DESAFIOS NOS ENFRENTAMENTOS DO VIVER COM DEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

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Como vivência singular de dimensão inalcançável em sua totalidade para demais pessoas, a deficiência adquirida, seja física, visual, auditiva, intelectual ou psicossocial, impõe mudanças radicais no estilo de vida de quem a vivencie, trazendo a reboque inúmeras barreiras a serem superadas por gente grande. Quando nos acomete, a primeira reação é sempre de negação, impacto ou choque, como tentativa imediata de questionar: Por que eu? Ocasião em que mais adequado seria: Por que, não eu? Lançando olhar ao nosso próprio redor e não sendo difícil encontrar alguém passando por terríveis dificuldades de saúde, conflitantes relacionamentos familiares, com doença incurável, quase terminal, tratamentos espoliantes, depauperadores, suficientes para que nos aquietássemos em nossos lamentos desnecessários, que apenas nos tornam mais fracos ante o que se anuncia.

Muitos emperram na fase de negação e se fecham em casulos intransponíveis, assumindo postura de vítimas, culpando as pessoas mais próximas e significativas pelo acontecido, rejeitando as orientações e procedimentos terapêuticos das equipes de reabilitação, retardando quaisquer conquistas funcionais, adquirindo complicações clínicas e psicológicas que apenas os prejudicam. Nesses casos, é fundamental considerar que cada pessoa tem a sua forma de reagir ao quadro, embora resistentes, havemos de lhes prestar cuidados e orientações como para com os demais, certos de que no momento em que despertem possam participar mais efetivamente no seu próprio processo de reabilitação. Ninguém adquire ganhos funcionais sem esforço, envolvimento, dedicação e empenho nas atividades terapêuticas de reabilitação, portanto, se a pessoa não colabora permanece dependente total dos cuidadores, familiares e pessoas significativas.

Sem alternativa objetiva, a fase de negação, deve ser superada para que se possa mais sabiamente agregar energias essenciais ao bater retirada do fundo do poço. Exercício de mentalização e introspecção, na busca de contatar nossa fonte interna de força fluídica, cujo depositório interior nos suprirá do que for preciso ao longo enfrentamento de um mundo apenas preparado para pessoas sem deficiência, não havendo margem segura para quem se apresente fora dos seus cruéis padrões de normalidade. Nesse fluxo, o apoio das equipes profissionais da atenção hospitalar, na fase aguda, é sempre determinante, em particular da enfermagem que cuida mais diretamente da gente, nos ouvindo, amenizando nossos medos, aflições e vulnerabilidades. Todo o processo de integração setorial deve ser dinâmico para que sejamos encaminhados aos atendimentos mais precoces possíveis nos Centros Especializados de Reabilitação, e, posteriormente, para cada ponto de atenção da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, no longo prazo.

Em seguida, a fase de repercussão, que ocorre quando nos damos conta da irreversibilidade do dano e de juntar o que restou para recompor nosso corpo, mente e espírito. De imediato pensamos nos relacionamentos familiares, pessoais, sociais e de trabalho, já percebendo que a tendência é de que as outras pessoas continuem suas atividades, independente das nossas necessidades, afinal, não somos o centro do mundo. Na repercussão, fazemos balanço orçamentário e traçamos esquemas mentais do que dispomos frente ao que iremos necessitar, de acordo com as demandas apresentadas pelos membros da equipe de reabilitação. De início, ficamos surpresos com o alto custo dos instrumentos, materiais e equipamentos necessários ao gradativo processo evolutivo nos programas de reabilitação, mais ainda quando somos informados da aposentadoria compulsória por invalidez, exclusivamente por falta de condições dos nossos ambientes de trabalho nos receber com alguma limitação física ou sensorial.

Não raro, detectamos alguns afastamentos pontuais e nos surpreendemos com ausência/indiferença de quem imaginávamos fiéis escudeiros. Nada de especial, até porque, não se deve esperar que as pessoas sejam exatamente como nossas elucubrações mentais, e ninguém dá o que não tem. Em pleno vórtice dos vínculos com atendimentos institucionalizados, mais uma vez apoio e suporte profissional da equipe de reabilitação deve ser aproveitado em sua totalidade, destaque para as orientações da enfermagem de reabilitação pertinentes ao autocuidado domiciliar, importante e valioso instrumento que disporemos para inclusão social, alcance da autonomia e empoderamento.

Finalmente, chega-se à fase de ajustamento, momento de checar as possibilidades financeiras fundamentais ao processo de adaptações dos ambientes domiciliares, de modo a possibilitar retorno com maior grau de mobilidade em casa. A depender do tipo de lesão, pode ser preciso reaprender a escrever, readquirir movimentos coordenados para se alimentar sozinho, habilidades psicomotoras para as higienizações corporais, desempenhar com ajuda as atividades de cuidar de si, vestir-se, executar transferências de cama/cadeira/bacia sanitária, com melhor grau de independência funcional, entre outras atividades cotidianas. Há quem dependa de ajuda total ou parcial para tarefas básicas, cujo atendimento inicial será prestado por ente familiar, requerendo posterior ajuda de cuidador pessoal no médio e longo prazos, cujo treinamento cabe aos enfermeiros de reabilitação.

Nessa fase, testamos várias modalidades de tecnologias assistivas que possam nos ajudar a viver o mais autônomo possível, minimizando nossa dependência para o autocuidado, inclusive, rememorando cada passo a passo dos procedimentos que nos foram instruídos pelos enfermeiros de reabilitação atuantes em todos os pontos de atenção da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência. A propósito, como o processo de reabilitação da pessoa com lesão neurológica incapacitante requer acompanhamento, orientação, avaliação dos cuidados para consigo, razões para que nossos vínculos com a enfermagem de reabilitação permaneçam de longo prazo, disponíveis para que os recorramos em eventuais episódios que demandem sua ajuda no ambiente domiciliar.

Ocorre que maioria das pessoas não dispõe de recursos para acesso às inovações da tecnologia assistiva e/ou custeio de despesas com o que se precisa para se ter qualidade de vida na deficiência, muitos partem precocemente por falta de apoio governamental, acometidos por infecções recorrentes, perdas de órgãos, entre outras razões, posto que os programas públicos de reabilitação não estão instrumentalizados para nada além de tecnologias assistivas básicas, apenas viabilizam acesso às intervenções terapêuticas tradicionais e raras aberturas aos projetos de inovação tecnológica, pesquisa e extensão acadêmica. A deficiência adquirida ou congênita incide nos mais diversos grupos populacionais da sociedade, dos mais abastados aos de menor poder aquisitivo, e prejudica sobremodo os mais pobres, por demandar recursos financeiros indisponíveis para essas pessoas e suas famílias. Não seria objeto prioritário a ser analisado pelos nossos representantes da classe política com a sensibilidade, seriedade e responsabilidade que se deve ter com a vida humana?

Wiliam Machado