Sobre sanitaristas, identidades e saúde pública: o que eu vou ser quando crescer?

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Joan Miró, movimentando e girando alguns pensamentos.

De um tempo pra cá venho pensando bastante sobre a graduação em saúde pública da USP (no qual sou aluno da primeira turma, com um pé para me formar). Fico pensando muito sobre o que é ser sanitarista, hoje, e aproveitando esse momento de insônia, após algumas leituras e reflexões que fiz decidi escrever aqui… Resolvi me colocar "em xeque" para abrir discussões sobre a minha formação, minha identidade sanitarista. 

Não sei se pode ser importante escrever por aqui, mas, minha iniciação científica é sobre a identidade profissional do sanitarista. Um tema que veio me corroendo desde o segundo ano da graduação, no ano seguinte resolvi "cientificar" meu desejo, acho que um pouco de angústia, necessidade de trabalhar com um tema que estava me incomodando. Também, não vou falar dos resultados da IC, acredito que não seja o momento para este texto.

Mas, se tem uma questão que me instiga bastante é essa: o que eu vou ser quando crescer? O sanitarista, historicamente (falo do papel político deste ator) foi um profissional de saúde pública que teve um papel importante na consolidação do SUS e da Saúde, cito, Sérgio Arouca, Oswaldo Cruz, Vital Brasil, Zilda Arns, Emílio Ribas, dentre outros com destaque para a saúde pública.

Pegando emprestado as palavras de uma publicação do Facebook do Conselho Estadual de Saúde de São Paulo (CES/SP) sobre o dia do sanitarista (02/jan), diz que o ‪sanitarista‬ é o profissional comprometido com o objetivo de melhorar e qualificar os serviços de ‪saúde‬ pública para maior efetividade. Algumas atividades do sanitarista consistem em analisar os problemas, categorizar por ordem de prioridades e propor soluções e alternativas com maior benefício à população.

Concordo com as palavras do CES/SP, mesmo assim, tal definição moldura o sanitarista do século 21, haja vista a complexidade da produção de saúde que está muito além de analisar, categorizar, qualificar, melhorar os serviços de saúde. Um dos autores que leio (Guattari e Deleuze) diz que os rizomas são princípios de conexão e de heterogeneidade, qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro. Sob esse ponto de vista, vejo o sanitarista como um profissional capaz de criar pontes e conexões com aquilo que possa fazer sentido para a saúde ou para si na gestão, na atenção, na promoção, no planejamento e em espaços fora do setor saúde.

Em uma publicação antiga (acho que foi um empurrão pra começar a pensar tanto sobre a formação do sanitarista), Ricardo Teixeira diz que o sanitarista é um "artesão de redes". Uma definição interessante (gosto muito) e que se aproxima de Deleuze e Guattari. Mas, ainda, sinto um certo vazio existencial sobre o que é ser sanitarista hoje, pra mim.

Pra que estou sendo formado? Por que? Para quem? Quem precisa de sanitarista?

Eu até posso responder essas perguntas por conta das minhas vivências fora da graduação (mesmo assim, quero fazer deste texto uma carta aberta sem vícios e virtudes sobre o eu-sanitarista), mas, de trazer um debate com todos/as que possam ler essa síntese sobre a identidade de um “novo” profissional de saúde, embora o sanitarista ser um profissional bastante velho no campo da saúde e do SUS.

Acho que o meu incomodo maior não é nem com o que eu vou ser, mas o “obscurantismo” do sanitarista… parece que todos/as ficaram escondidos na academia em seus cursos de pós graduação ou se tornaram sanitaristas tecnocratas-institucionalizados (embora a graduação em saúde pública/saúde coletiva tenha uma proposta diferente, pode formar também burocratinhas ou gestorzinhos). Acho que o meu incomodo, talvez angústia, medo seja esse. Por mais que faça um curso de saúde pública, sei dos meus limites e possibilidades, e não vou ficar fazendo discurso de “gorilão” batendo no peito como eu fosse o novo super homem do SUS.

Quis me desterritorializar* com esse texto…

*(…)construímos um conceito de que gosto muito, o de desterritorialização. (…) precisamos às vezes inventar uma palavra bárbara para dar conta de uma noção com pretensão nova. A noção com pretensão nova é que não há território sem um vetor de saída do território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte. (Gilles Deleuze)

Por fim, (me) penso o sanitarista como um sujeito ético-estético-político. Ao contrário do sanitarista como sujeito biopolítico. Sanitarista é isso, […] fazer tabula rasa, partir ou repartir de zero […] partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar (já que Deleuze e Guattari está tão em alta para mim).