A recusa a pensar de modo criador diante do inimaginável é autodestrutiva.

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Há uma conexão entre o advento da inteligência artificial e a colonização do Brasil. Mas poderia se dizer que nós merecemos mais o destino trágico que os nativos tiveram, na medida em que estamos em melhores condições do que eles para evitar o abismo em que estamos mergulhando. Podemos apenas nos lembrar do que fizemos.

O encontro entre os povos nativos e os invasores europeus foi tão disruptivo e fatal para a civilização originária (cerca de mil povos que habitavam o território onde hoje é o Brasil), quanto será o da inteligência artificial com nosso modo de vida contemporâneo.

Estamos diante do que não podemos pensar. Assim como os povos da floresta foram dizimados pela fina flor da escória europeia, num processo caótico e descontrolado, nós estamos diante do que não podemos nomear. E o resultado dessa incapacidade para nomear o que vem, resultará na destruição de nosso modo de vida. A questão é de que modo iremos persistir na forma deste mundo impensável que está chegando.

Os povos nativos foram violados e escravizados. Demoraram para perceber as lógicas, impensáveis para eles, dos invasores. Sofreram com o contágio numa guerra biológica que exterminou 80 milhões de pessoas nos primeiros 100 anos de um conflito que ainda está em curso.

Em nome da ganância e da conquista, travestida de empreendimento evangelizador e civilizatório, uma guerra de extermínio vem sendo praticada nas sombras há 519 anos. Toda uma cosmovisão rica e diversificada foi esmagada pelo encontro com o incognoscível.

Em nosso caso, é curioso que, em nome de algo difuso, confuso e pouco compreensível como a ideia de desenvolvimento econômico perpétuo, o capital venha paulatinamente, desde os escritos de Karl Marx, se tornando autônomo em relação aos agentes humanos. De modo complementar a isso são os humanos que se tornam objetos controlados pela fluidez do dinheiro. O capital monetário se tornou completamente etéreo e virtual e ao mesmo tempo uma espécie de meta sujeito.

A nossa cosmovisão – nossos universos de sentido e significado – estão ameaçados pelo advento de ferramentas tecnológicas que passaram a existência através de nossas próprias ações. Sem uma possibilidade de pensar o desconhecido, a que nós mesmos demos existência, não conseguiremos nos adaptar.

No entrechoque dos humanos com a inteligência artificial, talvez estejamos destinados ao mesmo desenlace que os povos nativos sofreram em seu encontro com os conquistadores europeus. Com o agravante de estarmos lentamente dando espaço a uma perplexidade infantilizada e perdendo a capacidade de agir de modo criativo.

O neofascismo, que está se alastrando pelo planeta, representa essa recusa ao esforço de pensar de modo aberto e criativo que expressa os primeiros sintomas de uma patologia coletiva que termina no auto extermínio. É nesse sentido que certos projetos políticos, como o de Bolsonaro, estão interessados na destruição e não na criação. O fascismo é sempre fascinado pela ruína e pela negação da vida através de sucessivas aproximações na direção de grandes espetáculos de morte e extermínio.