A multiplicação das variáveis sensíveis: Integração no caos da diversidade.

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Uma análise de cenário com base na recorrência de fenômenos ao longo da história é mais confiável que a mera adivinhação. Entretanto, a complexidade dos fenômenos sociopolíticos no século XXI é um complicador para a inferência de cenários com base em séries históricas.

As crianças recém-nascidas não vão reconhecer o universo cultural dos irmãos mais velhos de uma década imediatamente anterior. Conhecer uma realidade em constante mutação é um desafio que supera em muito a capacidade da atenção consciente. Complexidade, universos culturais e realidade nômade são aspectos inerentes as formas de cognição que integram pensamentos e sensações. 

A ideia de protagonismo individualista precisa ceder espaço para a imensa margem de inteligência silenciosa, inconsciente, que permite a gestão global da vida. Os atores não são indivíduos. Como escreve Emerson Elias Merhy, não possuímos o atributo da integridade. Nada é uno, nem mesmo o que chamamos de nossa identidade. A integralidade, assim, é um atributo que diz respeito a coletividades e não aos indivíduos. Ou, de outro modo, o indivíduo é uma legião. Muitas características se integram mesmo em suas contradições, ou quem sabe, justamente por serem contraditórias.

Mais especificamente, temos a sensação de que os giros da mudança têm sido mais intensos ao longo de cinco anos do que foram, durante os últimos cinco séculos. Os smartphones e os tablets, a computação em nuvem e o abandono da programação convencional de TV, o desaparecimento dos videocassetes no final dos anos 90, o surgimento e desaparecimento do DVD, do Blue Ray, o uso das redes sociais e a revolução do conteúdo por streaming pela internet… Enfim, todas as inovações que precocemente se tornam obsoletas apontam para uma única certeza e uma imensa interrogação: – Não sabemos para onde vamos e, no entanto, sabemos que não permaneceremos onde estamos.

As variáveis que se mostram decisivas nas análises a posteriori, simplesmente são indetectáveis antes que surtam seus efeitos revolucionários. Ou seja, posteriormente conseguimos explicar ou racionalizar qualquer fenômeno. Podemos imaginar explicações diversas para o mesmo fenômeno de acordo com referências teóricas e paradigmas diferentes. O que é impossível é prever fenômenos. Não importa qual teoria usemos. Fenômenos complexos que sejam compostos de múltiplas variáveis não podem ser antecipados com precisão. O isolamento experimental de variáveis tem a função de proporcionar um entendimento do fenômeno.

Ainda assim é possível avançar hipóteses. Na série de textos que venho postando procuro abordar os determinantes geopolíticos implicados na crise econômica e política brasileira sem perder de vista a micropolítica que sustenta a oscilação na estabilidade de nossos arranjos socioculturais e institucionais.

No cenário mundial temos uma tríade de polos de equilíbrio que parecem estar se aproximando de um abalo sistêmico a cada ano que passa. Os corpos diplomáticos dos EUA, Rússia e China reconhecem a grande probabilidade de se envolverem em conflitos violentos nas próximas décadas. Há inúmeros conflitos de interesse globais, especialmente econômicos e de recursos naturais, que colocam essas três potências em rota de colisão.

Mas, são as instabilidades sociais e políticas internas que vão determinar, em grande parte, o momento em que o conflito poderá emergir. É muito razoável esperar que as elites políticas internacionais irão preferir alguma forma de conflito externo antes de aceitarem alguma forma de decadência interna do arranjo de poder nacional que as sustenta.

A articulação entre os benefícios da coesão forjada a partir do reconhecimento de um inimigo comum é recorrente. A possibilidade da descoberta de vida alienígena fora da terra e de alguma civilização tecnológica não pode ser avaliada por critérios de recorrência. Mas teria o efeito de produção de coesão semelhante ao dos comunistas, dos fascistas ou dos regimes democráticos para os países de sistemas autoritários.

O ponto nesse conjunto de textos em meu blog é buscar entender porque o impasse entre as elites brasileiras ao longo da crise atual tem demorado a se resolver. Uma dimensão da incerteza que posterga esse novo arranjo de poder é o cenário geopolítico internacional. Já vivemos uma nova guerra fria ou grande jogo implicando os serviços de inteligência e a diplomacia das nações.

A relação entre demanda e disponibilidade na questão do acesso à energia das populações de EUA, China e Rússia racha a estabilidade em blocos de interesse que não podem ser conciliados. E não é claro que a prejuízo mútuo assegurado venha a ser um dissuasor eficaz num cenário trilateral.

Não sendo previsível o limite do perigo de não se construir um consenso, o risco é que o acordo só se torne evidente apenas quando já for tarde demais para implementá-lo. Não que isso seja de todo ruim, considerando a qualidade dos consensos e acordos que prevaleceram ao longo de nossa história.

Os possíveis desdobramentos para os SUS que irão surgir desse cenário macro político são razoavelmente evidentes. A Guerra Fria resultou em políticas de Bem-estar de intervenção no mercado de modo a equacionar as contradições autodestrutivas da ordem econômica. Resumidamente, atenuar o capitalismo para que ele não se autodestrua.

O papel das políticas de saúde pública no contexto do século XXI pode responder a necessidade de coesão social e manutenção dos vínculos identitários ou se colocarem a serviço do oposto. Políticas públicas de saúde devem seguir existindo. Em que grau irão se articular com os interesses privados ou serão genuinamente a defesa de interesses coletivos, básicos e comuns é a questão que nos desafia.