A eternidade do presente

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É relativamente fácil esperar que o mundo seja como o idealizamos. Trata-se apenas de fabular uma expectativa em relação ao futuro. A questão é sobre atos e acontecimentos. O que fazemos pode, e frequentemente está, em desacordo com nossas crenças e ideais porque pensamos que a realidade seja algo que devemos ajustar e corrigir.

Esse arranjo mental desculpa nossas incoerências, pois as cometemos em nome do ideal, em síntese, do que ainda não existe, mas que vivenciamos no agora como a concretude do que deveria ser.

Então, quase sempre desejamos que o mundo mude, mesmo fazendo pouco para mudá-lo. Pensamos em mudar um futuro nebuloso e mal localizado, em lugar de nos dedicarmos a mudar, tanto a nós mesmos, quanto ao mundo no instante do acontecimento.

A verdade é que temos ilusões tão profundamente enraizadas em nossa mente que mesmo que o mundo mude muito, somos incapazes de perceber, já que queremos muito acreditar que podemos permanecer imutáveis naquilo em que reconhecemos vagamente como nossa essência. Todo o arsenal cognitivo que desenvolvemos ao longo da evolução nos inclina a proteger nossa existência.

Os seres humanos modernos identificam sua existência com a permanência de sua personalidade interior. Mas nada é mais fluido e mutante do que o conceito de persona ou personagem. Não é por nada que em nossos mitos e literatura, os personagens são determinados pela narrativa, ou seja, são escravos ou artefatos submetidos ao narrador, ao autor da história.

É desse ponto de conforto ilusório — onde protegemos nossa persona como se fosse o núcleo sagrado de nossa existência — que projetamos a mudança para o território vago do futuro.

Abandonamos o verdadeiro presente da existência e nos pomos a tecer uma frágil teia de expectativas numa fuga desesperada do aqui e agora. É desse modo que perdemos o presente em seus dois sentidos — o de dom ou de dádiva e o de ponto infinitesimal que separa o passado do futuro.

Nessa ilusão confortável, julgamos a tudo e a todos a partir da estagnação, baseados na irrealidade de um mundo adiado constantemente.

O fato é que a idealização corrompe o caráter mais belo da existência. Não importa o que possamos imaginar, a realidade está em permanente mutação. E nós somos parte da realidade. É nosso ressentimento com a morte que nos paralisa na tarefa angustiante de encapsular a metamorfose da vida num futuro idealizado que jamais se realiza.

É um preço muito alto para obtermos uma mera distração de nossa distorcida percepção da finitude. Parafraseando um filósofo que admiro muito “os animais não anseiam por uma vida após a morte. Mesmo em sua jaulas, ou na liberdade de seu ambiente, eles já vivem além do tempo, na eternidade do agora”.

A vida autoconsciente não pode se resumir a silenciar as vozes em nosso inconsciente.

Podemos abrir mão de fábulas sobre o amanhã e colocar nossas expectativas e códigos morais num tempo mais compacto, próximo ao acontecimento e ao gesto. O futuro emerge da vivência intensa e plena do agora e não de delírios construídos dos fragmentos de medos e ilusões.