Desmistificando usuários junto ao CAPS AD

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Durante muito tempo devido ao mal julgamento das pessoas em relação às drogas, sua utilização acabou por vezes escondida sob o pretexto de não se estimular o consumo entre as pessoas. Contudo, não falar sobre o assunto somente fecha os olhos para uma realidade que acontece e é conseqüência de diversos fatores que assolam a vida do ser humano, controladas pelo Estado ou não.

A vivência do estágio do CAPS-AD se mostra de extrema importância para compreender mais o perfil de pessoas que buscam sanar algum vazio nelas presente junto as drogas e compreender os motivos que as levam a procurar ajuda. Nesse sentido, ao se abrir e permitir conhecer tais realidades é possível desmistificar padrões de comportamento associados quase automaticamente aos usuários que possuem os mesmos problemas e inseguranças que todos.

Desde a infância o ser humano é estimulado por diversos fatores que influenciam a construção de sua personalidade e caráter, sua convivência com a família, com pessoas na escola e o que ele escuta dos meios de comunicação. Nessa busca de autoconhecimento, apesar de bem maquiada ele é apresentado a gostar de várias coisas que podem por acabar influenciando-o em seu modo de viver, seja por estar constantemente nas redes sociais, ou ser “viciado” na adrenalina de esportes radicais ou até mesmo no uso desenfreado da droga.

Como é possível ver no filme Crack, repensar, algo que é bem discutido e que até hoje gera diversas discussões é a forma como se categorizar o vício e a dependência, fato que não é restrito ao uso das substâncias lícitas ou não, mas no ponto onde qualquer outro objeto possa levar a uma dependência que prejudica o dia a dia do homem e acaba prejudicando seu completo desenvolvimento. Nesse caso, outros fatos como a internet, as redes sociais, os jogos de aposta, a cafeína, o próprio celular como problematizado no documentário, apesar de legalizados podem influenciar o vício nas pessoas, causando também prejuízos na saúde e na sua socialização/autonomia³.

Tal discussão é importante sob o fato de que o vício é algo presente na sociedade seja qual for a sua origem e é algo que precisa ser discutido, buscando formas mais adequadas de superá-los não em prol de como eles necessariamente afetam aqueles próximos ao usuário, mas centralizando o cuidado no sujeito em questão. Inicialmente, devido à preocupação emergente no combate às drogas, a política de abstinência se mostrou como a única forma de se propagar saúde entre os usuários, já que pensava-se que com a parada do consumo total seria muito mais simples parar os sintomas e a influência da droga na vida social das pessoas, subestimando sua ligação com a substância.

A política de Redução de Danos surge como forma de se discutir e realmente referenciar que o problema do vício não se encontra na droga, mas sim na forma como aquele sujeito está sendo influenciada por ela. Ao deixar o protagonismo do problema no sujeito, faz com que a preocupação em sua melhora se envolva em torno do que o melhor lhe cabe e assim compreender que o completo abandono da droga pode não ser alcançado, mas nem por isso ele deve ser abandonado e esquecido pelo sistema¹.

Felizmente essa prática é introduzida atualmente nos serviços e já pode ser observado os ganhos dela presentes. Durante uma atividade em grupo no CAPS-AD, fica muito claro que uma abordagem junto ao usuário que não visa ao julgamento frente às suas recaídas ou a uma penalidade, preserva o vínculo do usuário ao serviço, evitando o afastamento do sujeito, já que ele se sente muito mais aberto a falar sobre o assunto e continuar freqüentando o centro em busca de ajuda.

Como citado por Passos e Souza 2011 O estigma do usuário de drogas como uma figura perigosa para a sociedade faz com que a redução de danos acabe enfrentando diversas críticas e sofrendo retrocessos em suas ações já que muitas pessoas não compreendem como o acolhimento e a não coerção sobre o consumo. Contudo, ao entender a forma como isso foi introduzido, junto a como o uso de seringas compartilhadas estava relacionado a infecção pelo HIV é visto que não pode apenas ignorar o problema da dependência deixando nos locais afastados da cidade, mas sim enfrentar aquela realidade e como o estado pode ajudar a melhorar a saúde daquele usuário mesmo sob o uso da substancia¹.

O Programa de Braços Abertos iniciado no município de São Paulo influenciado pela housing first, demonstrou um progresso na abordagem dos dependentes que se encontravam abandonados. Regulado sobre os princípios de acolhimento e garantindo, moradia, alimento, trabalho e renda², sem necessariamente dar sermões com o objetivo da abstinência.

Dentro do programa foi possível ver os frutos, dando aos usuários uma perspectiva de vida a longo prazo, que tem o poder de diminuir o uso ou até afastar muitos deles da droga. Nessa situação, prezando por sua autonomia em possuir o senso critico de como tal substância afeta sua proposta de vida, além de inseri-los como agentes de mudança e a escutar sobre como o estado pode ajudá-los a superar os problemas, sem recriminá-los, postura que afasta o atendimento².

Infelizmente em muitos locais a política de criminalização pesada e exclusão social com jatos de água como visto no vídeo ainda é amplamente utilizada no país, que transforma hospitais psiquiátricos em elementos de encarcerar os usuários financiando uma guerra interna. Felizmente, junto à reforma antimanicomial é visto uma luta para com essa mudança e programas como o Braços abertos, o CAPS, e a própria atenção básica são cada vez mais bem estabelecidos nas comunidades alcançando e ajudando um maior número de pessoas. ¹,²,³

O assunto em relação às drogas deve permear muito além de sua criminalização ou liberação, mas sim no enfoque ao qual a população se encontra em risco sobre a dependência principalmente naqueles em situação vulnerável. Dessa forma, o Estado e todos os cidadãos possuem um papel social de compreender a realidade existente, estimulando os diversos órgãos a buscar novas alternativas de enfrentar o problema que ao invés de contribuir para o isolamento estimule a autonomia e a inserção dessas pessoas na vida em sociedade de forma saudável.

 

REFERENCIAS

1. Passos, E. H. & Souza, T. P. “Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas””. Psicologia & Sociedade; 23 (1): 154-162, 2011.

2. PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. ENTREVISTA COM MYRES MARIA CAVALCANTI

3. Crack, repensar. Documentário.