Crise: O Impasse Local e a Geopolítica.

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O conjunto de interesses que se acomodam em torno das instituições brasileiras é diverso e contraditório. Algo se assemelha muito a ordem inerente ao caos. Nenhum especialista é capaz de prever qual dos possíveis desfechos irá se tornar realidade nas próximas semanas. Somente um distanciamento histórico, de caráter geopolítico pode dar ordem ao expor os padrões recorrentes que dão forma a crise e a incerteza que vigora desde o início do governo Dilma.

É certo que a estagnação econômica atual é, em grande parte um dos efeitos da queda no preço do barril de petróleo no mercado internacional. Isso impede que as contas do governo possam seguir financiando os incentivos ao consumo das classes médias, em paralelo com uma tímida política de redistribuição de renda. O fato é que a arena onde o valor do barril do petróleo é definido, situa-se no oriente médio. Tem a ver com as guerras que se seguiram ao 11 de setembro de 2001 e com os efeitos da Primavera Árabe iniciada em 18 de dezembro de 2010.

Essas jogadas no tabuleiro da geopolítica internacional tem o longo prazo como horizonte. A queda do preço do petróleo no mercado internacional tem, entre outros focos, o objetivo estratégico de conter o chavismo na Venezuela e a exploração da camada pré sal no Brasil. Nossa crise de curtíssimo prazo tem, então, as marcas dos padrões históricos que de imediato parecem caóticos, mas se inserem no jogo das potências mundiais de longo prazo de acordo e com suas lógicas bastante específicas.

No cenário nacional, a reprovação das contas do governo em parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) na quarta-feira, dia 07 de outubro e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de investigar as contas de campanha de Dilma se somam ao conjunto das investigações da Operação Lava a Jato e Zelotes. As possibilidades em aberto para o impedimento da Presidente e/ou do Vice-presidente, da queda do Presidente do Congresso tem muitas consequências paralelas.

Uma muito especial é que qualquer político está sujeito a investigações que atingem os dignitários do poder legislativo e executivo. Pois, como disse Eduardo Cunha, é muito provável que depois de colocar em marcha o processo de impedimento de Dilma, ele seja o próximo a cair. O sistema político está em compasso de espera, imobilizado pela impossibilidade de um acordo que salve a todos. Esperam que as primeiras vítimas a caírem em desgraça possam destravar o sistema de acordos entre elites. Uma aposta limítrofe que flerta com a desgraça.

Um dos fatores que levaram a essa paralisia foi a combinação da disposição para investigar processar políticos e empresários, tanto da Polícia Federal, quanto do Ministério Público. Essa democratização do olhar investigativo para o topo da pirâmide social torna possível prever que a solução para a crise vá espelhar os limites históricos que são recorrentes. Haverá “bodes expiatórios” – um conjunto maior ou menor de punidos – e a encenação de um recomeço.

O Ministério Público e o Poder Judiciário não poderão processar e, muito menos, punir todos os agentes políticos e econômicos que instrumentalizaram o sistema eleitoral e tributário, para proveito próprio. Mas a essa altura, terão que apresentar resultados. A credibilidade do sistema que se consolidou a partir da constituição de 1988 está em jogo.

Um aspecto interno dessa crise é que ela dialoga com o fato de que os poderes responsáveis pela aplicação e respeito a norma constitucional trataram em primeiro lugar de garantir sua autoridade. E escolheram fazer isso a partir da equiparação de seus direitos e privilégios aos dos poderes executivos e legislativo.

Vivemos, então, a situação surreal de ver juízes e promotores do Ministério Público exigindo dos servidores da assistência social, educação e saúde o cumprimento de direitos individuais do cidadão que são violados por insuficiência de recursos e estrutura.

Ou seja, o financiamento a assistência social, saúde e educação é insuficiente. Primeiro por que o Brasil financia a proteção social nos países desenvolvidos através do cumprimento de suas obrigações com o mercado financeiro internacional. Mas, também porque o orçamento da união tem que arcar com o os custos de manutenção da máquina estatal, onde interesses corporativos e de mercado se encastelam para assegurar que a desigualdade social seja mantida.

Evidentemente que os servidores públicos de carreira, concursados (especialmente no Ministério Público, Judiciário e Tribunais de Conta) após a constituição de 1988 tem origem, majoritariamente nas classes médias altas. Buscaram no Estado o máximo rendimento e estabilidade que poderia advir do ensino privado a que tiveram acesso.

Essas instituições agem de forma corporativa, são articuladas politicamente e entendem sua função de guardiões da legitimidade e da ordem jurídica e social. Os magistrados e procuradores vivem num mundo a parte. O grande dilema é saber quantas viagens internacionais podem fazer ao ano em seus períodos de recesso e férias. Por outro lado, sofrem com profundos dilemas éticos. Um deles é terem de observar a degradação da sociedade que clama por justiça em seus palácios suntuosos.

O significado da operação Zelotes e da operação Lava a Jato responde a um conjunto de fatores que resumo da seguinte maneira:

– A angústia corporativa de uma parte dos operadores do direito;

– A velocidade como o fascismo e a violência vem naturalizando o genocídio contra adolescentes e jovens, especialmente negros e pardos em nossas periferias;

– A facilidade com que os Estados autoritários no oriente médio degeneram para a luta tribal;

– A forma como a corrupção e a violência se entrelaçaram no tecido social na Colômbia de Pablo Escobar, no México da “Narco Cultura”.

Esses quatro fatores assombram o imaginário de classe média alta e o inconsciente dos intelectuais e validadores de opinião em nosso país.

Vivemos esse modelo de moralidade que lembra a colisão entre os diferentes valores e crenças que caracterizam a fatalidade dos destinos nas tragédias gregas. O bem em suas variadas formas colide com o bem nesse tipo de impasse. É desejável aspirar mais liberdade. Do mesmo modo em que a ordem depende de equidade nas punições.

Temos tido alguma liberdade. Mas ao custo da submissão a muita iniquidade. Como vimos nos estados de anarquia no oriente médio, mais moralidade não significou mais liberdade. Apenas acrescentou mais violência às disputas sangrentas entre diversas facções despóticas.

Enfim, o impasse trágico é o motor que impulsiona as crises. Que esse impasse atual tenha um caráter moral (submetido ao medo da degeneração dos encontros em suas mais tristes paixões) é o fundamento para uma ação ética. Isso nos ajuda a enfrentar os dilemas e tomar a tragédia em sua dimensão alegre. Quem sabe como a possibilidade, ainda que improvável, de um devir que seja uma afirmação melhor e mais alegre da vida.