Os erros do PT e a Guerra Civil jamais declarada.

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Por último, mas não por fim, há que se mencionar o papel do Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário no desenrolar dessa crise. Tendo disparado a operação Lava a Jato para ser similar a operação mãos limpas na Itália, o processo atualmente tem mais similaridade com os movimentos de um porta aviões do que de um caça supersônico.

A partir dessa base móvel de investigação os procuradores podem lançar ataques a todas as elites. E todas as elites, em qualquer lugar do mundo, precisam se relacionar, firmar acordos de paz armada (contingente e pontuais) para que a ilusão de um sistema coerente possa perdurar, ainda que permanentemente sob suspeita, no coração das massas.

Os grandes beneficiados da constituição de 1988, em termos de capital simbólico, foram os juízes e promotores públicos. Isso se reflete, afinal, na diferença de condições de trabalho e salário entre juízes e professores. Indicando uma clara opção pela manutenção da ordem em lugar de alterá-la.

Essas instituições, MP e Judiciário, mantém um contato muito íntimo com a população miserável, excluída, desamparada e estigmatizada em nosso país. A sanha de passar a limpo o Brasil é permitida, de um lado pela autonomia e robustez de recursos desses poderes independentes da república. Além disso eles sabem que o crime organizado e as elites se articulam em muitos níveis e dimensões.

Portanto, a consciência desses jovens servidores públicos praticamente lhes impõe o dever de prover uma ordem e sentido que instaure entre nós uma noção de justiça que jamais tivemos na prática. Eles são guardiões da convicção de que um consenso minimamente racional se impõe sobre o sombrio mundo das acomodações de interesses subterrâneos entre os poderosos.

Não terão eles notado que as consequências imprevistas da consecução racional de objetivos podem levar a resultados que a ação justamente desejava evitar? Temos muitos exemplos históricos desse fenômeno, inclusive bem recentes, como o fato de o Estado Islâmico, em parte, ter nascido no ninho esperançoso da Primavera Árabe.

Imaginemos o seguinte: Lula é preso e condenado. Cunha preso e condenado. Renan Calheiros perde o cargo e mandato e, certamente preso. Dilma e Michel Temer pedem o mandato presidencial. José Sarnei investigado. Aécio Neves implicado com crimes de tráfico de drogas. Os acionistas majoritários da Globo, RBS, Grupo Gerdau e outras empresas condenados por crimes de sonegação. As conexões entre sistema financeiro e tráfico de drogas são trazidas a público.

Uma situação dessas implica em milhares de investigados e muitos outros condenados por diversos crimes. O noticiário sobre corrupção no Brasil é sempre de um tamanho tal que, se todos os implicados pudessem ser processados e condenados, teríamos uma mudança no perfil de classe de nossos presidiários.

Embora persista uma convicção silenciosa entre grande parte dos cidadãos com exceção de um ou outro investigado, ninguém acredita que o judiciário teria poder, ou mesmo a firme decisão, de levar as investigações no rumo de tornar as acusações que se fazem nas redes sociais (e na grande mídia) para os autos de processos que chegam ao STF.

Algumas condenações exemplares deverão acontecer. E não vale apenas de agentes políticos do PT ou siglas de aluguel, afinal isso já ocorreu. Há que se fornecer algum bode expiatório minimamente proporcional ao tamanho do abate midiático que a mídia promoveu contra o PT e que ricocheteia de volta para ela própria.

Não há anjos nem demônios nesse enredo. Por outro lado, a crença de que alguns são anjos e outros demônios (e, mesmo de que todos sejam demônios) levará a um tour de ataques que em algum momento degenerará em violência. Já aconteceu antes em nossa história e vai acontecer de novo. Não contar com isso é certamente o erro mais grave que qualquer um de nós pode cometer. É uma utopia acreditar que os agentes que se defrontam nessa crise sejam, ou se tornem razoáveis.

Uma perspectiva inovadora é que a crise política se articula com a crise econômica através do trabalho do MP, Polícia Federal e Judiciário como o efeito de uma disputa muito mais profunda que emerge da guerra biopolítica que se instaurou entre os campos simbólicos.

O curso biológico dos corpos é igual para todos nós. Os sentidos e significados, os mitos e crenças que nos movem são relativamente iguais. Da distância ou profundidade adequada, todas as ranhuras ficam planas e a existência premia a todos com a mesma dose de dor, prazer, angústia, paz, medo e coragem.

Sempre estivemos em um estado cinicamente inconsciente da guerra civil que vigora desde sempre em nossos guetos e favelas. Dizer que somos cordiais e pacíficos é uma simplificação de nosso complexo acordo de paz em torno de uma violência recalcada e sempre presente.

Já a guerra civil declarada no Brasil seria como uma luta de transvaloração da moral.

Não podemos mais ser o que fomos.

Ainda não sabemos ser o que seremos.

Saber disso é a marca singular e trágica de nossa época.

Será uma guerra que não poderemos evitar de lutar.