O custo da existência humana é a produção de sentido

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As pessoas que estão apavoradas com o tempo em que precisaremos permanecer em quarentena e isolamento, assumem um pressuposto cultural e histórico de um modelo de civilização que já não é mais necessário. Nós já temos os recursos que precisamos para estruturar uma sociedade em que não existam miseráveis condenados a viver em regime de superexploração.

O pânico de Bolsonaro e de seus seguidores diante da quarentena, imposta – ou auto imposta , para controlar a pandemia de Covid-19, decorre da situação em que qualidade de vida, saneamento básico, alimentação e conforto são metas possíveis de realizar no aqui e agora. Não é mais uma fatalidade impossível de mudar que a maioria dos seres humanos tenha que sustentar sua existência através da superexploração do trabalho. A humanidade desenvolveu essa possibilidade de superação da exploração e do rebaixamento da existência ao longo do caos de sangue e crueldade vividos nos últimos 10 mil anos.

A escassez nos moveu para o esforço de solidariedade, da soma de esforços e compartilhamento dos excedentes, tanto quanto, para o sequestro, estupro saque e guerras tribais incessantes. Mas superamos isso tudo nos últimos séculos.

A ciência e o desenvolvimento tecnológico tiraram da natureza os abismos que nos ameaçam. O coronavírus é um código de informação imbricado com nosso sistema econômico e industrial. No entanto, é tão destrutivo quanto um mega terremoto. É um fenômeno natural e artificial simultaneamente.

Assim, embora, quando meu pai era um lavrador, há 60 anos atrás, a produção per capita de alimentos e as vias e meios de transporte do excedente da produção agrícola, justificassem a escassez (devido a fatores climáticos, econômicos e políticos), hoje a fome é apenas o efeito do modelo de distribuição e acumulação da riqueza, dos recursos tecnológicos e da renda.

O senso comum confunde a disponibilidade de capital com nossas possibilidades em termos de recursos e tecnologias. Uma coisa é o capital e o seu movimento automático de se reproduzir. Outra, bem diferente, são as possibilidades do homo sapiens.

Quem acredita que a quarentena e o isolamento social podem salvar vidas, também acredita que a exploração do trabalho já não significa condições de sobrevivência e qualidade de vida. Muitas pessoas podem ter existências significativas e alegres sem que sejam obrigadas a pagar por isso em termos monetários. Isso deixa uma parte das pessoas em pânico porque a exploração do trabalho dá o único sentido que podem conceber para a existência.

Por isso, deixar que os vulneráveis morram durante a pandemia – com a justificativa de muitos irão morrer porque sem trabalho não terão acesso ao dinheiro necessário para a subsistência – é um crime contra a humanidade.

No Brasil, com o estímulo de que os pobres voltem ao trabalho, porque sem dinheiro eles vão morrer ainda mais de fome do que pela covid-19, estaremos promovendo e permitindo um verdadeiro genocídio.

A vida não pode ser sustentada apenas com base na quantidade de moeda disponível. A pergunta é se temos condições de reduzir a atividade econômica e o consumo de supérfluos, sem que se instaure uma fome endêmica em vastas regiões do planeta.

Qual a capacidade real que temos, enquanto civilização, de proporcionar subsistência e qualidade de vida aos seres humanos?

Seremos capazes de mobilizar nossa potência para além da riqueza e dos recursos acumulados por uma ínfima parcela da espécie?

Podemos prover, cuidar e gerar o bem comum diante das ameaças do século XXI? Talvez sim. Certamente isso é possível. Mas, se ocorrer, será o efeito de um desejo de afirmação da vida e de superação do ressentimento.