Conduta Discriminatória: tentativa de conceituação motiva correspondência entre psiquiatras.

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Telmo Kiguel

Médico psiquiatra

Psicoterapeuta.

 

Caro Telmo.

Obrigado pelos teus comentários sobre meu artigo na ZH de 5/4/14.

https://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4466577.xml&template=3898.dwt&edition=24052&section=1012

Foste o responsável por ele (aliás como és pelo “tamanho do progresso publicado sobre o assunto”). Como idealizador e condutor do ‘Projeto Discriminação’ (ABP, 2007), solicitaste minha colaboração numa Mesa Redonda sobre o tema. Estudei e elaborei um trabalho, mas como a Mesa não saiu, não se concretizou minha contribuição.

O artigo teve essa intenção. Deu trabalho, pois o espaço era restrito. Mas deu para colocar os pontos psíquicos essenciais da Conduta Discriminatória e do teu Projeto. A começar por Freud, que foi o 1º a perceber e publicar tais aspectos: agressão narcisista/apocalíptica e a ‘denúncia’ da mesma como forma de inibi-la (fez o mesmo em relação ao suicídio e histeria).

Para finalizar (este e minha colaboração com teu Projeto, pois novos compromissos me chamam), eis, abaixo, outra solicitação tua (formular um conceito para CD):

CD: Ato maldoso e agressivo pelo qual o sujeito atua fantasias de destruição da totalidade dos outros com vistas a um mundo narcisista pleno.

Parabéns pelo Projeto e pela condução, estimulando colegas, trabalhos e instituições a se voltarem para o (grave) problema.

Caso tu consigas certa inserção governamental para o Projeto, além da psiquiátrica, acredito que terás melhores condições de desenvolvê-lo.

Um abraço do

Mabilde.

 

Mabilde

A tua sensibilidade e engajamento ajudarão a atenuar a repetição/manutenção do “grave problema” da Conduta Discriminatória.

E, possivemente, motivarão outros colegas a se interessarem pelo tema.

Freud foi, sem dúvida, um dos grandes inspiradores para pensarmos e desenvolvermos estas idéias.

O Projeto Discriminação tem como objetivo básico a criação de uma terceira instância inibitória da CD.

Gostei muito quando usastes, no artigo citado acima, a expressão “o homem é o lobo do homem”.

Cujo significado, em termos individuais, equivale a uma outra, mais ampla, de Freud.

“Todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização”.

Será que estas duas expressões ajudarão a pensar/ampliar/traduzir o conceito que sugeristes p. a CD?

O discriminador é o lobo do homem e inimigo da civilização?

Abraço

Telmo

 

Telmo

Em ‘“O mal-estar na civilização”, Freud (1930) culmina longo estudo sobre:

(1) o irremediável antagonismo entre nossos desejos e as restrições da civilização;

(2) agressão ou destruição.

Freud, então, afirma que a repressão contra os nossos desejos é o mais poderoso fator interno a favor da civilização, no que é auxiliada pela possibilidade do homem de descarregar agressão em atividades socialmente aceitas.

Quanto aos fatores externos, ele destaca os papéis decisivos de contemplar necessidades e amor como pilares da civilização. Em contraposição, por impedirem ou constrangerem o ser humano de gratificar, indistintamente, seus desejos, a cultura – como representante da repressão – é odiada por ele.

 

Em graus diferentes, portanto, todos odeiam a civilização, assim como todos discriminam uns aos outros. A questão da quantidade é, aqui, deveras importante, pois é a partir dela que as medidas inibitórias podem inicialmente agir.

 

No que se refere à inter-relação do discriminador com a civilização, é claro que as idéias apocalípticas do discriminador de existir uma só cultura (a dele) conduzem-no ao ódio contra as demais. Porém, se eu tivesse que escolher entre os dois outros fatores internos (sublimação e traços de caráter) responsáveis pelo maior ou menor equilíbrio entre civilidade X agressividade, diria ser o principal àquele relativo aos traços de caráter.

 

Basta pensarmos em líderes apocalípticos da história, tais como Mao Tsé-tung, Joseph Stalin, Adolf Hitler, Kublai Khan, Leopoldo II, Chang Kai-shek, Genghis Khan para melhor entendermos essa assertiva. Todos, sem exceção, exibiam  traços de caráter (paranóide, esquizóide, narcisista) dos mais regressivos e comprometedores para a personalidade.

 

Creio que a ideologia profunda  da mente – que abriga idéias patológicas de discriminação – seria produto desses traços, os quais, por sua vez, reforçam-na, num movimento dialético.  Nesse sentido, a CD seria mais ou menos destrutiva, conforme abriga traços de caráter mais ou menos patológicos.

Se quisermos introduzir a questão da agressão à civilização no conceito de CD, ficaria assim:

CD: Ato agressivo e contrário a civilização, pelo qual o sujeito atua fantasias apocalípticas de destruição, da totalidade dos outros, com vistas a um mundo narcisista pleno.

Um abraço do

Mabilde.

 

Luiz Carlos Mabilde

Médico psiquiatra.

Psicanalista

 

Telmo Kiguel

Médico psiquiatra

Psicoterapeuta

Reproduzido do blog Saúde Publica(da) ou não