Médico terá de ouvir paciente

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Novo código de ética obriga profissional a apresentar tratamentos possíveis. E a decisão sobre a melhor opção é feita em conjunto com o doente

Depois de dois anos de discussão, um novo Código de Ética Médica passa a vigorar em todo o Brasil. Criado em 1988, o documento anterior estava desatualizado em aspectos relacionados ao avanço da tecnologia nas últimas duas décadas, sobretudo na medicina genética. Além de inovações tecnológicas, os artigos do código focam na criação de uma nova forma de relação médico-paciente, fazendo com que o doente tome decisões em conjunto com o profissional. Outra grande novidade é a possibilidade da ortotanásia, processo que ocorre quando o paciente opta por não continuar um tratamento que já não tem mais chance de curá-lo e recebe medicamentos para amenizar seu sofrimento até a morte.
 

O código fortalece o compromisso do médico com a sociedade brasileira. Houve definições a respeito do comportamento ético, adequando às necessidades atuais e aos novos dilemas e desafios que a atividade contemporânea exige, diz Gerson Zafalon Martins, segundo secretário do Conselho Federal de Medicina. O documento também estabelece uma nova postura do paciente na relação com o médico. Não é mais o médico que define sozinho o que deve ser feito. Ele vai explicar os procedimentos e tomar a decisão em conjunto com o paciente, afirma Martins.
 

O Conselho Federal de Medicina havia decretado resolução semelhante anteriormente. Com o novo Código de Ética Médica, contudo, o profissional pode receber pena se desrespeitar a opinião do paciente. Para que haja a punição, é necessário que ele seja denunciado e que exista comprovação de omissão.
 

Para Orlei Kantor Junior, médico pneumologista pediátrico, o código puxa a orelha da classe médica para que volte a examinar os pacientes de forma concreta em vez de insistir na solicitação de exames complementares. "Os médicos estão examinando menos
e buscando mais exames complementares, diminuindo a qualidade da medicina", avisa Kantor Junior. "Isso favorece apenas os planos de saúde",completa.
 

 

Ortotanásia
 

A mais polêmica das mudanças diz respeito à inserção da ortotanásia. De acordo com o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) , Roberto Dávila, como o Código de Ética anterior não entrava no assunto, muitos médicos se viam compelidos a realizar procedimentos que apenas prolongavam a dor do paciente, ato conhecido como obstinação terapêutica. Já existe, no CFM, a possibilidade de criação do testamento vital, documento, existente em países como Portugal e Espanha, que dá autorização a alguém para decidir questões relativas à sua saúde, caso esteja inconsciente. Até o final do ano, a resolução deve entrar em vigor.
 

Regulamentada no Brasil pelo CFM em 2006 e suspensa, no ano seguinte, por iniciativa do Ministério Público Federal de Brasília, a ortotanásia é assunto do Projeto de Lei 6. 715/09. Aprovado no Senado, e em fase de trâmite pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, ele pretende alterar o Decreto-Lei nº 2. 848/40, excluindo a ilicitude da ortotanásia. Existem, no entanto, inúmeras instituições que adotam os procedimentos da ortotanásia no Brasil. O presidente da Sociedade de Anestesiologia de São Paulo e representante do estado no CFM,Desiré Callegari, não considera que haja conflito com a lei. É apenas uma orientação de como seguir em casos em que não exista tratamento, diz. O paciente terá todo o acompanhamento até a sua morte, completa.
 

Psicóloga especialista em Saúde Mental e membro da Comissão de Tanatologia do Conselho Regional de Psicologia, Joyce Kolinski Fischer considera que muitos médicos não estão autorizados a lidar com a ortotanásia. "Parece estranho ver, dentro de um hospital, pessoas que não sabem lidar com a morte. Quando não há mais possibilidade, os médicos precisam estar preparados para aceitar e não abandonar o paciente", avalia Joyce. Pelo novo código, esse tipo de atitude é vedada para a classe. "Quando a gente pensa na morte, pensa em fracasso. Como nossa cultura valoriza o bonito, a vitória e o belo, essa aceitação é complexa por parte do paciente e do médico", acrescenta Joyce.
 

A limitação, para Joyce, é fruto da falta de preparo das escolas de Medicina. "A faculdade não trabalha a morte, não existe nenhuma disciplina que trabalhe as questões envolvidas na morte de um paciente", diz.
 

 

Os principais pontos do novo código de ética:
 

 

LETRA LEGÍVEL
A receita e o atestado médico têm de ser legíveis e devem ter a identificação do médico.
 

 

DIREITO DE ESCOLHA
O médico deve apresentar as possibilidades terapêuticas e aceitar a escolha do paciente.
 

 

CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
O paciente precisa dar o consentimento a qualquer procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
 

 

ABANDONO DE PACIENTE
O médico não pode abandonar seu paciente.
 

 

PACIENTES SEM PERSPECTIVA DE CURA
O médico deve evitar procedimentos desnecessários nesses pacientes. Em caso de doenças incuráveis, deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, levando sempre em conta a opção do paciente
 

 

PRONTUÁRIO MÉDICO
O paciente tem direito a receber a cópia do prontuário médico.
 

 

SEGUNDA OPINIÃO
O paciente tem direito a uma segunda opinião e a ser encaminhado a outro médico.
 

 

ANÚNCIOS PROFISSIONAIS
É obrigatório incluir o número do CRM em anúncios dessa natureza.
 

 

PARTICIPAÇÃO EM PROPAGANDA
O médico não pode participar de propaganda.
 

 

RECEITA SEM EXAME
O médico não pode receitar sem ver o paciente, seja por meio de veículo de comunicação ou internet.
 

 

RELAÇÕES COM FARMÁCIAS
O médico não pode ter relação com o comércio e a farmácia.
 

 

CONDIÇÕES DE TRABALHO
O médico pode recusar a exercer medicina em locais inadequados.
 

 

DENÚNCIA DE TORTURA
O médico é obrigado a denunciar tortura, isso vale para atendimento de possíveis vítimas de violência doméstica,
por exemplo.
 

 

DESCONTOS E CONSÓRCIOS
O médico não pode estar vinculado a cartões de descontos
e consórcios, em especial na área de cirurgia plástica.
 

 

MANIPULAÇÃO GENÉTICA
O médico não pode participar de manipulação genética.
 

 

SEXAGEM
A escolha do sexo do bebê é vedada na reprodução assistida.

 

 (Fonte: Gazeta do Povo, 13/04/2010)