Desafios de Ser Nutricionista na Atenção Básica

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Isis de Carvalho Stelmo [1]

Atuo na Atenção Básica, como nutricionista de um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) há quase três anos, já passei por seis unidades, três equipes NASF em duas regiões da periferia da Zona Leste de São Paulo diferentes.

Durante esses [poucos] anos de atuação, consegui perceber alguns obstáculos em comum. A falta de recursos materiais é algo sempre presente e um pouco desmotivadora… Às vezes, é preciso imprimir algum folheto, folder explicativo, figura, teste, qualquer coisa para o grupo, mas ou não temos computadores disponíveis para tal, pois estão sendo usados para outras demandas administrativas da Unidade Básica de Saúde (UBS), o que é muito corriqueiro, ou não há restrição de uso de folhas sulfite, não há tinta. Sem contar que em muitas UBSs, falta espaço para fazer grupos dentro da unidade e até mesmo para atender consultas. É corriqueiro também as equipes NASF não possuírem uma sala dentro das UBSs onde atuam, tendo que dividir espaço com os Agentes Comunitários de Saúde ou com médicos, enfermeiros para que tenham um local para deixar seus pertences e fazer trabalhos administrativos. Parece bobagem, mas esses acontecimentos mexem muito com a nossa integridade profissional e nos faz questionar a qualidade do atendimento oferecida a esse paciente e possuir infraestrutura nos locais de trabalho é direito do profissional da saúde e do paciente.

Para além dessas questões estruturais, comer é um ato complexo que todos nós precisamos fazer várias vezes ao dia, o qual envolve muitas questões, as quais, muitas vezes, passam despercebidas, como acesso aos alimentos (e quais são esses alimentos?!?! Ultraprocessados? In natura? Orgânicos ou com Agrotóxico?), poder de escolha do indivíduo, se tem conhecimento e autonomia para eleger o alimento de melhor qualidade; poder aquisitivo para comprá-los, se o local onde são comercializados e consumidos é salubre, se no território há saneamento básico, etc.

Além de envolver todas essas questões biológicas, sociais e sanitárias, comer também desperta emoções, sentimentos, é cultural e tem a ver com os hábitos construídos de cada um. Considerando que o nutricionista é o profissional que cuida da relação entre as pessoas e a comida, também é o responsável por considerar toda essa complexidade e trazê-la para a reflexão, tanto junto aos pacientes quanto com outros profissionais de saúde.

Na minha opinião, o mais desafiador é lidar com outros profissionais da saúde que não são diretamente da área de Alimentação e Nutrição. Porque muitos possuem uma visão pré-fabricada construída com auxílio da mídia e uma grande dose de senso comum a respeito do trabalho do nutricionista. Dia sim, dia não, alguém (da equipe) me pede uma dieta, sem nem saber meu nome direito. E lá vou eu desconstruir toda uma concepção engessada sobre alimentação: que dietas restritivas não funcionam (aí, sempre tem um que diz: funciona, sim! Porque a prima-da-irmã-da-minha-amiga fez e emagreceu 25kg!; ela manteve?; não; ISSO NÃO É FUNCIONAR!), nenhum alimento engorda ou emagrece sozinho, não existem alimentos milagrosos, etc.

E nosso papel na Atenção Básica é realizar principalmente educação em saúde e empoderar os pacientes para produzir o cuidado compartilhado, também responsabilizando o paciente pelo seu tratamento. Contudo, nosso modelo de atenção ainda é muito biomédico e medicalocêntrico, logo os pacientes ficam com receio de “levar bronca” dos profissionais e muitas vezes adotam um papel passivo.

Todavia, apesar de todas essas dificuldades, sei que o trabalho no Sistema Único de Saúde é de formiguinha e as transformações vão acontecendo aos poucos. Eu aposto muito na interdisciplinaridade, na intersetorilidade (afinal, mudar o ambiente alimentar depende de muitos atores), na troca de conhecimentos e na inserção das práticas integrativas complementares como elementos de mudanças que levem a um tratamento mais integral com maior presença das tecnologias leves e dê valor à história de saúde-doença das pessoas. E precisamos seguir ocupando os espaços para que nós, nutricionistas, tenhamos voz ativa na luta por um SUS de qualidade e mostrando nosso papel transformador.

[1] Nutricionista formada pela UNIFESP/Baixada Santista, pós-graduanda em Alimentação na Atenção Básica/Fiocruz, artista de dança pela Etec de Artes. Profissional do SUS, integrante de uma equipe NASF na região de São Miguel Paulista, periferia de São Paulo