A DESCARACTERIZAÇÃO DA REDE DE CUIDADOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.

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Vejo com preocupação de pessoa com deficiência, enfermeiro de reabilitação, docente, pesquisador e ex-gestor público da área, a descaracterização das diretrizes básicas da Portaria 793/2012, do Ministério da Saúde, que instituiu a Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência (RCPCD), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as diretrizes definidas no Artigo 2º da portaria em tela, destaca-se o seu inciso IV, onde se asseguram garantias de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando aos seus usuários cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar. Proposta sistemática de articulação em rede que deveria eliminar a   demanda reprimida e a falta de sintonia entre profissionais atuantes em seus diversos pontos de atenção. Inicialmente, evitando desinformações sobre as competências dos profissionais que nelas atuam, conferindo celeridade aos processos de triagem dos serviços, para que as pessoas com deficiência tivessem garantidos seus direitos de acesso a esses serviços com qualidade, sobretudo, no que se refere à sua interface interdisciplinar.

Com efeito, a instituição da RCPCD nos chegou como honrosa promessa e compromisso do governo federal para com atendimentos dignos, humanitários e integrais às necessidades de cuidados reabilitação de curto, médio e longo prazos para pessoas com deficiência em todo território nacional. Parecia materialização de sonho, de algo que transitava no imaginário, um tanto fantasioso para quem acumulava experiências negativas quanto aos serviços prestados ao segmento no âmbito do SUS, exceto os usuários dos programas de Reabilitação oferecidos pela Rede Sarah, habituados ao admirável atendimento qualidade em todos os seus setores, segundo a clientela, entre os quais me incluo. A RCPCD representa promessa que logo desmoronou como sequência de quedas em dominó, particularmente nas unidades vinculadas às estruturas de governos municipais, balizadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde, com os quais parece haver maior tolerância quanto ao não cumprimento de metas, tanto quanto menores critérios na prestação de contas em decorrência da deficitária fiscalização sobre a utilização dos recursos públicos destinados aos seus serviços e unidades habilitados pelo SUS.

Mesmo tendo sido aprovadas após longas discussões e acordos entre gestores e seus representantes nas Comissões Intergestores Municipais, pouca repercussão e envolvimento com as diretrizes da RCPCD pode ser constatada entre as equipes profissionais que atuam nos pontos de atenção da rede. Ao que se evidencia nas unidades habilitadas do setor público,  das esferas municipais, sob “supervisão” do órgão estadual de competência, a dinâmica e operacionalização dos serviços pactuados não atende à demanda dos usuários, mas os recursos de custeio continuam irrigando seus cofres, e disso não se abre mão. Quadro caótico e prejudicial aos usuários dos Centros Especializados de Reabilitação, composto de paraplégicos, tetraplégicos, hemiplégicos, crianças com Síndrome de Down, autistas, surdos, cegos, entre outros, devido à falta de fiscalização do próprio Ministério da Saúde, que deveria suspender repasses de recursos e cancelar autorizações de instalação e funcionamento dessas unidades, concedidas há mais de 5 anos, já que não cumprem o pactuado ou asseguram atenção e cuidados integrais ao seu público-alvo.

Mais surpresos ficamos diante da análise do inciso III, do Artigo 3º da portaria 793/2012, que define os objetivos gerais da rede, dando garantias de articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento e classificação de risco. Porém, basta uma simples visita aos pontos de atenção habilitados e disponíveis ao público, seja na condição de usuário em busca de atendimento, investigador de objeto científico, conselheiros de órgãos da sociedade civil organizada ou de observador de associações comunitárias, para perceber que suas equipes atuam desarticuladas e sequer tomaram conhecimento da existência da rede ou da existência de outros pontos de atenção.

Nesse ritmo, a articulação integrada dos pontos de atenção das redes de saúde da mesma área, na conjuntura do SUS, definitivamente, não acontece, muito provavelmente devido às mesmas dificuldades acima apontadas. Cada ponto de atenção atua exclusivamente em seu espaço, como algo limitado e isolado dos demais. Os profissionais de saúde que compõem suas equipes, por sua vez, não interagem com as demais equipes para atender as necessidades de cuidados de pessoas com deficiência, no que dependa de aspectos que fujam ao habitualmente condicionado pelas rotinas dos setores/serviços onde atuam. Muitas pessoas com lesão neurológica incapacitante, outras comprometidas por doenças neológicas degenerativas ou pós-operadas do aparelho locomotor, continuam recebendo alta hospitalar com indicação de imediato acesso aos Centros Especializados de Reabilitação, para que recebam intervenções terapêuticas precoces, fundamentais para que obtenham sucesso no programa de reabilitação, mas não conseguem acesso aos mesmos porque não funcionam como deveriam.

Em consequência disso, a articulação integrada dos pontos de atenção das redes de saúde da mesma área, na conjuntura do SUS, definitivamente, não acontece, muito provavelmente devido às mesmas dificuldades anteriormente apontadas. Cada ponto de atenção atua precária e exclusivamente em seu território, como algo independente, limitado e isolado dos demais. Os profissionais de saúde que compõem suas equipes, por sua vez, não interagem com as demais equipes para atender as necessidades de cuidados de pessoas com deficiência, no que dependa de aspectos que fujam ao habitualmente condicionado pelas rotinas dos setores/serviços onde atuam. Muitas pessoas com lesão neurológica incapacitante, outras comprometidas por doenças neológicas degenerativas ou pós-operadas do aparelho locomotor, continuam recebendo alta hospitalar com indicação de imediato acesso aos Centros Especializados de Reabilitação, para que recebam intervenções terapêuticas precoces, fundamentais para que obtenham sucesso no programa de reabilitação, mas não conseguem acesso aos mesmos porque não funcionam como deveriam.

Em clima de comemoração pelo Dia Internacional da Síndrome de Down, 21 de março, fica registro consternado de ver que essas pessoas, suas famílias e seus cuidadores, estão mais desassistidos que antes da implantação dos Centros Especializados de Reabilitação Intelectual. Quem sabe, por absoluta negligência dos gestores municipais e suas equipes desorientadas quanto ao atendimento das necessidades de cuidados e assistência de saúde e reabilitação dessas pessoas. Até quando vamos presenciar sem reagir a essas distorções, esses descalabros? Onde estão e por quê não tomam providências, dirigentes das associações defensoras dos direitos dessas crianças e adolescentes? Onde estão seus membros representativos nos Conselhos Municipais e Estaduais de Direitos da Pessoa com Deficiência? O Ministério Público toma providências no que lhe compete, mas é preciso haver denúncia e consciência cidadã de cada membro da comunidade prejudicada, desrespeitada.

Como disse o nobre advogado, cantor, compositor e poeta paraibano Geraldo Vandré, “Vem, vamos embora. Que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer…”

 

Wiliam Machado