Sobre a Morte e Morrer: a Visão Poética de Erasmo Ruiz

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É com alegria que compartilho com vocês a entrevista feita comigo pela galera do (EN)Cena. Falamos sobre nossa compreensão da tanatologia e outras coisas relacionadas, além da nossa fan page, a CARPE DIEM: SOBRE A MORTE E O MORRER (acesse aqui). Abaixo transcrevo o início da entrevista mais o link para acessar o restante na página do (En)Cena. 

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Sobre a morte e o morrer: a visão poética de Erasmo Ruiz

Por Nayara Cardoso
Acadêmica de Jornalismo do CEULP/ULBRA

“Talvez morrêssemos mais felizes se transformássemos a prática de nossas vidas na prosa poética de Mario Quintana: “Os outros meninos, um queria ser médico,outro pirata, Outro engenheiro, ou advogado, ou general. Eu queria ser um pajem medieval… Mas isso não é nada. Hoje eu queria ser uma coisa mais louca: eu queria ser eu mesmo!”.

Há quem diga que viver verdadeiramente é aproveitar cada dia como se fosse o último. Já outros afirmam que ter cautela em tudo o que se faz te levará a uma vida mais longa, partindo do pressuposto de que cada ser é único e individual, cabe a cada um se preparar para a única certeza da vida, a morte. Se para alguns falar de morte pode causar mal estar para outros gera empolgação e interesse.  Erasmo Ruiz tem 52 anos, é Psicólogo pela USP, Professor da Universidade Estadual do Ceará, Mestre e Doutor em Educação. Faz parte da equipe de editores cuidadores da Rede HumanizaSUS e criou a página no Facebook Carpe Diem: Sobre a morte e o morrer, onde ele trata com um toque poético, leve e descontraído a morte.

(En)Cena – Como surgiu a pagina Carpe Diem: Sobre a morte e o morrer e qual sua intenção com isso?

Erasmo Ruiz -Sempre brinco dizendo que meu interesse pela morte teve data marcada. Começou aos seis anos de idade quando meu avô morreu. Ele cumpria uma importante função afetiva em minha vida. Diante da sua morte, busquei sentidos para isso a partir de minha mãe. A maioria dos adultos se sente muito incomodada quando as crianças os questionam sobre a morte. Com minha mãe não foi diferente. Diante dos meus vários questionamentos, ela resolveu encerrar a conversa com a seguinte fala: “A morte é um sono do qual não acordamos mais”.  É fácil imaginar o sentido que uma criança pode dar a essa fala. Dos meus 6 aos 17 anos tive intensa dificuldade de dormir. Precisei fazer terapia para descobrir que isso era consequência do medo de morrer. Simbolicamente, ao dormir, eu acreditava que estava morrendo.

A maneira de se defender era tentar manter-se acordado a todo preço. Cedo meus pais perceberam que me rendimento escolar cai significativamente quando estudava pelas manhãs. Essa relação tensa com a morte precocemente motivou uma intensa curiosidade estética que se expressava pela literatura, arte, cinema e visões de mundo. Mas até 15 anos atrás, esse interesse não se refletia na pesquisa acadêmica. A morte de minha mãe, em intenso sofrimento e descontrole da dor, foi um outro fator que me acordou para essas questões. Não seria possível que as pessoas pudessem ter uma morte mais tranquila, tanto física quanto psiquicamente? Ao me defrontar com a literatura especializada logo percebi que na verdade a nossa cultura ocidental estava imersa no tabu da morte. Dela se evitava ao máximo falar e participar. Ficou famosa a expressão cunhada por Geoffrey Gorer, “The Pornography of Death”. Num ensaio homônimo, lançou a questão de que o tabu moderno não era mais o sexo e sim a morte que assumia em sua estética parâmetros similares a estética pornográfica.

O homem estava adquirindo uma relação desafetivada e higiênica com a morte o que leva ao afastamento de possibilidades de maior vivência individual e coletiva dos processos de morrer que gradualmente abandonam o espaço doméstico e público para se “esconder” nos hospitais. Se no passado havia uma “ars moriendi” (uma arte de morrer) que explicava aos indivíduos e grupos o sentido da vida a partir da experiência da morte, hoje não existe mais respostas coletivamente construídas para essa problemática existencial. Na maior parte das vezes, os indivíduos produzem a única resposta que aprenderam: afastamento repulsa e medo.  Neste sentido, considero-me hoje um psicólogo social e um educador para a morte. A expressão pode parecer “pomposa”, mas é fácil de se entender. Como antigos estóicos, acredito que devemos pensar e refletir sobre a morte como condição fundamental para uma vida bela e intensa. É ao pensar na morte como um fenômeno que nos diz respeito diretamente que temos a real dimensão da efemeridade da vida e do quanto momentos rotulados como banais são absolutamente únicos e preciosos.

Fazer uma fanpage em uma rede social é um dos passos nessas estratégias educativas. É uma possibilidade de aglutinar pessoas, profissionais, curiosos, enfim, seres humanos que perderam ou estão perdendo o recalque da morte e compreenderam que temos uma enorme tarefa adiante. Ao se pensar na morte, entre outras consequências, nos defrontamos com questões muito importantes no campo da saúde. Porexemplo, a necessidade da humanização do cuidado e de novos processos de trabalho que possam fazer efetivamente os indivíduos viverem suas vidas intensamente a até o fim, principalmente porque se sentem autônomos nas tomadas de decisão e estejam sem dor. Aqui estamos falando mais especificamente sobre os cuidados paliativos. Precisamos mudar nossa concepção sobre a morte que, com a biomedicina, passouaser vista como um “ponto”, um momento onde ela acontece de chofre.

A morte é um processo que está em nós desde o momento em que somos concebidos. Os cuidados paliativos assumem essa ideia, o que ajuda a destruir o abismo entre profissionais de saúde e pacientes, pois, nesse sentido, a morte deixa de ser uma “doença” e passa a ser um fenômeno que diz respeito a quem cuida e quem é cuidado. Assim, UTIs não são lugares para se morrer. Tratamentos obstinados são quase sempre fúteis pois só levam as pessoas a um sofrimento desmedido, aumentando o tempo de agonia sem contrapartida de qualidade de vida, o que se convenciona chamar de “Distanásia”. Desejamos que a “Carpe Diem” seja um dos elos dessa rede que vai sendo tecida, que ajude a mudar concepções sobre a morte e a maneira como pacientes no final da vida são cuidados, que faça com que as pessoas vivam o “Carpe Diem”, antigo lema romano que significa “aproveite o dia”, porque não sabemos quando iremos morrer.

Acesse o restante da entrevista AQUI