Clínica, gestão e trabalho

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Clínica, gestão e trabalho são três coisas indissociáveis no campo da saúde coletiva. Tentarei fazer aqui uma análise de como os três estão interligados e como um gestor pode utilizar a clínica para maximizar os resultados de um serviço.
 
Um serviço de saúde existe com a finalidade única de produzir saúde para os seus usuários – no caso um serviço público, pois os serviços privados têm outros interesses, como o lucro, por exemplo, que interferem na sua lógica de funcionamento. Nesse sentido, há uma gestão, na figura de um gestor, que preconiza uma forma de trabalhar para atingir esse objetivo, e a forma de trabalhar de um serviço geralmente se expressa na atenção, ou seja, na clínica. Entretanto, a clínica se estabelece na relação humana, sendo assim, como cada profissional desenvolve uma forma de se relacionar, cada profissional desenvolve também uma forma de fazer clínica. 
 
Um gestor tem a tarefa de organizar o serviço e fazer com que todos que ali estão trabalhem da melhor forma para atingir o objetivo de produzir saúde para a população. Porém, como já vimos, essa é uma tarefa complexa, já que cada ser humano desenvolve uma forma de trabalhar e tem um objetivo pessoal envolvido em seu trabalho. Uma solução muito vista para esse problema é a padronização de instrumentos. O gestor padroniza os instrumentos a serem utilizados por achar que assim irá padronizar os processos de trabalho e todos trabalharão da mesma forma, por terem que seguir o mesmo instrumento. Esse gestor, infelizmente, está enganado. Ele estaria certo se o instrumento tivesse fim em si mesmo e bastasse o instrumento para que o trabalho acontecesse. Mas o trabalho em saúde, mesmo que orientado pelo instrumento, se estabelece na relação humana, e, novamente, cada profissional pode se relacionar de uma forma, criando formas de trabalhar muito diferentes, mesmo usando um mesmo instrumento.
 
A tarefa de alinhar as práticas pode ser muito difícil, mas o trabalho de um gestor nunca será fácil e o gestor tem que aprender a trabalhar com as subjetividades que envolvem as relações humanas. Há então um outro tipo de clínica, uma clínica ampliada, uma clínica dos coletivos. O gestor pode usar essa clínica para buscar soluções com o coletivo. Assim como a clínica do sujeito, ela consiste em buscar problemas, analisá-los e achar as soluções mais adequadas para tais. E ainda como essa outra clínica, pode ser cheia de amarras que enfraquecem as relações e dão vida própria aos problemas ou pode ser uma clínica que exercite a liberdade e o fortalecimento das relações, a análise do todo para buscar potencialidades e fraquezas e o estudo do contexto para buscar soluções viáveis.
 
O gestor está, em termos práticos, pela natureza de seu trabalho, longe da ponta do serviço no seu cotidiano, onde realmente se expressam os resultados de tudo o que é feito ali através das atividades fim. Sendo assim, há de se perceber que ele conhece uma parte do funcionamento do serviço que outros desconhecem, mas que, da mesma forma, cada grupo de profissionais ali conhece alguma parte do cotidiano do serviço que outros, inclusive o gestor, ignoram. Por isso, incluir todos no processo de debate e decisão, tornando-o transversal, qualifica esse processo e enriquece o debate. Ao mesmo tempo, esse modo de fazer a gestão faz com que os trabalhadores se sintam valorizados, conheçam o que se discute, e, ao fazer parte do processo decisório, valorizem as decisões e adaptem seu modo de trabalho para que aquilo que é decidido se concretize na prática.
 
Tudo isso nos mostra que a clínica dos coletivos, quando feita de forma participativa, exercitando a cogestão, tem um potencial de alinhar práticas e maximizar os resultados do serviço muito maior do que a padronização de instrumentos, na medida em que ela possibilita a interlocução entre diferentes setores do serviço e, assim, uma análise muito mais completa dos problemas. Ao mesmo tempo, ela também aumenta a capacidade de resolutividade desses problemas quando os profissionais podem trazer a sua experiência prática para o debate e discutir as possíveis soluções – ao invés de apenas receber ordens com soluções que pouco se encaixam na forma como trabalham e que ao tentarem resolver um problema criam outros.