PNH e VER-SUS: Relato de experiências, em Alagoas.

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De 23 a 31 de janeiro de 2015 aconteceu em Alagoas o Projeto Estágios e Vivências na Realidade do Sistema Único de Saúde, o VER-SUS. As atividades ocorreram no município de Arapiraca, e contou com a participação de 30 estudantes na condição de viventes e uma comissão organizadora composta por 10 integrantes, que ficaram imersos durante todo o período, hospedados no campus da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Importante ressaltar que todos fomos viventes, pois cada dia promovia afetações coletivas. A Política Nacional de Humanização foi um dos eixos de discussões, e aqui pretendo expressar um pouco das minhas reflexões na função de facilitadora.

O Ver-Sus é um projeto financiado pelo Ministério da Saúde, em parceria com diversas entidades e instituições de saúde brasileiras, cujo objetivo é promover aos participantes experimentarem o cotidiano de trabalho das organizações e serviços de saúde, e assim formar trabalhadores para o SUS. Apesar das diversas dificuldades e imprevitos que tivemos, conseguimos superá-los e alcançar os objetivos. Buscamos construir toda vivência com base na co-gestão. Mas não foi simples…

Meu primeiro contato com a PNH foi há cerca de 1 ano, em que fui estagiária na função apoio institucional pela secretaria municipal de saúde de maceió, cidade onde resido.  Isto me fez perceber que nós multiplicadores da PNH estamos familiarizados com conceitos como gestão compartilhada, horizontalidade, transversalidade. Há quem já consiga operacionalizá-los, aparentemente, sem tanto esforço. Outros, como eu, compreendem que precisam abrir mão de muita auto valorização diante do outro. O ato da Escuta não é simples, acolher o que o outro expressa exige de nós muito mais que empatia, humildade e gentileza.

Durante toda construção do VER-SUS tomei como objetivo transformar esse "inominável" em atribuição de trabalho. Como ser facilitadora tomando o acolhimento e a critividade como instrumento de trabalho?

Fui facilitadora do eixo Humanização e Integralidade, que aconteceu no 4º dia de vivência. Até aqui, nós viventes e facilitadores, havíamos visitado serviços da atenção básica, da média e alta complexidade. Foi interessante perceber que ao chegar nessa discussão, não era um tema desconhecido. Havia confusão, principalmente em relação à palavra Humanização, que muitos atribuíram à condição de "ser gentil, educado e bondoso". Apesar disto, desde meus primeiros contatos com o HumanizaSUS, descobri o quanto as pessoas conhecem sobre modos democráticos e participativos, mas ainda assim há estranhamento quando se deparam com eles.

Nos primeiros dias ouvi frases como "o sus é bonito no papel, mas na realidade não é nada disso", ou "os profissionais precisam ser mais cobrados pra que trabalhem direito". Apesar de minha pouca experiência com a PNH sabia que muitos efeitos ainda seriam produzidos quando em contato com os trabalhadores e o que eles tinham pra dizer sobre seu dia-a-dia. Foi preciso não se angustiar, pois a aprendizagem se dava nos corredores compartilhando com os colegas, e sempre havia um que pensava contrário e provocasse reflexões.

A construção coletiva do contrato de convivência e a distribuição de atividades diárias por grupos permitiu que nos integrassemos a ponto de nos sentirmos responsáveis um pelos outros, de fazer-mos da  UNEAL nossa casa e nos sentir como em família. A PNH aponta que ao mesmo tempo em que os processos de saúde promovem modificações nas relações interpessoais, também interfere na subjetividade dos sujeitos. A vivência foi recheada de afetividade.

Quando foi sugerido que eu ficasse com o eixo Humanização e Integralidade, fiquei empolgada, e senti que tinha muito a contribuir. Achei que meus conhecimentos teóricos serviriam para construir a facilitação. Ledo engano. Inicialmente havia pensado em organizar minha apresentação em forma de slides, afinal teríamos a tarde inteira para "gastar" com o conteúdo, mas esse modo me incomodou e senti a necessidade de repensar a metodologia. A função facilitadora me fez quebrar muito a cabeça buscando formas de propiciar espaços de diálogos, em que os viventes pudessem fazer conexões entre as visitas aos serviços de saúde, sem perder de vista o que os cadernos da política propõem. E foi na forma mais simples que vislumbrei possibilidade de fluidez: utilizando palavras disparadoras e deixar a palavra circular.

Não me culpabilizo por diversas vezes cair nas armadilhas da verticalidade do saber, pois é importante reconhecer que o modelo de formação vigente tem tendência tecnicista. Novas metodologias estão sendo pensadas, ao mesmo tempo em que tem crescido os esforços em dar visibilidade as práticas exitosas que contrapõem a hegemonia dominante da ciência. Minha formação é em Psicologia, mas me sinto cada vez mais (de)formada, (trans)formada.

A plenária já era organizada em formato de Roda, o que nos forçava constantemente a pensar metodologias co-geridas. E a medida que os dias passavam percebíamos que os viventes se sentiam a vontade para sugerir modificações ou ideias novas, como por exemplo tentar negociar uma simples mudança nas refeições, ou mesmo contribuir com a construção das culturais temáticas. Diante de tantos atravessamentos, na "dinâmica da teia" já no final da vivência, uma colega disse "depois desse ver-sus eu me sinto apaixonada pelo sus e disposta a lutar por ele". Fui tocada profundamente e isto me fez perceber que o ver-sus havia sido "humanizado". Não podia haver melhor avaliação da vivência.

Este texto foi atravessado por muitos afetos meus. Gostaria de expressar minha sensação de alegria em perceber o quanto a Humanização esteve presente no VER-SUS mesmo sem, muitas vezes, nos darmos conta. Reafirmar que o SUS que dá certo além de promover relações mais colaborativas e ambientes saudáveis de trabalho, contribui com trabalhadores mais esperançosos e dispostos à militância. E é nisto que há cerca de um ano tenho alimentado minha fé.

Em uma das visitas uma enfermeira disse a seguinte frase: "Se eu disser que o SUS não dá certo estarei dizendo que eu não dou certo"...que me afeta como se fosse a primeira vez.

Eu sou SUS!

(Foto: Lailah Falcão, vivente ver-sus 2015.1)