Entrevista – Capital estrangeiro na saúde: ter ou não ter?

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A polêmica sobre a necessidade de investimento na saúde e a abertura ao capital estrangeiro é antiga. No âmbito do debate, a preservação do Sistema Único de Saúde, de áreas estratégicas da saúde no Brasil, o direito à saúde, a relação de público x privado e a fiscalização. Recentemente, o assunto voltou à discussão com a aprovação da Medida Provisória 656 (MP 656) que versava sobre isenção fiscal para aerogeradores, mas passou a incluir outros tópicos, como a autorização para o capital estrangeiro investir na saúde.

Entre as emendas de deputados federais na MP 656, foram inseridos tópicos desconexos, como o refinanciamento de dívidas de times de futebol sem contrapartida, reajuste de Imposto de Renda e realinhamento de impostos sobre bebidas frias. A medida provisória, com esta mistura de assuntos, gerou protestos de diversas instituições, incluindo o manifesto de entidades do Movimento da Reforma Sanitária, contrário ao investimento estrangeiro na saúde.

A despeito da controvérsia, a medida foi sancionada em 19 de janeiro, por meio da Lei 13.097, trazendo modificações para Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde): no artigo 142, é permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde, sem restrições presentes na lei anterior.

Para a médica sanitarista Maria Angelica Borges dos Santos, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), a MP 656 trouxe um formato de abertura ao capital estrangeiro ainda mais radical do que as discussões que já corriam no Legislativo e uniu segmentos que possuíam prerrogativas de financiamento bem distintas e poderiam estar desunidos: “A grande sacada dos relatores para viabilizar a aprovação foi a abertura total do setor de serviços de saúde ao capital estrangeiro, sem distinção entre entidades com e sem fins de lucro”, explicou. Maria Angelica também criticou a aprovação da entrada de capital estrangeiro na saúde, no âmbito legislativo, sem debates nas instâncias decisórias do SUS, sem participação social.

De acordo com Maria Angelica, a MP 656 também não foi a primeira tentativa de aprovar o investimento estrangeiro na saúde. Como exemplo recente, a pesquisadora citou o Projeto de Lei (PL) 259, em 2009, que já tentava flexibilizar a entrada de capital estrangeiro, embora preservasse áreas de interesse da segurança nacional, tais quais transplantes, células tronco, quimio e radioterapia. Ao longo dos últimos anos, a saúde já vinha incorporando grandes grupos de investidores internacionais no setor privado, a exemplo do Grupo Carlyle (acionista da Qualicorp, um “fenômeno” empresarial de intermediação na saúde), da UnitedHealth e da compra de hospitais por grandes grupos privados da saúde.

A preocupação de pesquisadores, profissionais de saúde e dos representantes do Movimento da Reforma Sanitária é que a saúde possa se tornar um bem comerciável, limitando o acesso a quem tem dinheiro, com valorização de lucros em detrimento do Sistema Único de Saúde, público, universal, um direito conquistado de todos os cidadãos.

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