, costumeiramente com alterações neurológicas, mas não são todos os casos.

(En)Cena – Como é feito o diagnóstico?

Lauriane Moreira – O diagnóstico é feito de forma multidisciplinar, em geral por psicólogo, psiquiatra, pediatra e neurologista, e tem cunho clínico, ou seja, é a partir da presença dos sintomas citados acima que se confirmará o transtorno do espectro autista, já que os exames de imagem e laboratoriais não mostram nenhum padrão que esteja presente em todos os casos. No entanto, tais exames costumam ser feitos para descartar outros diagnósticos prováveis, então sempre são requeridos. Obviamente, o diagnóstico deve ser rigoroso porque muitas crianças apresentam ao longo do seu desenvolvimento dificuldades em alguma das esferas citadas, o que é comum e esperado, então, somente um profissional da área tem condições de avaliar o caso, tendo em vista, por exemplo, a intensidade dos sintomas, desde quando eles estão presentes e a forma como afeta a rotina da criança e daqueles que com ela convivem.

 

(En)Cena – E quanto ao tratamento? Como ele deve ocorrer?

Lauriane Moreira – As terapias tradicionais direcionadas ao TEA tinham como objetivo eliminação ou redução de comportamentos inapropriados, seja via psicoterapia ou medicação. Atualmente, elas buscam também, e principalmente, ensinar novas habilidades para promover certo grau de independência e controle do ambiente pelo autista. Por exemplo, temos o Método TEACCH (da sigla em inglês, Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação), que é uma estratégia de educação individual em que, a partir de uma série de imagens, ensinam-se tarefas como usar o banheiro, alimentar-se, vestir-se, além de outras mais complexas como leitura e escrita, objetivando a organização do cotidiano dentro da realidade do autista e de sua família.

Outro método, elaborado por analistas do comportamento, é o chamado ABA (da sigla em inglês, Análise Comportamental Aplicada), que visa diminuir a frequência de comportamentos inapropriados ao mesmo tempo em que ensina novos comportamentos, a partir das especificidades, necessidades e interesses da pessoa com TEA e daqueles que convivem com ela. Além desses, as psicoterapias de um modo geral tem sido amplamente utilizadas nesses casos, com diferentes técnicas. Alguns casos, em especial aqueles que apresentam problemas neurológicos, costumam se valer de terapia medicamentosa. Além disso, a área da educação tem trabalhos excelentes na alfabetização de autistas, no entanto, ainda são experiências tímidas já que as escolas, em geral, carecem de profissionais que compreendam essa condição e as necessidades específicas que apresentam.                                                                                                                                        

(En)Cena – Quais os principais cuidados que a família deve ter em relação ao acompanhamento  em casa de um paciente em tratamento?

Lauriane Moreira – A família tem papel fundamental no tratamento de pessoas com TEA. Quanto antes a criança receber o diagnóstico, melhor prognóstico terá, e isso só é possível se os familiares forem observadores e buscarem um profissional logo que notarem algum dos sintomas. Algumas famílias, mesmo percebendo que há características pouco comuns na sua criança, esquivam-se de procurar um profissional por receio do diagnóstico. Outras, a qualquer sinal de comportamento não esperado, preocupam-se demasiadamente e buscam ajuda. A orientação é que, em caso de dúvida, não hesite em realizar uma consulta, seja para iniciar o tratamento, seja para livrar-se da preocupação.

Outro ponto importante é que, caso seja confirmado o TEA, a família deve informar-se sobre as características dessa condição para saber como lidar, pois não se trata de um, mas de vários problemas que a família precisa mediar, e desconhecendo o transtorno ficaria mais difícil. No entanto, a educação e o tratamento são possíveis, devendo a família auxiliar a “equipar” seu filho para conviver na sociedade e desfrutar de seus direitos, como educação, saúde e lazer.

 

(En)Cena – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos pacientes em seu convívio social?

Lauriane Moreira – Um dos principais sintomas do TEA é justamente a dificuldade no convívio social. Tal dificuldade permeia inclusive a relação com pessoas do seu ciclo doméstico, como pais e irmãos, podendo ser desde uma postura de total indiferença à simples dificuldade em manter contato visual. Nesse ínterim, uma série de situações podem ser listadas, como resistir ao contato físico, não se misturar com outras pessoas, tratar os outros como ferramentas, apresentar risos e movimentos “inapropriados” ou descontextualizados, agir como se fosse surdo, dentre outras características. Por exemplo, estudar numa sala de aula com 30 alunos pode ser uma situação suportada com muito sofrimento por pessoas com TEA. Pela dificuldade em compreender regras sociais e realizar abstração, o convívio social precisa ser mediado por outra pessoa que lhe ensine como se portar de modo o mais prático e concreto possível.

 

(En)Cena – As síndromes acompanham o paciente ao longo de sua vida sendo remediada, ou há uma cura definitiva?

Lauriane Moreira – A literatura não aponta casos de “cura” do TEA, até porque não se sabe ainda o que gera essa condição. Muitas teorias foram desenvolvidas ao longo de pouco mais de 60 anos em que o autismo tem sido estudado com mais afinco, desde que o médico austríaco Kanner em 1944 divulgou estudo realizado com onze crianças que apresentavam os sintomas de TEA. No entanto, apesar de não conhecermos casos de “cura”, existem muitos relatos de desenvolvimento importante, como o de Temple Grandi, americana que foi educada formalmente, sendo PhD em zootecnia. Ela relata que ainda tem dificuldade em olhar nos olhos dos outros, mas compreendeu como o mundo funciona e não se sente mais como um “E.T.” num planeta desconhecido.

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A história de Grandi é um exemplo de TEA que foi diagnosticado e tratado desde muito cedo, mostrando que avanços enormes podem ser atingidos, como proporcionar independência. Casos de TEA com retardo mental grave associado são mais complicados, mas ainda assim possíveis de serem tratados com alcance de melhorias, em especial se a estratégia for interdisciplinar e com apoio e cuidado da família.

Para ler a entrevista na integra acesse o portal (En)Cena.