Estágio peripatético, ou, aquilo que ainda não consegui completar após o peripatético.

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Elsewhere. Stefaan De Croock aka Strook. Junho. 2015. 

Primeiro, uma pergunta a se fazer: o que esse título quer dizer?

Muita coisa, mas, talvez, não consiga dizer por que até agora não encontrei uma boa sentença que completasse o “estágio peripatético”. Obviamente, o peripatético vem do Lancetti. E o estágio vem de mim. É nesse sentido que quero expressar algum pensamento. Tentar!!! 

Instigado com algumas questões da saúde mental na saúde pública como redução de danos, população em situação de rua e a própria interface da mental com outros campos de prática. Percebi que a minha própria formação não dá conta da complexidade que os temas se apresentam na sociedade contemporânea e das relações que se constituem no cotidiano das pessoas que podem e/ou estão em sofrimento mental.

Uma temática desafiadora até mesmo pra saúde pública. E muito mais para os profissionais de saúde. Da educação. Do judiciário. Do terceiro setor. Da sociedade em geral. Aliás, saúde mental não se faz só na saúde. Se faz de forma intersecretarial e intersetorial.  Desafio!!!

Não é disso que eu quero tratar ainda. Pode ser depois, mas, não agora.

Nesse sentido, estou realizando um estágio na interlocução de saúde mental na Supervisão Técnica de Saúde (STS) Mooca/Aricanduva da Secretaria Municipal de Saúde (SMS/SP). Chamo de estágio peripatético porque é praticado em movimento. A interlocução circula em diversos espaços da atenção básica, da saúde mental, da assistência social, da educação, do ministério público, dentre outros.

E, especialmente, hoje (27/11), aconteceram coisas que mexeram bastante nos meus processos de subjetivação, ou seja, vem bastante Deleuze por aí… Para alguns, os textos do autor que já citei pode ser muito delirante ou até mesmo difícil de entender por causa de sua filosofia transgressora. No entanto, hoje, fez muito mais sentido do que costuma fazer.

Uma das atividades do estágio é participar do fórum mensal de saúde mental e violência onde gestores e trabalhadores do território da Mooca/Aricanduva se reúnem para discutirem aquilo que estão com mais dificuldades em seus serviços. Também, de fortalecer a discussão acerca das redes de atenção a saúde. O tema do encontro era redução de danos.

No entanto, não participei. Porque me perdi para chegar ao local. Me perdi muito. Me perdi de ônibus, me perdi andando a pé, me perdi pedindo informações. Mesmo perdido no Jardim Elba (ali na Avenida Sapobempa), fiquei feliz. Porque encontrei um “tio da banca de jornal” que me ajudou bastante, na tentativa, de achar o meu caminho para o fórum. Achamos mais ou menos.

Eu sabia o endereço. Gastamos mais de vinte minutos para localizar a AMA/UBS Oratório.

Inclusive, me incomoda essa ideia de AMA e UBS operando no mesmo lugar. Porque, do ponto de vista biomédico, a lógica das AMA’s engole as UBS’s. Não gosto desse jeito de produzir saúde. E a política municipal de saúde de São Paulo está bem equivocada nesse sentido. A Atenção Básica já está falida, com essa lógica, é a morte da Atenção Básica. Não vou discutir isso, aliás, tem sido palco de minhas reflexões aqui na RHS.  

No segundo momento, certo de minha direção, peguei o ônibus e fui para onde deveria ir. Estava enganado. Fui parar em outro lugar, dessa vez, mais “próximo” da UBS, mas, completamente perdido do lugar que estava. Mais um ônibus em direção à unidade de saúde.

Aí, um turbilhão de sentimentos: eu queria desistir, eu queria morrer (é uma coisa grave, eu sei, mas, foi do jeito que reagi ao momento), eu queria chorar. Eu queria muita coisa naquela hora. Acho que queria até a minha mãe.

Fiquei triste, angustiado, decepcionado comigo mesmo por não conseguir achar o local. E, preocupado, porque não podia chegar atrasado. Nesse tempo todo, circulei pelo território desde as 9h da manhã até as 11:15h quando achei a unidade. Mesmo com tudo isso, ainda, estava feliz. E estava achando engraçada a situação.

Achei engraçado porque me vi na filosofia de Deleuze. Porque me vi desterritorializado e reterritorializado.

"A função de desterritorialização: D é o movimento pelo qual 'se' deixa o território." (MP, 634)

Nos meus territórios, sempre tive uma relação muito cômoda com eles. Mas, no estágio peripatético, diariamente, estou fora do meu território. Mas, hoje, me senti completamente desterritorializado, longe do meu território comum, e, atravessado por muitas subjetivações. Parecia que um pedaço havia sido arrancado de mim para ser adicionada uma nova terra, já que um território é composto por muitas categorias como existencial, familiar, afetivo, vinculante etc.

Reterritorializado porque estava construindo uma região nova. Estava em processo de descoberta. Havia um movimento denso e intenso sendo construído.

"Se reterritorializa sobre a própria desterritorialização" (MP, 473)

Estéticas do cotidiano.

Fiquei pensando nisso!

De como produzimos no nosso cotidiano, estéticas para nossas vidas. De como estamos sendo atravessados por muitas questões que imbricam novos processos de (de)subjetivação. Seja na multidão-em-nós (no meu caso, multidão-em-mim), ou seja, aqueles que possam ler isso aqui, aqueles que eu contei essa história. Aqueles que se perderam e se acharam.

E, aí, percebi que o meu estágio peripatético (e a clínica peripatética) está sob outra fronteira do pensamento. Um lugar jamais visto porque o tempo todo desloca os sujeitos para novos deslocamentos com velocidades e lentidões. A saúde mental (ou a interlocução dela) é um lugar que possui múltiplos lugares em diálogos com a produção da vida.

A saúde mental é uma cartografia… cartografar, mesmo que sejam regiões por vir. (D&G, 1995). Por isso, o trabalho na saúde mental é difícil, porque ninguém sabe o que pode acontecer.

Muito menos, em um estágio peripatético.

É uma diferença e uma repetição, uma nova estética em saúde mental.

Referências

MP. Capitalisme et schizophrénie, t.2: Mille Plateaux, com Félix Guattari, Paris, Minuit,1980. [Ed. bras.: Mil platôs, São Paulo, Ed. 34, 5 vols., 1995-1997.]

GD, FG.  Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Ed. 34. 1995.