CONANDA PUBLICA RESOLUÇÃO ALERTANDO OS PERIGOS DA MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

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  Quem cresceu na periferia de qualquer capital brasileira teve que conviver com o imaginário de ser enviado para a "Febem". A 'prisão' dos adolescentes surgia como ameaça, e metia mais medo do que a chamada dos pais, "Vou chamar a Febem!".

 Eu me lembro que um dos meus amigos de pular o portão da escola teve esse fim. E recordo que depois que ele voltou de lá nunca foi mais o mesmo. Mudou de escola, fugiu de casa, e sumiu das nossas vidas.

  As discussões e histórias sobre as medidas socioeducativas é sempre tensa.

  Em debate realizado pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade sobre a medicalização dentro do sistema socioeducativo pude perceber como a questão continua grave. Os boatos de contenção química nas unidades de acolhimento é uma constante. E o espaço é ainda de violência e opressão.

 

 

 

 

 

 

 E é pensando nesses jovens atores que o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade fez pressão junto aos representantes do governo para que criassem formas para conter a medicalização da juventude, sobretudo aquela que está em atendimento pelo SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). A história da psiquiatria e da psicologia, assim como da medicina legal como um todo, é a tentativa de classificar e dividir as diferenças, e nesse sentido, não podemos deixar que a forma de acolhimento de crianças e jovens infratores dentro desse sistema seja com o olhar medicalizante, e que culpa a genética ora social – da família desestruturada -, ora a biológica – com diversos transtornos.

Mas os movimentos sociais ganharam novamente, e a Resolução N°177 (reproduzida abaixo) foi publicada!

A medida é de suma importância para os movimentos sociais que podem pleitear dos Conselhos Tutelares, dos Centro de Referência de Assistência Social e da Sociedade como um todo ações para discutir a medicalização da sociedade.

 

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

RESOLUÇÃO Nº 177, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2015
Dispõe sobre o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos à excessiva medicalização.

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, no uso das atribuições que lhe confere o inciso I do art. 2º da Lei n° 8.242, de 12 de outubro de 1991, e tendo em vista o disposto no inciso I do art. 2º do Decreto n° 5.089, de 20 de maio de 2000, e

Considerando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à dignidade, ao respeito e à liberdade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

Considerando que, nos termos do § 1º do art. 227 da Constituição Federal, o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem;

Considerando o art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estatui “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”;

Considerando o art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”;

Considerando o art. 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe que é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos do Sistema Socioeducativo, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança;

Considerando a recomendação MERCOSUL/XXVI RAADH/P. REC. No 01/15 do MERCOSUL no âmbito da XXVI Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos (RAADH), que se realizou na cidade de Brasília, República Federativa do Brasil, no dia 6 de julho de 2015, que afirma a importância de garantir o direito
de crianças e adolescentes a não serem excessivamente medicados e recomenda o estabelecimento de diretrizes e protocolos clínicos sobre o tema;

Considerando as “Recomendações do Ministério da Saúde para adoção de práticas não medicalizantes e para publicação de protocolos municipais e estaduais de dispensação de metilfenidato para prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes”, publicada em 1º de outubro de 2015, que apontam a existência de
diagnósticos excessivos e abusos na prescrição do medicamento;

Considerando a Recomendação nº 19 do Conselho Nacional de Saúde, de 8 de Outubro de 2015, que recomenda ao Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais por meio do Conselho Nacional das Secretarias Estaduais de Saúde e Secretarias Municipais, por meio do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde, a promoção de práticas não medicalizantes por profissionais e serviços de saúde,
bem como recomenda a publicação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para prescrição de metilfenidato, de modo a prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes;

Considerando as experiências do Município de São Paulo, por meio da edição da Portaria nº 986, de 12 de junho de 2014, e de Campinas, que demonstram como a publicação de protocolos pode contribuir para a diminuição da prescrição excessiva, e por vezes desnecessária, do medicamento;

Considerando o alto índice de utilização de medicamentos, em especial psicotrópicos, em serviços de acolhimento institucional e em unidades de medidas sócio educativas, levando especialistas a afirmarem a existência de prática corrente de contenção química;

Considerando que o Brasil se tornou o segundo mercado mundial no consumo do metilfenidato, com cerca de 2.000.000 de caixas vendidas no ano de 2010, e estudos apontam para um aumento de consumo de 775% entre 2003 e 2012 segundo dados do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro;

Considerando que as estimativas de prevalência de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em crianças e adolescentes no Brasil são bastante discordantes, com valores de 0,9% a 26,8% segundo o Boletim de Farmacoepidemiologia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária;

Considerando que os medicamentos psicotrópicos podem causar dependência física ou psíquica, conforme Portaria n.º 344, de 12 de maio de 1998, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, segundo a bula do medicamento;

Considerando que o TDAH, não pode ser confirmado por nenhum exame laboratorial, segundo o boletim SNGPC da ANVISA, resolve:

Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos à excessiva medicalização, em especial no que concerne às questões de aprendizagem, comportamento e disciplina.

Parágrafo único. Para os fins desta Resolução, define-se excessiva medicalização como a redução inadequada de questões de aprendizagem, comportamento e disciplina a patologias, em desconformidade com o direito da criança e do adolescente à saúde, ou que configure negligência, discriminação ou opressão.

Art. 2º A criança e o adolescente têm direito à proteção integral, particularmente ao acesso a alternativas não medicalizantes para seus problemas de aprendizagem, comportamento e disciplina que levem em conta aspectos pedagógicos, sociais, culturais, emocionais e étnicos, e que envolvam a família, profissionais responsáveis pelos cuidados de crianças e adolescentes e a comunidade.

Art. 3º A proteção integral da criança e do adolescente implica a abordagem multiprofissional e intersetorial das questões de aprendizagem, comportamento e disciplina de crianças e adolescentes, com vistas a reduzir a excessiva medicalização e promover práticas de educação e cuidados de saúde.

Parágrafo único. A promoção das práticas de educação e cuidados de saúde, previstas no caput envolve a oferta pelo Poder Público competente de orientação para familiares e de capacitação para profissionais responsáveis pelos cuidados de crianças e adolescentes, com relação aos transtornos de comportamento e aprendizagem que vêm sendo objeto de excessiva medicalização.

Art. 4º Os órgãos e entidades que integram o Sistema de Garantia de Direitos deverão prevenir a ocorrência de violação dos direitos da criança e do adolescente decorrentes da excessiva medicalização, tendo como ações, dentre outras, a promoção de campanhas educativas e debates para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de excessiva
medicalização.

Art.5º A atenção integral à saúde dos adolescentes, no âmbito do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), tem como diretriz os cuidados especiais em saúde mental.

§ 1º Os cuidados especiais em saúde mental referidos no caput deverão ser realizados por equipe multidisciplinar e multissetorial de saúde cuja composição esteja em conformidade com as normas de referência do Sistema Único de Saúde.

§ 2º O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa que apresente indícios de transtorno mental, de deficiência mental, ou associadas, deverá ser avaliado por equipe técnica multidisciplinar e multissetorial e esta avaliação subsidiará a elaboração e execução da terapêutica a ser adotada, a qual será incluída no Plano Individual de Atendimento PIA do adolescente.

§ 3º A prescrição de medicamento psiquiátrico para adolescentes no âmbito do Sinase deve ser feita nos termos da lei, bem como deve estar em conformidade com o PIA e com as necessidades individuais do adolescente.

Art.6º As entidades que ofereçam programas de atendimento socioeducativo e de privação de liberdade devem adotar medidas que coíbam a prática de excessiva medicalização e de contenção química arbitrária de adolescentes.

Art. 7º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

RODRIGO TORRES DE ARAÚJO LIMA
Presidente do Conselho

Publicado no Diário Oficial da União 18/12/2015