LUTAR PELA HUMANIZAÇÃO DO PARTO É LUTAR PELO SUS

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LUTAR PELA HUMANIZAÇÃO DO PARTO É LUTAR PELO SUS

Sentidos do Nascer na Conferência Nacional de Saúde –
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a luta pela consolidação e aprimoramento do SUS

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Texto: Sonia Lansky  – Coordenadora Geral da Sentidos do Nascer

Após passar por Ceilândia e pelo Conjunto Nacional, a Sentidos do Nascer fechou com chave de ouro a temporada em Brasília, participando da histórica 15ª Conferência Nacional de Saúde, de 1 a 4 de dezembro de 2015. Coordenada pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde, contou com a participação de usuários, prestadores de serviço, gestores e trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o país. O relatório final, com orientações políticas e técnicas da sociedade para o funcionamento do SUS nos próximos quatro anos, será entregue aos gestores da Saúde na União, estados e municípios e monitorado pelos Conselhos de Saúde.

A Conferência Nacional de Saúde ocorre a cada quatro anos e é o maior evento do país na área da Saúde, indicando as estratégias de saúde pública do país. Evento criado em 1937, as conferências nacionais de saúde têm desempenhado importante papel nos avanços alcançados pela saúde pública brasileira. As bases para a criação do SUS foram estabelecidas na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e consolidadas na Constituição Federal de 1988. Este ano o tema foi “Saúde pública para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro”.

Sua composição teve a representação de 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de gestores/prestadores do SUS e uma novidade importante foi a paridade de gênero: as mulheres representaram metade dos delegados. Teve também como objetivo garantir a presença de mais idosos, jovens, população negra, LGBT, indígena, comunidades tradicionais, rural e urbana, pessoas com deficiências, com patologias e com necessidades especiais.

Mais de 1 milhão de pessoas foram mobilizadas desde abril nas plenárias populares regionais, nas conferências municipais e estaduais e nas conferências livres, eventos que resultaram em mais de 1 mil propostas e nos quais foram eleitos os delegados para a etapa nacional. Participaram da Conferência Nacional 6.500 pessoas representando todo este movimento, trazendo as pautas aprovadas nas conferências municipais e estaduais. As conferências são o coroamento da democracia participativa, resultado de um processo envolvendo milhares de pessoas e discussões.

E o que a Sentidos do Nascer tem a ver com isso?

Tudo. As pautas feministas e a luta pela saúde integral da mulher e da criança compõem as conferências nacionais de saúde e ganham cada vez mais espaço. A humanização do parto e nascimento, em particular, é um tema recente e vem abrindo caminhos para se consolidar como política pública, como o Programa Nacional de Humanização do Pré-natal e Nascimento (2000), a Política Nacional de Humanização (2009) e a Rede Cegonha (2011).

A Sentidos do Nascer se alinha inteiramente pela consolidação do SUS como um sistema que garante o direito de toda cidadã e todo cidadão à saúde de qualidade, um dever do Estado.

Os desafios são ainda inúmeros para concretização destes direitos, e fazemos parte da construção desta história. Conquistamos muito desde a implantação do SUS, com a ampliação do acesso aos serviços, como o pré-natal e o leito hospitalar para o parto, em especial para situações de risco. A mudança do modelo é agora o principal desafio, com a implementação das boas práticas e o empoderamento da mulher e da família para o exercício de seu protagonismo de fato e de sua autonomia.

A informação adequada e a preparação para este momento começam no pré-natal, criando as condições para a participação ativa no parto e nascimento e maior equilíbrio na relação hierárquica e desigual de dominação de gênero e concentração das decisões pelos profissionais e pelos serviços de saúde.

No parto, o controle ou eliminação de práticas não recomendadas na assistência ao parto para a mulher e para o bebê são urgentes para que a vivência do parto e nascimento seja segura, respeitosa e digna.

Ambientes acolhedores como os Centros de Parto Normal propostos pela Rede Cegonha, acompanhante de livre escolha, técnicas de conforto, assim como equipes completas com a inserção de enfermeiros obstétricas/obstetrizes e doulas, medidas fundamentadas nas melhores evidências científicas, são ações estratégicas para acelerar esta mudança.

A mobilização social para garantia destes direitos é uma necessidade. Antes de tudo, precisamos revalorizar a mulher e sua experiência no parto normal, fomentando a mudança cultural. A participação nos Conselhos de Saúde das Unidades de Saúde, dos hospitais, dos municípios e dos Estados, nos Fóruns Perinatais da Rede Cegonha e nas Conferências de Saúde são oportunidades que se apresentam concretamente para a o movimento pela humanização do parto e nascimento como ação de cidadania. Poderemos assim capilarizar as ações, aumentar a responsabilidade do movimento na sua consolidação como uma mudança coletiva, uma ação de saúde pública, perene, que alcançará toda a sociedade. E assim superar a dicotomia do SUS X Saúde Suplementar e a realidade atual em que a experiência positiva no parto e nascimento se limita a quem pode pagar por ela, mais um produto na prateleira do mercado parto como negócio.

Foi muito especial estar na Conferência e receber gente de todas as cores e cantos do Brasil: Aracajú, Araguaçú, Arapongas, Araxá, Barra dos Garças, Barretos, Bom Jesus de Goiás, Campo Grande, Colatina, Crateús, Governador Valadares, Granja, Itabuna, Jacobina, João Pessoa, Juazeiro, Lageado, Limoeiro do Norte, Louziana, Manhuaçú, Marilia, Mossoró, Mangueiral, Muriaé,   Nilópolis, Niterói, Olinda, Osasco, Pará de Minas, Palmas, Petrolina, Petrópolis, Picos, Pindorama, Poá, Ponta Grossa, Porto Velho, Riachão do Jacuípe, Santa Maria, São Félix, São Roque,Teresina, Ubá. E tantas outras cidades mais que registramos.

Tanta gente de diversas profissões e usuários da saúde, atuando como conselheiros e delegados na construção da saúde que queremos para todos. Foram 1095 visitantes na Sentidos do Nascer em 4 dias de Conferência, que demonstraram um interesse candente por informação e atuação nesta temática. Passaram pelo circuito interativo de 20 minutos, onde experimentaram a gravidez, vivenciaram a polêmica entre os familiares e entre os profissionais de saúde sobre o parto normal e a cesariana, viram as diversas formas de violência obstétrica e suas repercussões com marcas no corpo e na alma de tantas mulheres e bebês, repercutindo o sofrimento, o desamor, a violência. Sentiram na pele como pode ser o bom parto e o bom nascimento.

Ávidos pelo apoio de iniciativas como a Sentidos do Nascer, que vem atraindo o interesse de pessoas de todas as idades e experiências de vida, por que o nascimento diz respeito a todos, evocando lembranças e experiências pessoais tocantes.

A Sentidos do Nascer cataliza encontros e processos nos territórios por onde passa, impulsionando as iniciativas e o interesse local de mudança do modelo de atenção ao parto e nascimento. ONGs de ativistas do parto e nascimento, de direitos humanos, equipes de saúde da família, Núcleos de Apoio à Saúde da família (NASF), Academia da Saúde, Programa Saúde na Escola (PSE), alunos e professores do ensino fundamental, médio e graduação de diversas escolas, profissionais da atenção básica e dos hospitais se encontram nas rodas e nas conversas durante a exposição, assistem os vídeos de movimentos que se tornaram experiências concretas.

Experimentaram novas ideias na ação de saúde, como a pintura na barriga, massagem para bebês, yoga para gestantes, criações para motivar as gestantes e familiares, assim como os próprios trabalhadores, dando gosto ao trabalho em saúde.

A vista que recebemos do Ministro da Saúde e de todo o seu secretariado nos honrou como reconhecimento de um trabalho que pretende se disseminar para apoiar os territórios que querem de fato agir para a transformação do modelo atual.

A Sentidos do Nascer é apenas uma pequena contribuição. Estamos juntos, construindo esta mudança. E quanto mais juntos e tecendo as redes de nós firmes, braços e abraços fortes, seguiremos trabalhando cotidianamente para o fortalecimento do SUS. O SUS que representa justiça social, igualdade, autonomia, símbolos da democracia de fato.

Em tempos sombrios de ameaças ao SUS e à democracia, o encontro da Sentidos do Nascer na Conferência Nacional de Saúde foi histórico, repleto de sentidos.

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